Transtorno do jogo: o que acontece no cérebrocassino neymarpessoas viciadascassino neymarbets :cassino neymar

Mas o que acontece na cabeçacassino neymarum indivíduo que é acometido pelo transtorno do jogo? Por que algumas pessoas que fazem apostas desenvolvem esse distúrbio — e outras não? E o que está disponível para ajudar a lidar com esse vício?

A BBC News Brasil ouviu especialistas e detalha a seguir as respostas para essas e outras perguntas relacionadas a essa doença.

Um mergulho no cérebro do apostador compulsivo

O psiquiatra Lucas Spanemberg, pesquisador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), destaca que a dependênciacassino neymarfazer apostas apresenta uma raiz parecida acassino neymaroutros vícios, como aqueles relacionados às substâncias (álcool, nicotina, cocaína…) e aos comportamentos (como sexo, alimentação, compras etc.).

"A gente tem uma área no cérebro chamada sistema límbico,cassino neymarque uma sériecassino neymarestruturas interconectadas formam um circuitocassino neymarrecompensa. Elas são responsáveis por trazer uma sensaçãocassino neymargratificação", detalha o médico, que também é professor da Escolacassino neymarMedicina da PUC-RS.

Qualquer coisa que nos traga prazer — a atividade sexual, comer um alimento que gostamos muito, estar próximocassino neymarpessoas queridas, etc. — provoca a liberação do neurotransmissor dopamina nesse circuito.

"E esse mecanismo é muito importante para a nossa sobrevivência e evolução como indivíduo e espécie", observa Spanemberg.

O problema é que existem substâncias e comportamentos que despejam uma quantidade muito maior da dopamina neste sistema do cérebro.

"Há certos fatores que entram no circuitocassino neymarrecompensa e pervertem toda essa experiência", aponta o psiquiatra.

"Vamos supor que, numa situação prazerosa normal, a dopamina é liberada numa intensidade 10. Quando estamos diantecassino neymarum elemento aditivo, essa intensidade sobe para 100", compara ele.

De acordo com o psiquiatra, essa diferença "inaugura um parâmetro diferentecassino neymarsatisfação química no cérebro", que "distorce a cognição" e "traz uma sensaçãocassino neymarque é necessário repetir esse comportamento".

"Aos poucos, a pessoa deixacassino neymarfazer coisas que seriam gratificantes e trariam uma escalacassino neymarsatisfação química normal para o cérebro, para algo que é aditivo e traz muito mais dopamina para esse circuito", pontua Spanemberg.

Aréa do cérebro responsável por resoluçãocassino neymarproblemas tem atividade reduzida

O médico Vinícius Andrade, da Comissãocassino neymarAdicções da Associação Brasileiracassino neymarPsiquiatria, lembra que outras regiões do cérebro além do sistema límbico estão envolvidas no transtorno do jogo.

"Podemos citar áreas do córtex pré-frontal, que fica perto da testa, e é responsável pela tomadacassino neymardecisões e resoluçãocassino neymarproblemas", diz o especialista, que também é médico assistente do Ambulatóriocassino neymarTranstornoscassino neymarImpulso da Universidadecassino neymarSão Paulo (USP).

"Em estudos que avaliam indivíduos com transtorno do jogo, foi observada também uma redução na conectividadecassino neymaráreas como o córtex medial orbitofrontal, o striatum e o córtex cingulado anterior", detalha ele.

Alguns trabalhos também citam alterações na amígdala, que está relacionada com a regulação do estresse.

Na prática, todas essas diferenças dificultam a tomadacassino neymardecisões razoáveis ou conscientes — como, por exemplo, gastar ou não muito dinheirocassino neymarapostas que envolvem um alto graucassino neymarincerteza sobre eventuais ganhos futuros.

Temos, então, um cenário danoso por diversos caminhos: por um lado, há um enorme despejocassino neymardopamina nos sistemascassino neymarrecompensa, algo que é literalmente viciante; por outro, ocorre uma "bagunça" nos circuitos neuronais que deveriam tomar decisões racionais e ponderadas (como não gastar o dinheiro do aluguel ou das contascassino neymarapostas, por exemplo).

Mas será que esses efeitos são os mesmos diantecassino neymartodas as modalidadescassino neymarjogos — da aposta feita numa casa lotérica ao cassino e o joguinho instalado no celular?

Segundo os especialistas, a questão aqui está relacionada à disponibilidade.

Enquanto no caso da loteria é preciso se deslocar até um outro local, os aplicativoscassino neymaraposta estão "grudados" na pessoa o tempo todo, já que o smartphone virou um apetrecho essencial.

"Antigamente, a pessoa tinha que ir até um local para poder jogar. Agora, ela é bombardeada o tempo todo com possibilidadescassino neymarganho e recompensa. Isso muda tanto o tempocassino neymarexposição quanto a intensidade com que isso acontece", avalia Andrade.

"Além disso, sabemos que essas empresascassino neymartecnologia coletam dados do usuário, o que aprimora as ferramentas para ampliar cada vez mais o estímulo e prender a atenção", complementa ele.

Por que algumas pessoas desenvolvem o transtorno do jogo — e outras não?

Uma revisãocassino neymarartigos publicadacassino neymar2019 na revista Nature Reviews e assinada por especialistas da Universidade Yale, nos EUA, e outras instituições americanas, canadenses e australianas, calcula que o transtorno do jogo afeta entre 0,4 e 0,6% da população.

O número varia consideravelmentecassino neymaracordo com o localcassino neymarque levantamentos do tipo são feitos. Em Hong Kong, essa porcentagem ficacassino neymar1,8%, enquanto na Austrália pode chegar a 2%.

Em linhas gerais, os especialistas e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) concordam que o distúrbio afeta ao redorcassino neymaruma a cada 100 pessoas.

Mas e dentro do universocassino neymarindivíduos que fazem apostas com regularidade? Há uma tendênciacassino neymaro transtorno do jogo ser mais frequente neste grupo?

A resposta é sim. O médico Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório do Jogo Patológico e do Programacassino neymarTranstornos do Impulso do Institutocassino neymarPsiquiatria do Hospital das Clínicascassino neymarSão Paulo, lembracassino neymarum trabalho feito há uma década, que mostrou que 12 a 15% dos brasileiros apostam regularmente.

Na visão dele, esse número deve ter aumentado recentemente, com a liberação das bets e a maior disponibilidade desses serviçoscassino neymaraplicativoscassino neymarcelular.

"Das pessoas que jogam regularmente,cassino neymartornocassino neymar15% desenvolvem dificuldades com o jogo", calcula Tavares.

"Ou seja,cassino neymarsete pessoas que gostamcassino neymarfazer uma fezinhacassino neymarvezcassino neymarquando, uma desenvolve esse tipocassino neymarproblema", detalha o especialista.

O psiquiatra destaca que essa é uma taxa média, pois o nívelcassino neymaradição pode variarcassino neymaracordo com o tipocassino neymarjogo.

"Um jogo como o do tigrinho ou do aviãozinho é mais aliciante, então essa porcentagem tende a ser maior. Já uma apostacassino neymarloteria é algo mais protegido, porque o indivíduo faz a aposta e demora uma semana para ter acesso ao resultado", compara ele.

Por trás do desenvolvimento do transtorno do jogo, há uma predisposição genética — embora não tenham sido identificados genes específicos por trás do problema — e também uma sériecassino neymarfatores ambientais.

Além da modalidadecassino neymarjogo e o tipocassino neymaraposta, questões como idade e a presençacassino neymaroutras doenças psiquiátricas podem influenciar por aqui.

"Uma exposição mais precoce, antes dos 18 anos, quando o sujeito ainda não possui um freio inibitório bem desenvolvido no cérebro, é um importante fatorcassino neymarvulnerabilidade", destaca Spanemberg.

"Pessoas que já têm um outro transtorno, como uma depressão, por exemplo, também apresentam maior riscocassino neymardesenvolver dependência", acrescenta ele.

O especialista pondera que todos esses elementos — genética, idade, doenças psiquiátricas, entre outros — não determinam se alguém vai necessariamente ter um problema relacionado ao jogo.

Mas eles aumentam a probabilidadecassino neymar"desenvolver um comportamento pernicioso, danoso e patológico", segundo o psiquiatra.

O que define o transtorno do jogo

A Associação Americanacassino neymarPsiquiatria explica que uma pessoa pode ser diagnosticada com o transtorno do jogo quando tem pelo menos quatro sintomas da lista a seguir:

Andrade chama a atenção para a importância do apoio da família ecassino neymaramigos nesse processocassino neymardiagnóstico.

“Quando a gente falacassino neymarjogo, algo muito comum é o indivíduo mentir e mascarar as perdas ou a quantidadecassino neymarvezes que aposta”, observa o médico.

“Ao mesmo tempo, ele tem uma grande vontadecassino neymarjogar, num comportamentocassino neymarfissura muito intenso. É como se você estivesse com fome e não pudesse comer”, compara ele.

O psiquiatra aponta que, se o paciente não conta com esse apoiocassino neymartodos que o cercam, a busca por uma ajuda profissional acontece muito tardiamente.

"E isso gera um enorme prejuízo econômico e familiar", lamenta Andrade.

Como tratar o transtorno do jogo

Feito o diagnóstico, é possível lançar mãocassino neymaruma sériecassino neymarmedidas para lidar com a dependência.

"A abordagem depende muito das características do paciente", diz Spanemberg.

"A maioria deles possui algum outro transtorno psiquiátrico associado, como uma depressão, que também precisacassino neymartratamento", acrescenta ele.

"O jogo muitas vezes é uma estratégia, um subterfúgio para lidar com um sentimento negativo que está relacionado com outro distúrbio", reforça Spanemberg.

Ao tratar a doençacassino neymarbase (como depressão ou ansiedade, por exemplo), a tendência é aliviar esses sentimentos negativos — e, por consequência, diminuir aos poucos a necessidadecassino neymarfazer apostas.

Em linhas gerais, o transtorno do jogo pode ser trabalhado na terapia cognitivo-comportamental, um tipocassino neymarpsicoterapiacassino neymarque o paciente e o profissionalcassino neymarsaúde avaliam e discutem comportamentos e pensamentos, para que eles possam ser modificados com o passar do tempo.

"Também há a entrevista motivacional, uma abordagem usada para entender o estágiocassino neymarconsciência que o indivíduo estácassino neymarrelação à dependência. Ele pode se encontrar numa fasecassino neymarnegação do problema ou contemplar o que está vivendo. Há também aqueles que já estão na etapacassino neymaração,cassino neymartrabalhar para sair daquela situação", complementa Spanemberg.

Em alguns casos, os médicos podem também prescrever medicações.

"Sabemos que remédios da classe dos antagonistas opioides podem ajudar a segurar aquele comportamento típico da aposta", cita Andrade.

O psiquiatra também lembra dos gruposcassino neymarapoio. "No Brasil, temos os Jogadores Anônimos e o Gaming Addicts, que fazem um trabalho muito bom", sugere ele.

Transtornocassino neymarjogo: a demanda por tratamento vai aumentar?

Diante da popularidade das bets — que, por exemplo, hoje patrocinam a maioria dos clubescassino neymarfutebol da Série A do Campeonato Brasileiro —, existe um temorcassino neymartermoscassino neymarsaúde pública sobre o aumentocassino neymarcasoscassino neymartranstorno do jogo.

Entre os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, essa preocupação é clara.

"Precisamos discutir não apenas as repercussões sociais do jogo, mas também todas as questõescassino neymarsaúde mental", concorda Spanemberg.

Tavares lembra que,cassino neymarmeados dos anos 1990, o Brasil viveu a febre dos bingos e das máquinas caça-níquel.

"Em 1996, os casos começaram a chegar lá no Institutocassino neymarPsiquiatria da USP. Eu era professor auxiliar e ouvi uma primeira pessoa dizer que gastava todo dinheiro nos bingos, se arrependia, ficava péssimo e depois tentava recuperar”, lembra ele.

“Resolvi transformar esse e outros relatos no meu objetocassino neymarestudo. Em 1998, após terminar meu doutorado, abri o Ambulatóriocassino neymarJogo, onde fazia longas entrevistas com jogadores compulsivos e oferecia tratamento a eles.”

Com o passar do tempo, o serviço foi formalizado e precisou ser ampliado.

“A depender da época, chegamos a ter entre 5 a 10 profissionais contratados e outros 60 a 70 voluntários no ambulatório. No auge, contamos com cercacassino neymar80 colaboradores”, estima Tavares.

Essa demanda foi reduzida com o fechamento dos bingos,cassino neymarmeadoscassino neymar2004. Mesmo assim, ela nunca chegou a cessar.

Mais recentemente,cassino neymar2018cassino neymardiante, com a inundação das bets e outros jogos onlines no Brasil, a procura pelos serviços do ambulatório voltou a subir.

“Com a nossa estrutura atual, conseguimos atender 80 casos novos por ano, alémcassino neymaracompanhar outros 160 pacientes que fazem um seguimento por cercacassino neymardois anos”, informa o psiquiatra.

“Mas diantecassino neymarum fenômeno como esse que vivemos agora, ficamos com o triplocassino neymarpacientes na filacassino neymarespera.”

“É claro que esses números não retratam a realidade do Brasil, são apenas gotinhas num oceano muito maior”, avalia o especialista.

Para Tavares, o aumento do acesso às apostas está relacionado a uma demanda na frequência do transtorno do jogo entre a população — e será necessário criar um aparato no Sistema Únicocassino neymarSaúde (SUS) para absorver essa demandacassino neymarpacientes.

“O jogo sempre existiu e sempre vai existir. O que varia é a forma como se regulamenta esse setor”, avalia o médico.

“Podemos permitir uma maior ou menor penetração deles na sociedade. Se proibimos tudo, isso diminui a demanda por tratamento, embora sempre exista o mercado ilegal.”

“Agora, caso o jogo seja liberado por uma questãocassino neymarequilíbrio das contas fiscais e economia, será necessário fazer um investimento equivalente na saúde pública. Isso precisa virar uma políticacassino neymarEstado”, opina ele.

"Se esse investimento não acontecer, o tiro sai pela culatra. A arrecadação com eventuais impostos não será suficiente para tapar o buraco do adoecimento mental e das mazelas financeiras relacionadas ao jogo", conclui o psiquiatra.