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Por que ex-presidente argentino Carlos Menem é o grande modeloMilei:
Milei prometeucampanha resolver a alta inflação que assola a economia argentina com um roteiro que se espelha na década1990.
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“Menem é um modelo para Milei porque foi o presidente que –um regime democrático e com muito apoio social – conseguiu fazer as reformas estruturais mais profundas da história argentina”, disse à BBC Mundo (serviçoespanhol da BBC) o cientista político Pablo Touzon, coautor do livro Qué hacemos con Menem (“O que fazemos com Menem”,tradução livre).
Elogiado por muitos, criticado por outros, o ex-presidente continua sendo alvoinesgotáveis debates e opiniões contrárias dos argentinos.
Milei conheceu Menem2018, quando o hoje presidente nada mais era do que um comentaristatelevisão, sem histórico político e com discursodefesa da dolarização e da redução do Estado ao mínimo.
“Fui à casa do Carlos e, quando cheguei, ele me disse algo que me deixou com o sangue gelado: 'Você vai ser presidente da Argentina'”, diz Milei, recontando a falaMenem pronunciada três anos antessua morte.
Milei respondeu que “odiava política”. Mas seis anos depois, a vitória do candidato do La Libertad Avanza (LLA) acabou provando que o ex-líder peronista estava certo.
Apesar daraiva contra a “casta” política, o atual presidente criou um círculoconfiança que inclui antigos membros do gabinete do ex-presidente e parte da própria família.
Dois dos ministros da Economia do governo Menem, Domingo Cavallo (1991-1996), a quem Milei chamou“o melhor economista da história argentina”, e Roque Fernández (1996-1999) foram fonteconsulta durante a campanha.
Já Martín Menem, sobrinho do ex-presidente, preside a Câmara dos Deputados desde dezembro, enquanto seu primo Eduardo “Lule” Menem atua como subsecretário na órbitaKarina Milei, irmã do atual presidente.
“Hoje estamos fazendo um atojustiça”, disse Milei enquanto revelava o busto do ex-presidente, num gesto que buscava recuperar o brilhouma imagem desgastada, e assim retirá-la do ostracismo políticoque esteve nas últimas décadas.
A seguir, veja algumas semelhanças e diferenças apontadas entre os dois presidentes.
Liderança disruptiva
Enquanto seus seguidores o recebem com entusiasmo, Javier Milei – com suas costeletas, cabelos despenteados e jaquetacouro – cumprimenta uma multidão fanática.
“Se não nos jogarmos na lama, os esquerdistas nos levarão”, disse o primeiro presidente libertário da Argentina na apresentaçãoseu livro,maio passado, no estádio Luna Park.
A imagem lembra a forma como Menem conquistou os eleitores – primeiro como governador da provínciaLa Rioja e depois como presidente –, com enormes costeletas, um casacocamurça e uma forma simplesfalar.
“Sigam-me, não vou decepcioná-los!”, repetia o Menem1989 ao finalseus discursoscampanha,que prometia “altos salários” e uma “revolução produtiva”, provocando fervor no auditório a favor dele.
Tanto Menem quanto Milei venceram nas urnas porque eram diferentessua época.
“Naquele momento, Menem era visto como um transgressor. Mas aí acabam as coincidências, porque Menem sempre foi um homem da política, que se sentia parte desse universo”, diz Touzon.
Menem chegou ao poder como candidato pelo Partido Justicialista (ou Peronista) – um dos maiores partidos da Argentina – após uma disputa interna competitiva.
Milei, ao contrário, venceu as eleições com o LLA quase sem histórico político.
“Menem é produtoum partido político. Milei, por outro lado, é produto da crise definitiva dos partidos políticos,uma pulverização desse grande sistemamediação que são os partidos”, disse Natalio Botana, doutorCiência Política e professor eméritodestaque da Universidade Torcuato Di Tella, na Argentina.
Tanto Milei quanto Menem sabem falar com os seus eleitores e não hesitamusar a carta da emoção. Mas Menem construiu autoridade a partir do diálogo, enquanto Milei o fez a partir da divisão.
“Milei constrói a partir do confronto na linguagem. Menem era o oposto, um líder muito popular e cordial que sempre buscou o consenso e uma espécieharmonia”, diz Botana.
Para Botana, Milei tem um “estilo polarizador”, no qual a “dialética amigo-inimigo” gera uma política faccional, ou seja, um estilo que tende a dividirvezunir, algo que o diferencia do ex-líder.
Além disso, Menem fez da políticavida.
Nascido no norte do país, chegou à presidência após uma extensa carreira política. Milei, porvez, chega à Casa Rosa quase sem experiência eleitoral, exceto os dois anos como deputado.
Menem é um político com história, enquanto Milei não se cansadizer que odeia – e até não entende sobre – política. Mas ambos encontram no espetáculo uma formacomunicação.
Os anos Menem, com seu estilo extravagante, testemunharam diversos escândaloscorrupção e ligações entre políticos e celebridades, o que levou aquela época a ficar conhecida como era da “Pizza com Champanhe”.
Em maio passado, Milei se apresentou com uma bandarock no Luna Park, dianteum auditório lotado.
“Tanto Menem quanto Milei buscaram a política do espetáculo. Mas Menem foi resultado do espetáculo televisivo, e Milei da televisão e das redes sociais, o que lhe dá uma grande velocidade”, diz Botana.
Reforma do Estado
“A maior reforma estrutural da história argentina foi realizada por Menem. A LeiBases é cinco vezes maior que a LeiReforma do EstadoMenem”, comparou Milei um dia antes da aprovaçãoseu principal projeto no Senado.
Milei insistiu, maisuma vez,dar continuidade ao planoreforma do Estado implantado por Menem na década1990.
Para especialistas, no entanto, a comparação é exagerada.
“Não creio que a reformaMenem possa ser comparável àMilei”, discorda Botana, embora entenda os motivos pelos quais o presidente busca comparação com o ex-líder peronista.
Em 1989, Menem promulgou a Lei da Reforma do Estado, que abriu caminho para a privatização das empresas estatais. Além disso, iniciou o processodescentralização do sistema públicoeducação, saúde e portos.
“Vamos privatizar tudo o que for necessário”, disse o ex-presidente1990, referindo-se a empresas públicas como a Aerolíneas Argentinas.
A reformaMenem, que procurava reduzir o Estado ao mínimo, aprofundou seus efeitos1996, quando o presidente assinou um decreto"racionalização" do Estado que resultou na demissãocerca127 mil funcionários públicos.
Milei confirmou diante do Fórum Econômico LatamBuenos Aires que espera demitir 75 mil funcionários públicos.
A LeiBasesMilei não conseguiu avançar na pretendida privatização das 41 empresas e entidades do Estado. A lista foi reduzida para oito, mas o objetivo parece ser o mesmo.
“Tudo o que puder ficar nas mãos da iniciativa privada, ficará nas mãos da iniciativa privada”, disse Milei dois meses antes da aprovação da LeiBases no Senado.
Touzon acredita que o programareformas feito por Menem é, até agora, muito mais profundo do que oMilei. Contudo, identifica os motivos que levam o atual presidente a se espelhar na décadaMenem.
“Menem é um modelo para Milei porque é o outro presidente que, a partirum liberalismo popular e com muito apoio social, conseguiu aplicar essas medidas”, diz Touzon.
Embora ambos partilhem um grande apoio social para aplicar medidas ortodoxas, uma diferença central entre Menem e Milei é que o peronista venceu as eleições com um discurso que não prometia fazer o que acabou fazendo.
Milei tornou-se presidente após uma campanha focada na imagem da motosserra, prometendo um severo planoajuste da economia.
“Menem ganhou as eleições1989 com slogans muito atrativos, depois chegou ao poder e fez o contrário do que se esperava. Milei, pelo contrário, ganhou as eleições falando sobre o que seria um ajuste drástico da economia. Essa é uma diferença central", diz Botana.
O atual governo não tem maioria própria no Congresso. E, assim, teve que aprender a negociar com a oposição e com grupos aliados.
Milei também não tem o apoio das organizações sindicais como o peronismo teve1990.
“A organização sindical apoiava Menem, por isso ele conseguiu fazer uma grande transformação política, que incluiu privatizações. Não são essas as condiçõesque Milei se encontra”, afirma.
Freio na inflação
Os programasdesregulamentação da economia e a exigênciaredução do Estado tendem a ser mais bem recebidos na Argentinatemposinflação elevada.
Em 1989, o país passava por uma hiperinflação que atingia 3.079% ao ano, segundo o ÍndicePreços ao Consumidor (IPC).
Jádezembro do ano passado, a inflação anual fechou211,4%, o mais alto níveltrês décadas, o que permitiu a Milei implementar um planoajuste sem precedentes dos gastos públicos.
Em 1991, após aprovação no Congresso, Menem promulgou a LeiConversibilidade que estabelecia uma paridade fixa do peso argentino com o dólar norte-americano, popularmente chamada“um para um”.
“Recebemos o país com uma inflação5.000% e tivemos que trabalhar essa questão a tal ponto que, quando saí do governo, a inflação desapareceu completamente e pudemos começar a crescer”, disse Menemuma entrevista2012.
Para Touzon, o momento é semelhante não só pela inflação, mas por uma “criseum modelo centrado no Estado”.
“Tanto1989 como agora vemos uma crise do Estado e dacapacidaderesposta,que a inflação émetáfora mais perfeita, e acabou por permitir uma resposta ortodoxa parecida”, explica Touzon.
Milei trouxevolta,2023, a memória incômoda da época, prometeu “dinamitar o Banco Central” e “dolarizar” a economia do país, o que posteriormente esclareceu que se tratava“livre concorrência cambial”.
Até o momento, a dolarização não é um fato na Argentina.
No entanto, Milei repete que seu objetivo continua sendo a livre concorrência monetária, embora não espere que isso aconteça antes das eleições legislativas2025.
“Milei e Menem compartilham a tentativaestabilizar uma economia,atingir a ordem fiscal, algo que Menem tentou, mas não conseguiu. E tambémderrotar a inflação e privatizar empresas públicas, no que Menem teve sucesso e Milei, até o momento, enfrenta sérios obstáculos”, explica Botana.
Entre os limites do atual governo encontram-se a faltapartido, a ausênciamaiorias próprias no Congresso eum espíritodiálogo com os partidos da oposição, algo que a figura do Chefe da Casa Civil, Guillermo Francos, tenta resolver.
Embora a Argentina tenha conseguido conter a inflação e estabilizareconomia na década1990, a convertibilidade alimentada pelo endividamento externo e pelos dólares que entravam no país por meioprivatizações não pôde ser sustentada por muito tempo.
Em 2002, o presidente Eduardo Duhalde, que assumiu após a renúnciaFernandola Rúa, frutouma profunda crise política e social, acabou com a paridade entre o dólar e o peso argentino, após a "pesificação" dos depósitosdólares.
“Menem é o grande cancelado da história recente da política argentina”, resume Touzon.
“Depois da crise2001, a ideiaum ajuste popular tornou-se incômoda para os peronistas. Também para os liberais que estiveram próximos e para os setoresesquerda, devido ao caráter popular do menemismo”.
Já o primeiro presidente libertário da Argentina não hesitourecorrer à incômoda memóriaum presidente deixadolado na história para legitimar os próximos passos do seu governo.
Segueaberto, no entanto, setentativatirar a década menemista do esquecimento vai ajudá-lo ou jogará contra ele.
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