Enel: quem tem o poderromper contratoconcessãoenergiaSão Paulo?:

Avenida do Cursino no bairro do Jabaquara sem energia elétrica, apenas com iluminaçãocarros

Crédito, Paulo Pinto/Agência Brasil

Legenda da foto, No domingo (13), a Avenida do Cursino no bairro do Jabaquara continuava sem energia elétrica após dois dias do temporal

AdversárioNunes nas eleições municipais, Guilherme Boulos (PSOL) culpou a prefeitura pelo “caos” na capital paulista.

O ministroMinas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), acusou Nunesmentir sobre a renovação do contrato com a Enel e disse que uma eventual ruptura dependeria do “devido processo legal”.

A empresa italiana tem sido alvocríticas, com outros dois apagões na capital paulistamenosum ano.

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Em novembro2023, cerca3,7 milhõespessoas ficaram sem luz após fortes chuvas na região metropolitanaSão Paulo. A empresa demorou até seis diasalgumas regiões para estabelecer a energia.

Em março deste ano, foi a vez dos moradores do centro da capital paulista, inclusive a Santa Casa, ficarem sem luz.

A distribuidoraenergia também acumula reclamaçõesoutros estados onde tem contratos, como no Ceará, onde o Ministério Público instaurou procedimento contra a empresa para apurar possível piora do serviço.

Na Assembleia Legislativa, uma Comissão ParlamentarInquérito (CPI) foi aberta para investigar a conduta da empresa.

Uma nota técnica feita pelo TribunalContas do MunicípioSão Paulo, o TCM-SP, encaminhada à Aneel, disse ter identificado "graves falhas" no cumprimentometasinvestimento e na qualidade do atendimento.

O órgão sugeriu a realizaçãoauditorias externas, maior transparência nos indicadoresdesempenho e a criaçãoum planocontingência para situaçõesemergência. (Leia nesta reportagem os principais pontos indicados pelo TCM-SP).

A BBC News Brasil consultou especialistas para entender se é possível quebrar esse contrato, que vai até 2028, equais cenários isso ocorreria.

É possível quebracontratoconcessão?

O contratoconcessão com a Enel foi firmadooutubro1998, com prazo30 anos. O documento prevê a possibilidadeprorrogação por mais 30 anos a critério da Agência NacionalEnergia Elétrica (Aneel),casosolicitação da concessionária.

A quebra do contrato antes do término do prazo pode ocorreralgumas formas, segundo especialistas.

Uma delas é chamadaencampação, quando a União decide retomar os serviços antes do término do contrato. Neste caso, a concessionária deve receber indenização.

Já a caducidade é a extinção do contratocasodescumprimento grave das obrigações contratuais pela concessionária.

Essa é a formasanção mais grave a que a concessionária está submetida, explica Vera Monteiro, professoraDireito Administrativo da EscolaDireitoSão Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP).

O processo é feitocasofalhas gravíssimas ou reincidência destas falhas. Antes, a empresa pode ser penalizada com sanções como multas.

“Quando ela já foi sancionada, multas já foram aplicadas e ainda assim a empresa tem uma situação reincidente ou deixacumprir alguma obrigação muito séria prevista no contrato, a União pode decretar a caducidade, feita a partiruma notificação. Neste caso, a empresa tem a oportunidadese defender”, explica Monteiro.

Ela pontua que o processo não é simples: a caducidade exige a comprovação da culpa da concessionáriaum processo administrativo, que demanda tempo e análise técnica.

“A empresa pode explicar, por exemplo, que essa falha foi culpaterceiros ouuma situação multifatorial, como eventos climáticos inesperados ou podasárvores que não foram feitas. Ela tem chancedefesa durante o processo administrativo, que será avaliada pela área técnica”, diz.

Comércio no Bom Retiro sem energia elétrica

Crédito, Paulo Pinto/Agência Brasil

Legenda da foto, Na segunda (14), ruas do bairro paulistano Bom Retiro com fábricas e lojas que ainda estavam sem energia elétrica

Na segunda-feira, Ricardo Nunes disse que “o presidente da República poderia, numa única ação, fazer a intervenção nesse serviço. E até agora não fez”.

Monteiro diz que a declaração do prefeito é uma “meia verdade”.

“A extinção do contrato é realmente feita por um decreto do presidente da República. Mas, para isso acontecer, ele precisa ter embasamentoum processo administrativo sancionatório, que recomendou esta extinção. Ou seja, o contrato não é interrompido automaticamente eforma rápida.”

Existem precedentesquebracontratos?

A Aneel já enviou recomendação da caducidade ao MinistérioMinas e Energiadois casos - no Amapá e no Amazonas.

Em 2007, a Aneel recomendou ao ministério a caducidade da concessão da Companhia Energética do Amapá (CEA). A empresa controlada pelo governo do Estado não tinha condições operacionais e econômicasprestar o serviço público, na visão da agência. O pedido foi encaminhado dez anos após trocasofícios e recomendações à empresa.

Um caso mais recente é o da Amazonas Energia S.A.

Em novembro2023, a Aneel decidiu encaminhar a recomendaçãocaducidade da empresa que opera no estado do Amazonas devido ao descumprimentocláusulas contratuais referentes à capacidadegerir os recursos financeiros.

Na recomendação, a agência destacou o caixa negativo e alto endividamento da empresa, com episódiosinadimplência.

Antes da recomendação da caducidade, a Aneel pediu à empresa um planorecuperação da condição econômica ou a transferênciacontrole societário. A distribuidora indicou a Green Energy SoluçõesEnergia para assumir o controle societário, mas não comprovou a capacidade técnica e financeira para assumir a concessão.

O MinistérioMinas e Energia, no entanto, estimou um custoR$ 2,7 bilhões para a União se o processocaducidade da Amazonas Energia fosse iniciado e não levou o processo adiante.

Como alternativa à extinção do contrato, o governo publicou uma medida provisória para facilitar a trocacomando da concessão, que tem históricosucessivos déficits e elevado endividamento. O caso ainda aguarda desfecho.

Aneel não descarta medidas severas

A professoradireito administrativo na Universidade Presbiteriana Mackenzie Lilian Pires também reforça que somente após uma recomendação da área técnica que o processo é encaminhado ao MinistérioMinas e Energia, que pode decretar a caducidade do contrato.

Ela diz que o processo “não é uma canetada” e também destaca que é demorado.

Por isso, ela não vê chancesuma quebra do contratoconcessão da Enel antes2028, quando a concessão chega ao fim. “A aberturaum processocaducidade agora talvez terminaria muito próximo do fim do contrato”, diz.

Ela destaca que a agência reguladora precisa ser transparente sobre as ações tomadasrelação às falhas e sanções da Enel.

“É muito importante que a agência informe quais são os passos que ela tem tomado com relação os inadimplementos da concessionária, como está sendo apurada a qualidade da prestação do serviço e tem se comportado com relação a essa prestaçãoserviço, porque essa é uma responsabilidade que é da agência”, diz.

Em nota enviada à BBC News Brasil, a Aneel afirmou que está conduzindo uma “apuração rigorosa e técnica” sobre a atuação da EnelSão Paulo.

A agência afirmou que está acompanhando diariamente a articulação com outras concessionáriasserviço públicodistribuição e transmissão e com os poderes públicos para o restabelecimento da energia elétricaimóveis afetados.

No plano administrativo, a Aneel afirmou que será encaminhada intimação formal à empresa italiana que integra relatórioavaliação da continuidade do contratoconcessão.

“Caso sejam constatadas falhas graves ou negligência na prestação do serviço, a Agência não hesitaráadotar as medidas sancionatórias previstaslei, que podem incluir desde multas severas, intervenção administrativa na empresa e aberturaprocessocaducidade da concessão da empresa”, afirmou a agência.