Brasil pode ter milharessuperdotados que não sabemseu alto QI:
A Mensa Brasil é o braço local da Mensa Internacional, uma organização fundada1946 no Reino Unido para reunir superdotados.
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Para ser aprovado e se associar à Mensa, é preciso fazer mais130 pontos no testeQI — a média no Brasil épouco mais83 pontos, segundo os cientistas Richard Lynn e David Becker, no livro The Intelligence of Nations (A Inteligência das Nações,tradução livre), de 2019.
Outro candidato, Rafael Moreira,35 anos, foi parar naquela prova um pouco por acaso. O profissionaltecnologia está investigando se tem transtorno do déficitatenção com hiperatividade (TDAH) e, durante uma avaliação neuropsicológica, um dos testes constatou que ele tinha alto QI.
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Assim, surgiu a possibilidadequefaltaconcentraçãodiversas atividades seja consequência não do TDAH, masuma superdotação.
"A avaliação neuropsicológica nem era sobre QI. O objetivo era para tratamento psicológico. Aí saiu [o resultado]. Achei estranho, vi o valor e achei alto", diz Moreira, que resolveu fazer mais um teste, dessa vez aplicado pela Mensa.
Os resultados dos testes realizados naquele sábado seriam comunicados aos candidatos dentroduas semanas.
Não existe uma definição consolidada para o que são pessoas superdotadas, mas esse termo se popularizou para identificar quem tem uma inteligência muito acima da média.
Alguns especialistas argumentam que o raciocínio lógico, que é medido pelos testesQI, não deve ser a única e pode não ser a melhor medida para identificar pessoas muito inteligentes.
Por isso, alguns optam pelo termo “altas habilidades”, usado para apontar quem é fora da curvamais áreas, como artes, comunicação e esportes.
As estimativasquantas pessoas são superdotadas também variam bastante.
A Mensa trabalha com a estimativaque 2% da população mundial tem alto QI (com resultado igual ou maior que 130 pontos no teste).
Com este percentual, considerando que o Brasil tem 203 milhõespessoas, segundo o último Censo Demográfico, haveria cerca4 milhõesbrasileiros “superinteligentes” — termo que a Mensa prefere usar.
Mas até agora, a organização identificou apenas 2,6 mil deles e, por isso, diz que o Brasil é uma “potência intelectual adormecida”.
Enquanto isso, o Censo Escolar do ano passado apontou que há 26.815 alunos identificados com altas habilidades ou superdotação nas escolas do país — o equivalente a 0,5%todos os estudantes da educação básica.
Mesmo esse número parece ser subestimado se comparado às estimativasoutros países reunidas pela Organização para Comércio e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Na China, calcula-se que 1 a 3% dos estudantes são superdotados. Nos Estados Unidos, entre 1% e 11% dos alunos recebem algum tipoassistência por superdotação, a depender do Estado. Já o México informa que 3% dos menoresidade têm QI alto.
Levandoconta estes percentuais, haveria entre 470 mil e 4,7 milhõesestudantes superdotados no Brasil — e isso apenas nas escolas, sem contar quem não está nelas.
É frequente na imprensa,publicações governamentais e atéartigos científicos a menção ao que seria uma estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS),que cerca5% da populaçãotodo o mundo teria superdotação.
Mas a OMS disse à BBC News Brasil que não reconhece esse dado e que não tem estimativas sobre o percentualsuperdotados.
A OCDE alerta que varia bastante,país para país, os percentuais, os métodoscálculo e a definição do que é a superdotação.
Diferente da Mensa, a Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (Apahsd) vai além do testeQI e recorre também a avaliações com especialistas que analisam se uma pessoa tem alta habilidadesuas áreas — como Biologia, Matemática, Artes Plásticas, entre outras.
“O testeQI não mede a área cultural, artística, musical, interpessoal... Ele avalia a área cognitiva. É mais um instrumento. Não é o único nem o definitivo”, diz a pedagoga Ada Cristina Toscanini, presidente da Apahsd e pós-graduadaadministração escolar, educação especial e arte terapia.
Em uma matéria2009 da revista New Scientist, o pesquisador David Perkins, da EscolaEducação da UniversidadeHarvard, argumentou que “um alto QI é como a altura para um jogadorbasquete”.
“Há muito mais [necessário] para ser um bom jogadorbasquete do que ser alto, e há muito mais para ser um bom pensador do que ter um alto QI.”
A psicóloga Regina Helena Campos, professora da Universidade FederalMinas Gerais (UFMG) e mestre e doutoraEducação, está entre os que dizem que o QI não é uma medida absoluta da inteligência.
“O que ele [o teste] faz é apenas avaliar uma determinada característicarelação ao grupo. É uma medidarelação ao grupo, não é uma medida absoluta. A gente não tem uma medida absoluta do que é ser inteligente”, aponta Campos, presidente do CentroDocumentação e Pesquisa Helena Antipoff.
Ela reconhece que os estudos da inteligência na Psicologia são um campo antigo, fértil e consolidadopesquisa, mas diz que há aspectos da inteligência difíceisserem quantificados.
“Existe uma inteligência que égrupo: quando você participauma atividade coletiva,uma instituiçãopesquisa, por exemplo, você troca informação e isso alimenta o outro”, diz a psicóloga.
Carlos Eduardo Fonseca, vice-presidente da Mensa Brasil, defende que os testesQI são um critério objetivo para selecionar associados, são adotadosdiversos países que têm boas práticaseducação e são referendados cientificamente pelo Conselho FederalPsicologia (CFP) no Brasil.
Fonseca afirma que os testesQI não exigem formação avançada, por exemploCálculo ou Estatística. Pelo contrário: muitas vezes eles usam apenas imagens, não demandando nem a alfabetização,alguns casos.
A superdotação não é uma condição médica e nem um transtornoneurodesenvolvimento e, sim, uma característica individual.
A pedagoga Ada Cristina Toscanini, da Apahsd, explica que os cientistas ainda estudam a origem da superdotação, mas acredita-se que ela pode ser explicadaparte por fatores genéticos eparte por fatores ambientais, como hábitos, criação e cultura.
“Em escolas públicas, já ouvi professoras perguntando: você acha que vai achar superdotados aqui? E encontramos. A alta habilidade não escolhe raça, não escolhe família abastada, não escolhe nada.”
No ano passado, a BBC News Brasil mostrou as históriasduas crianças que foram identificadas como superdotadas.
Theo e Nicolle chamaram a atençãosuas escolas, e seus pais receberam da equipe pedagógica a orientação para fazer consulta com neuropsicólogos. A alta habilidade foi confirmada nos dois casos.
Fonseca, da Mensa Brasil, diz que, quanto mais cedo a superdotação for detectada, melhor, porque estas pessoas podem ser logo acompanhadasforma apropriada.
Em casodesconfiançaque uma criança ou adulto tenha superdotação, ele indica procurar psicólogos especializados ou neuropsicólogos, ou ainda a rede municipaleducação — segundo ele, a principal portaentrada para a educação especial.
Mas há pais que preferem esperar o momento mais oportuno para verificar se seu filho é superdotado, como a família da menina Alice, que ficou famosa na internet por falar palavras difíceis com 2 anosidade.
No iníciojulho, ela, agora com 4 anos, tornou-se apresentadora do quadro “Pequenos Gênios”, do programa Domingão com Huck, na TV Globo.
No quadro, crianças com altas habilidades, distribuídasoito equipes, competemdesafiosMatemática, memória e raciocínio. A equipe vencedora ganhará um prêmiodinheiro que pode chegar a R$ 50 mil.
“Entendemos que o diagnósticoaltas habilidades pode ser benéficomuitos casos, mas até este momento não sentimos que seja necessário para o caso da Alice”, diz a mãeAlice, Morgana Secco, à BBC News Brasil.
"Ter uma possível confirmaçãoaltas habilidades não mudaria a nossa condução na educação dela e acarretaria um rótulo que pode ser pesadocarregar. Talvez quando ela entrar na escola e se sentirmos necessidade, procuraremos especialistas, mas por enquanto seguiremos assim."
'Cuidado com a pressão'
Toscanini avalia que, no Brasil, a busca por superdotados está chegando “muito tarde” e, muitas vezes, a superdotação é confundida com hiperatividade, déficitatenção, distúrbio desafiador opositor e autismo
Por outro lado, a psicóloga Regina Helena Campos avalia que a faltaidentificação se deveparte a problemas mais urgentes da educação no Brasil.
"O problema, para a gente, é incluir todo mundo [primeiro]", diz.
Os profissionais formadospsicologia são os únicos autorizados a fazer testes inteligência no país.
Tanto a Mensa quanto a Aspadh cobram pelos testes para detectar altas habilidades e por atividadesacompanhamento posteriores, após a detecção — por exemplo, encontros para estimular tais habilidades ou orientações sobre como lidar com a escola e os colegas.
A inscrição no teste da Mensa custa R$ 98, e os membros pagam R$ 133anuidade. A Apahsd não divulgou os valores cobrados e diz que oferece isenções para criançasbaixa renda.
Os testes da Mensa são apenas para maiores17 anos. Para crianças e adolescentes mais novos, a família deve realizar à parte testes com um psicológo e depois apresentar os resultados à organização.
Fonseca afirma que o acompanhamento e os encontros organizados pela Mensa buscam acolher apropriadamente pessoas identificadas com alto QI e alerta que é preciso cuidado, no caso das crianças, com a pressão.
“Pessoas com alto QI têm normalmente uma pressão grande por resultados, os pais enchemexpectativas”, alerta Fonseca, que foi identificado com um alto QI aos 35 anos.
“Muita família que chega nesse universo da superdotação e do alto QI fica um pouco deslumbrada. A gente tem que ter cuidado com esse perfil. Vá ensinar o seu filho, dê muito conteúdo para ele, para estimular o potencial dele, mas fique atento às questões da criança, aos limites [da sobrecarga].”
A LeiDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) inclui alunos com “altas habilidades ou superdotação” — sem definir ou diferenciar os dois termos — no grupo daqueles que têm direito à educação especial, assim como alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento.
Nas escolas públicas e privadas, não é preciso fazer um testeQI ou ser avaliado por especialistas para confirmar a superdotação e receber assistência especial — como a complementaçãoatividades e a aceleração no progresso das séries.
A equipe pedagógica pode apontar as altas habilidades por conta própria, explica a psicóloga Cristina Delou, presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD), uma organização nacional sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos dos superdotados.
“Quando a escola tem consciência que o aluno tem competências acima da classe onde está e que ele está sofrendo, porque não tem desafio ali, a escola faz o movimento da aceleraçãoestudos. Mas não é toda escola que faz isso”, diz Delou.
Uma alteração na LDB2015 previu a criaçãoum “cadastro nacionalalunos com altas habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior”. Até hoje, o cadastro não saiu do papel.
A BBC News Brasil procurou o Ministério da Educação para saber se há planos e prazos para implementar o cadastro nacional, mas a pasta não respondeu essa questão.
O órgão afirmou apenas que, “no tocante às pessoas com altas habilidades/superdotação, esse Ministério torna público o seu compromissoromper com a invisibilidade histórica, desse público, nas políticaseducação.”
Carlos Eduardo Fonseca, da Mensa Brasil, diz que as políticas públicas para identificar superdotados estão defasadas.
“Onde está o erro? Na minha opinião, começa na identificação. Não tem investigação, não tem estímulo a um pai, uma mãe, uma escola entender qual o volume da populaçãosuperdotados ali dentroum município, dentro do Estado e do país", afirma Fonseca.
Ele diz que outro exemplo disso é que faltam nas universidades programas para indivíduos com QI alto.
“A gente não tem nada otimizado para eles. Nunca ouvi falarninguém que acelerou os estudos numa universidade. A educação brasileira não está preocupadaidentificar as pessoas com alto QI.”
Rafael Rocha diz que sofreu muito bullying na escola por ter uma inteligência acima da média.
Isso é bastante comum, explicam especialistas, com pessoas que são superdotadas mas não foram identificadas como tais, porque há um desencaixerelação à turma que pode gerar conflitos e estranhamento.
“No começo, eu era rejeitado pelas outras crianças. Depois, eu me enturmei, e depois fui rejeitadonovo. Minha inteligência ficou travada por muitos anos por contabullying na infância”, diz Rocha.
Das três pessoas que fizeram o testeQI da Mensa, ele foi o único aprovado.
Rocha diz que espera que, como membro da Mensa, algumas portas se abram, por exemplo, bolsasestudos no exterior — onde ele diz que sempre quis morar, principalmente nos Estados Unidos ou na Europa: "É o meu sonho."
Já Rafael Moreira não passou no teste e diz que ainda está pensando se vai tentarnovo.
"Não fiquei chateado, leveiboa", diz Moreira. "As métricas sobre inteligência são um assunto novo para mim, mas eu acredito que é um indicativopredisposição e não um fator qualitativo para comparar as pessoas.”