A escola rural na Colômbia que sem biblioteca nem internet conseguiu ganhar um prêmio mundialeducação:

Portanto, não é surpreendente que hoje a Instituição Educativa Montessori, unidade San Francisco, não possua biblioteca nem salaprofessores.

O que é extraordinário é que, com os recursos limitados com os quais opera, conseguiu conquistar mais30 prêmios nacionais e internacionais porabordagem educacional.

E o que é quase milagroso é que recentemente tenha recebido US$50.000 por ganhar o prêmiomelhor escola do mundoação ambiental, superando escolaspaíses como Emirados Árabes, Filipinas, China, Argentina e Canadá.

Este prêmio é o resultadomaisseis anosesforços da comunidade educacional, sob o nomeCafeLab, um laboratório inovador inspirado na natureza cafeicultora das famíliasseus 380 alunos.

A BBC Mundo conversou com o diretor do projeto e com uma das alunas para entender como conseguiram transformar seu ambicioso sonhorealidade.

Professor Ramón e o dilema do café

Ramón Majé Floriano tem 39 anos e é professormatemática e física. Ele começou a trabalhar na localidade (zona rural)San Francisco2017. A primeira coisa que ele percebeu ao chegar foi que a instituição da qual passou a fazer parte, que leva o nome Montessori, não é afiliada e não pratica o famoso métodoeducação italiano, que atualmente é utilizado principalmenteescolasclasse alta.

"Perguntei e me disseram que não tinha nada a ver com o método e que colocaram esse nome porque era bonito", explica. Em seguida, Ramón conheceu seus alunos dos últimos anos do ensino médio. Eles lhe contaram com muito orgulho que a região, o Huila, é a maior produtoracafé do país. De fato, ela manteve essa posição pelo menos até 2022, segundo um relatório da Federação NacionalCafeicultores da Colômbia.

"Aqui no municípioPitalito (onde fica San Francisco), 10.800 famílias vivem do café. O município possui 21 hectares cultivadas com grãos e a produção atinge pouco mais220.000 cargaspergaminho seco por ano", acrescenta. Assim, a maioria dos alunos cresceufazendascafé, pertence a famílias dedicadas à colheita do café ou está envolvidaalguma atividade econômica relacionada ao grãocafé.

E esse foi o pontopartida do projeto do professor Ramón, como é chamado na escola. "Comecei a desenvolver um exercícioaprendizado baseadoprojetos, pensando que o que é ensinado ao aluno deve ter significado para ele. Não adianta ensinar à criança, por exemplo, o número complexo se ela não o usará emvida cotidiana e, portanto, o esquecerá".

O professor e seus alunos começaram então com uma primeira faseobservação, realizaram saídas pedagógicas e focaramentender as práticasprodução da comunidade. "Foi assim que começamos a descobrir que por trás da produção da xícaracaféalta qualidade existe um impacto ambiental sobre o qual não se fala na Colômbia. Fala-se do melhor café do mundo, mas por trás desse café há um enorme problemacontaminação."

Especificamente, perceberam quetoda a cadeiaproduçãocafé existem cinco tiposresíduos naturais que, quando descartados, contaminam e alteram o meio ambiente e os ecossistemas nativos. O caule da planta, a casca do fruto chamadapolpa na região, o revestimento gelatinoso da semente chamadomucílago, a casca que sobra depoistorrar o grãocafé e, por fim, o resíduo que fica no fundo da xícaracafé.

"Alguém pode dizer que, por serem resíduos naturais e orgânicos, podem ser descartados sem problema para se decompor. No entanto, o problema é que o ecossistema não está preparado para uma alta carga desses resíduos orgânicos. Vinte mil hectares gerando, por exemplo, a polpa (casca) que é altamente ácida, vão alterar a acidez do solo e, portanto, o ecossistema. Além disso, vários resíduos acabam nos riachos e rios da região, contaminando a água".

CaféLab

Com o problema identificado, o professor e os estudantes começaram a trabalharpossíveis soluções. A ideia deles era criar uma relação direta entre a escola e a comunidade, e entre a comunidade e o território. Cada propostasolução foi tratada como um projeto independente que deveria passar por três etapas: imersão, transferência e comunicação.

"Começamos com a imersão, lendo antecedentes e fazendo trabalhoscampo. Ou seja, vamos até a zona e fazemos pesquisas, entrevistas, medições com sensores, ensinamos aos alunos a programar sensores para medir a qualidade da água, qualidade do ar, pH, do solo, e umidade. Também ensinamos a usar o drone para fazer mediçõesperímetros."

Mas conseguir os equipamentos e ferramentas mencionados pelo professor não tem sido nada fácil; os poucos que possuem foram adquiridos com muito esforço. "Às vezes as pessoas comentam que talvez tenhamos ganhado os prêmios com sorte, mas não imaginam tudo o que tivemos que fazer. A instituição hoje não tem salaprofessores, não tem biblioteca e até oito meses atrás não tinha conexão com a internet."

Ao longo do caminho, participaramvárias feirasciências locais, nacionais e internacionais, ganhando 30 prêmios. Essas feiras costumam ser eventos nos quais projetos classificadosdiferentes temáticas são apresentados e os melhores são premiados, alguns prêmios incluem reconhecimento e a oportunidadeviajar para a feira, enquanto outros podem ser equipamentos ou recursos econômicos.

Lucía, uma estudante do décimo ano, atualmente com 16 anos, teve a oportunidadeviajar para o Brasil com um colega para representar a escola na Expo Milset, uma feiraciências. "Viajamos no ano passado para Fortaleza. Competimos com aproximadamente dez países e mais30 projetos, e ganhamos o primeiro lugar internacional."

Essa oportunidade também marcouprimeira viagemavião eprimeira saída da Colômbia. "Foi muito impactante, quando me disseram que viajaria, comecei a choraremoção, não acreditava porque eu nem mesmo tinha passaporte... Amei o Brasil, agora gostariater a experiênciamorar e exportar nosso café para lá."

Hojedia, Lucía trabalhaum projetosabão feito a partir do resíduo que fica na xícaracafé. "Eu quis criar um sabão esfoliante. Pensei nisso, consultei e passei pelas três fases do projeto CaféLab. Depois fiz o protótipo, o design, o teste e a avaliação. Levei um ano tentando até conseguir, porque você tem que trabalhar até atingir a meta; se se propõe, consegue", conta.

Mas essa é apenas uma das várias soluções que foram criadas e aprimoradas ao longo desses quase sete anostrabalho no laboratório. "Com a polpa (casca), fazemos bebidas aromáticas, vinhos, doces e farinhas. Com o mucílago, estamos gerando energia capazacender uma lâmpada. Com o caule da planta, devido àalta densidade e resistência, fabricamos móveis. Por exemplo, a salamatemática onde nos reunimos tem mesas e cadeiras feitascaulescafé", explica o professor Ramón.

Além disso, o projeto adotou uma abordagemgênero para contribuir na redução da lacunadesigualdade. "Geralmente diziam: 'Como você é mulher, sirva como secretária' ou 'Como você é mulher, encarregue-setrazer os materiais', então decidimos virar essa situaçãocabeça para baixo e dar espaço para que as mulheres liderem e coordenem os grupostrabalho".

Por essa razão, estudantes como Lucía têm tido acesso a diversas oportunidades que geralmente não estão disponíveis para mulherescontextos rurais. "Cada equipetrabalho tem papéis definidos, mas incentivamos que a líder da equipe seja uma mulher, porque a porcentagemmulheres que ingressamcarreiras STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) é muito baixa", acrescenta.

Lucía, por exemplo, se formará no próximo ano e sonhafazer parte da Força Aérea para ter uma renda estável e deseja criar seu próprio empreendimento. "Quero me profissionalizar e gerar renda para exportar minha própria marcacafé. Gostaria que a fazenda dos meus pais, dos meus avós e da minha família se tornasse um ponto centralcaféalta qualidade com consciência ambiental."

A melhor escola do mundo

Em 3novembro2023, a escola ruralSan Francisco estava cheiapessoas. Foi a primeira vez que a ministra da Educação da Colômbia visitou, acompanhada por jornalistasvários veículos locais, nacionais e internacionais. A visita ocorreu porque a plataforma global T4, sediadaLondres, anunciaria os vencedores do prêmioeducação entregue anualmentequatro categorias diferentes, e a instituição rural estava entre os finalistas.

"Na nossa sede, somos 16 professores, somos poucos, mas estamos fazendo barulho, até internacionalmente", explica o professor Ramón. Ele explica que nesse dia foi anunciado que a Instituição Educativa Montessori, com sedeSan Francisco, era a vencedora do prêmioação ambiental, superando outros dois finalistas das Filipinas e dos Emirados Árabes.

O prêmio "reconhece e celebra as escolas que desempenham um papel ativo na luta contra a crise climática, por meio da educaçãoseus alunos e da comunidadegeral, ajudando-os a tomar medidas para proteger seu futuro", conforme explicado pela T4seu site.

Desta vez, além do reconhecimento internacional que atraiu a atençãovárias instituições e destacou essa pequena comunidade no sudeste colombiano, a escola recebeu US$50.000 que ajudarão a aprimorar o laboratório.

"Esperamos poder criar três salas especializadas para cada etapa do projeto: um laboratóriociências, uma oficinaagroindustrialização e um espaço para desenvolver competênciascomunicação. Pretendemos usar esses recursos para começar a equipar as salasaula", explica o professor.

O projeto já possui várias linhasaçãodiferentes temas ambientais, como energias renováveis, materiais, alimentação e recursos agrícolas. Umseus maiores feitos é ter alterado o currículotodas as sedes da instituição educacional.

"Agora, não impactamos apenas os 380 alunos desta escola, mas os 3.300toda a instituição, e o novo currículo é para ser trabalhado por 126 professores. Todos estamos seguindo as três fasesimersão, transferência e comunicação. É um feito imenso, pois quebrou um paradigma da educação tradicional. Não foi fácil, mas estamos conseguindo", destaca o professor.

O professor e os alunos não permitiram que a precariedade os limitasse. "Estou muito orgulhosaestudar aqui. Depoisme formar, continuarei vindo à minha escola e espero vê-la tornar-se uma referência para outras escolas. Quero que os alunos cheguem com toda a confiança e digam: 'Sou parte do CaféLab Colômbia, tenho consciência ambiental e estou contribuindo para reduzir a poluição'", conclui Lucía.