Bolsonaro e os tribunais:joias a eleições, os problemas que o ex-presidente enfrenta na Justiça:

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) regressou ao Brasil na quinta-feira (30/03) após três meses morando nos Estados Unidos. Ele deixou o país no dia 30dezembro do ano passado, dois dias antes do fimseu mandato. Com isso, ele deixouentregar a faixa presidencial ao seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Sua volta animou dezenasapoiadores e políticos da direita conservadora que tentaram encontrá-lo no saguão do Aeroporto InternacionalBrasília.

Um dos planos do ex-presidente é viajar pelo Brasil, agora como presidentehonra do PL, que pretende utilizá-lo como principal cabo eleitoral para as eleições2024. Mas apesar da animação, Bolsonaro deverá ter pela frente um intenso embate com a Justiça brasileira.

Isso poderá ocorrer porque ele é alvouma sérieinquéritos e processosdiferentes instâncias do Poder Judiciário.

Há desde ações que podem deixá-lo inelegível e, portanto, forafuturas disputas eleitorais, a investigações sobre as joias dadas pelo governo da Arábia Saudita a ele emulher, Michelle Bolsonaro.

Confira, abaixo, as principais frentes que Bolsonaro teráenfrentar na Justiça:

Joias sauditas e primeira instância

A frentebatalha mais recenteBolsonaro com a Justiça é a que investiga as circunstâncias nas quais joias dadas pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente e àmulher, Michelle Bolsonaro, entraram no Brasil.

O caso foi revelado pelo jornal O EstadoS. Paulo. Segundo as reportagens, a Receita Federal reteve um conjuntojoias dadas a Bolsonaro pelo regime saudita2021.

No pacote havia um colardiamantes, um anel, um relógio e um parbrincos, tambémdiamantes.

As joias estavam na mochilaum assessor do então ministroMinas e Energia Bento Albuquerque que tentou entrar no Brasil com o produto sem declarar os bens ao Fisco, livrando-se, assim, do pagamento dos impostos.

Depois disso, o governo enviou assessores a Guarulhos para tentar reaver as joias.

Após a revelação feita pelo jornal, foi divulgada a existênciaoutros dois conjuntosjoias dados pela Arábia Saudita à família Bolsonaro.

Em março, o Ministério da Justiça pediu a aberturauma investigação para apurar se houve alguma ilegalidade no caso.

Em entrevista sobre o assunto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, mencionou três possíveis crimes a serem investigados: descaminho, peculato e lavagemdinheiro. As suspeitas sãoque Bolsonaro teria tentado reaver as joiasbenefício próprio e sem pagar os impostos devidos.

Em entrevistas, Bolsonaro edefesa vem negando qualquer irregularidaderelação às joias. Segundo ele, todas as medidas relativas às joias teriam sido cadastradasforma legal.

"Um grupojoias,2021, ficou retida na Alfândega. Eu e minha esposa ficamos sabendo pela imprensa. Parece que seria um valor alto [...] se não tivéssemos cadastrado, se eu tivesse tentado camuflar isso aí, jamais o EstadoS. Paulo ia saber que eu tinha recebido essas joias", disse Bolsonaropronunciamento dado nesta quinta-feira (30/3), após seu retorno ao Brasil.

Na quarta-feira (29/3), o jornal O EstadoS.Paulo divulgou que a Polícia Federal já marcou o primeiro depoimentoBolsonarorelação ao caso das joias. Será na quarta-feira (5/4).

O caso das joias, diferente dos demais, está sendo conduzido na primeira instância da Justiça, uma vez que Bolsonaro não tem mais foro privilegiado.

Além desses, o ex-presidente ainda responde a pelo menos oito ações que foram, recentemente, redirecionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à primeira instância.

Nesse grupoprocessos há ações sobre pronunciamentos feitos por Bolsonaro nas celebrações do 7Setembro2021 e ataques a ministros do Supremo como Luís Roberto Barroso e AlexandreMoraes.

STF: milícias digitais e notícias falsas

No STF, Bolsonaro é alvopelo menos seis inquéritos. Em todos eles, os casos ainda estão na faseinvestigação e o ex-presidente não foi processado. Alguns desses casos ainda tramitam na Corte porque decorreminvestigações envolvendo outros alvos e que já vinham sendo tratadas na Corte.

Em um deles, ele é investigado por seus ataques à confiabilidade das urnas eletrônicas nos últimos anos e porsuposta atuaçãouma milícia digital que teria como objetivo atentar contra a democracia. O caso está sob a relatoria do ministro AlexandreMoraes.

Bolsonaro também é investigado no inquérito que apura a responsabilidade pela açãomilharespessoas que invadiram as sedes dos Três Poderes, no dia 8janeiro deste ano. Bolsonaro foi incluído no inquérito, que também está sob a relatoriaAlexandreMoraes, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

O inquérito tem como objetivo identificar os autores intelectuais dos atos ocorridos no início deste ano.

Bolsonaro entrou na mira das investigações após publicar um vídeosuas redes sociais após as invasões que colocavadúvida o resultado das eleições2022, uma das principais queixas dos militantes que invadiram as sedes dos Três Poderes. O vídeo foi apagado pouco depoisa contaBolsonaro publicá-lo.

Logo após a invasão, o presidente Lula atribuiu a Bolsonaro a responsabilidade pela invasão dos prédios.

"Tem vários discursos do ex-presidente da República estimulando isso. Ele estimulou invasão na Suprema Corte, estimulou invasão [...] só não estimulou invasão no Palácio porque ele estava lá dentro. Mas ele estimulou invasão nos Três Poderes sempre que ele pôde. E isso também é responsabilidade dele e dos partidos que sustentaram ele", disse Lula à época.

Em suas redes sociais, porém, Bolsonaro rebateu as acusações feitas por Lula e negou seu envolvimento com os atos8janeiro.

"Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição, respeitando as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade" disse uma postagem.

"No mais, repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do chefe do Executivo do Brasil", disse Bolsonaro.

Além desses, Bolsonaro ainda é alvoinvestigações que apuram:

Seu advogado nos inquéritos que tramitam no STF, Marcelo Bessa, disse estar confianterelação ao futuro dos casos.

"As suspeitas levantadas sobre o ex-presidente foram feitas dentroum contexto político, fazem parteuma narrativa. Mas quando a gente analisa os fatos e as provas, verificamos que nada se sustenta", afirmou.

Justiça Eleitoral: riscoinelegibilidade

Bolsonaro é alvo16 processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele é acusadoilegalidades cometidas durante a campanha.

Os processos avaliam se houve abusopoder econômico, abusopoder político e abuso do uso dos meioscomunicação pelo então presidente. Ele é acusadoter se aproveitado do cargo e da estrutura da Presidência da Repúblicabenefício próprio durante o processo eleitoral.

Se for condenadoalguma dessas ações e, se a Corte entender que a conduta que levou àcondenação foi grave, Bolsonaro pode ficar até oito anos inelegível.

Dependendoquando (e se) essa condenação ocorrer, o ex-presidente poderá ficar fora das disputas presidenciais2026 e 2030.

De todos os processos eleitorais contra Bolsonaro, há dois que são considerados pelos especialistas como os mais importantes.

O primeiro deles é uma ação movida pelo PDT, partido do candidato derrotado à Presidência2022, Ciro Gomes.

Na ação, Bolsonaro é acusadopraticar ataques ao sistema eleitoral.

Um dos exemplos citados na ação foi a reunião organizada por Bolsonaro com embaixadoresdiversos países,Brasília, na qual ele fez uma apresentação sobre supostas falhas no sistema eleitoral do país.

No entendimento do PDT, Bolsonaro praticou abusopoder no episódio.

Um dos desdobramentos mais recentes desta ação aconteceujaneiro deste ano. O ministro Benedito Gonçalves, admitiu como prova a minutaum decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça durante a gestão Bolsonaro, Anderson Torres, que previa o estadodefesa e a suspensão do processo eleitoral2022.

Ainda não há previsão sobre quando o caso será julgado.

O segundo processo considerado importante foi movido pelo PT e que contesta uma sériebenefícios concedidos por Bolsonaro durante o período eleitoral, o que, segundo a acusação, configura abusopoder político e econômico.

O chamado "pacotebondades" seria composto por dez medidas, entre elas:

Em janeiro, juristas ouvidos pela BBC News Brasil avaliaram que este processo é o que teria mais chanceslevar a uma condenaçãoBolsonaro e àpossível inelegibilidade.

A advogada Paula Bernardelli explicou que já existe um grande númerodecisões do TSE que consideram a aprovaçãobenefícios do tipo como abusopoder político e econômico.

"A gente nunca teve um presidente condenado por isso, mas esse tipocondenação é bem comumprefeituras do interior", disse a advogada.

"Você vê muitos casosque prefeitos são cassados por distribuir benefícios, por trocafavores - casos quealguma forma se aproximam dos que estão na ação (contra Bolsonaro), embora sejamescala diferente", completou Bernardelli.

Existe uma jurisprudência nesse sentido que não favorece Bolsonaro, explica Luis Fernando Pereira, coordenador-geral da Academia BrasileiraDireito Eleitoral e Político (Abradep).

"Talvez o fatoser um pleito presidencial, dada a dimensão, exija uma demonstração mais categórica desse abuso. Mas se nos orientarmos pelas decisões da Justiça até agora, o riscocondenaçãoBolsonaro nessa ação é o maior", afirmou.

Quando ainda era presidente, Bolsonaro negou que o apelidado "pacotebondades" tivesse viés eleitoral e argumentou que as medidas se justificavam pela situação"emergência" do país, após a pandemiacovid-19.

A reportagem da BBC News Brasil procurou o advogado Tarcísio Vieira, que defende Bolsonaro na esfera eleitoral, mas ele não respondeu às tentativascontato.

Futuro político

Para a cientista política e professora da Escola SuperiorPropaganda e Marketing Denilde Holzhacker, apesarenfrentar processosdiversas esferas, a principal fontepreocupação do ex-presidente e do seu partido, o PL, está na Justiça Eleitoral.

Segundo ela, haveria uma tendência para que a Corte o condenasse e o tornasse inelegível pelos próximos oito anos. Isso obrigaria Bolsonaro e o PL a recalcular seus planos.

"Se isso acontecer, isso vai ter uma sérieimplicações, a começar pela estratégiaconstruçãouma nova candidatura (presidencial) e pela necessidadesaber quem seria o herdeiro do bolsonarismo", disse a professora.

"Isso também afetaria a capacidade do PLexecutar o plano do seu presidente, Valdemar da Costa Neto,aumentar o númeroprefeituras do partido2024", afirmou Holzhackerreferência às eleições municipais do ano que vem.

A professora, no entanto, avalia que se Bolsonaro não ficar inelegível, ele tende a continuar a ser um ator importante nas próximas eleições.

"Se isso (condenação) não acontecer, teremos uma lógica ligada ao retorno da capacidadeBolsonaroarregimentar e construir uma candidatura futura", avaliou.

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