A técnica 'primitiva'sport ganha betcurar feridas com larvas que virou arma contra esgotamentosport ganha betantibióticos:sport ganha bet

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Produçãosport ganha betlarvas da empresa europeia BioMonde; essas larvas se alimentamsport ganha bettecido humanosport ganha betdecomposição e ajudam no tratamentosport ganha betferidas difíceis

Essa técnica, conhecida como terapia larval, ainda incipiente no Brasil, se conecta a um saber milenar, emborasport ganha betaspecto repulsivo: há registros históricossport ganha betque povos como os maias, na América Central, e os aborígenes australianos já usavam larvas para tratar machucados, milharessport ganha betanos atrás.

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Os maias, por exemplo, banhavam tecidossport ganha betsangue animal, deixavam-nos expostos ao sol para atrair moscas e depois os aplicavam nas feridas humanas, onde as larvas proliferavam.

A técnica também foi documentada empiricamente por médicos da era medieval europeia, da Guerra Civil Americana (1861-65) e da Primeira Guerra Mundial (1914-18).

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Até que, no século 20, a penicilina e a revolução dos antibióticos fizeram com que tratamentos do tipo fossem deixadossport ganha betlado.

O problema é que, nos dias atuais, cada vez mais antibióticos perdem a eficácia diantesport ganha betbactérias resistentes — algo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) trata como uma das dez maiores ameaçassport ganha betsaúde pública da atualidade.

Com isso, mais profissionais da saúde têm, nas últimas décadas, voltado a recorrer às larvas para tratar feridas crônicas e infectadas, resistentes a antibióticos e curativos tradicionais. (Leia abaixo sobre o uso no sistema públicosport ganha betsaúde do Reino Unido)

No Brasil, pesquisadores querem validar esse tiposport ganha betterapia na Agência Nacionalsport ganha betVigilância Sanitária (Anvisa), que hoje não enquadra esse tiposport ganha bettratamento como medicamento ou dispositivo médico.

Mas é um tratamento que enfrenta muitos obstáculos — e que tem riscos associados —, como a BBC News Brasil explica a seguir.

Larvas que comem tecido infectado

Crédito, Biomonde/reprodução

Legenda da foto, Moscas da espécie Lucilia sericata se alimentamsport ganha bettecido necrosado, mas não causam riscos à saúde humana, diz médica

O primeiro estudo clínico da terapia larval foi feito pelo médico americano William Baer, a partirsport ganha betsua experiência tratando soldados na França, durante a Primeira Guerra Mundial,sport ganha bet1917.

Em um hospital do frontsport ganha betbatalha, Baer se deparou com dois pacientes que, à primeira vista, pareciam estarsport ganha betsituação particularmente desafiadora: eram soldados com feridas expostas na perna e no abdômen, que haviam passado dias na trincheira sem tratamento, água ou comida, expostos a condições insalubres.

Porém, Baer notou que as feridas dos dois soldados estavam infestadassport ganha betlarvas. E que, apesar do quadro aparentemente desolador, os dois homens chegaram ao hospital sem febre nem sinalsport ganha betsepticemia ou infecções graves.

Pelo contrário, “quando observei a extensão das feridas,sport ganha betparticular na coxa, não pude deixarsport ganha betficar maravilhado com as boas condições dos pacientes”, escreveu Baer em seu estudo.

A partir desse episódio, o médico americano decidiu testarsport ganha betlaboratório o efeito das larvas sobre as feridas, identificando a capacidade curativasport ganha betalgumas delas — embora seja importante destacar que a faltasport ganha betesterilização das larvas usadas por Baer acabou provocando infecções secundárias graves, como tétano,sport ganha betalguns pacientes dele.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Primeiro estudo com terapia larval foi feito a partir do casosport ganha betsoldados feridos na trincheira da Primeira Guerra Mundial

Esterilização

Maissport ganha betum século depois, a terapia larvalsport ganha bethoje é bem diferente — e bem mais higiênica — do que aquela realizada por Baer ou pelos povos maias, só que o insumo básico continua sendo o mesmo: moscas.

Na verdade, moscas bem específicas. Entre centenassport ganha betmilharessport ganha betespéciessport ganha betmoscas, o Reino Unido usa apenas uma — a Lucilia sericata — para tratamento medicinal.

É uma espécie conhecida por se reproduzir no lixo esport ganha betcorpossport ganha betdecomposição. E isso qualifica suas larvas para tratar feridas crônicas humanas, explica à BBC News Brasil a médica Yamni Nigam, professorasport ganha betCiências Biomédicas na Universidadesport ganha betSwansea (Reino Unido).

“Elas se alimentam desses tecidos infectados e necrosados, limpam a ferida e estimulam a formaçãosport ganha betpele boa”, diz Nigam.

O uso principal ésport ganha betpacientes com diabetes — cujas feridas, se não tratadas, podem levar a amputaçõessport ganha betmembros ou à morte.

“São feridas que simplesmente não cicatrizam, e às vezes o paciente sequer percebe, porque os nervos (da área machucada) não estão funcionando - há uma neuropatia. É um caso clássico para o usosport ganha betlarvas”, explica Nigam.

A larva da mosca Lucilia sericata ésport ganha betuma espécie não invasiva, incapazsport ganha betparasitar o corpo humano, diz a médica. “E ela não come tecido saudável, então é perfeita para o trabalho.”

No Reino Unido, o tratamento é feito com larvas desinfectadassport ganha betlaboratório e juntadassport ganha betpequenas bolsas biológicas permeáveis, parecidas a um saquinhosport ganha betchá. Sob orientação médica, essas bolsas são colocadas por até cinco diassport ganha betcima da ferida infectada e depois descartadas como lixo hospitalar.

A porosidade das bolsas permite que a larva entresport ganha betcontato direto com o ferimento — e, ao se alimentar desses resíduos adoecidos, elas chegam a quadruplicarsport ganha bettamanho, passandosport ganha bet3 milímetros a até 12 milímetros.

“As larvas não têm dentes: elas apenas secretam um líquido que atravessa a bolsa, digere e limpa a ferida. E daí elas engolem o líquido novamente — sempre dentro da bolsa”, prossegue Nigam, citando estudos que apontam que o tratamento é capazsport ganha betevitar amputações e reduzir a necessidadesport ganha betantibióticos.

Crédito, BioMonde/reprodução

Legenda da foto, Larvas precisam ser esterilizadas para garantir que não provocarão nenhuma infecção secundária

A terapia larval passou a ser usada por alguns hospitais do Serviço Públicosport ganha betSaúde (NHS) britânico a partir da décadasport ganha bet2000, na mesma épocasport ganha betque foi aprovada pela agência reguladorasport ganha betmedicamentos (FDA) dos EUA.

As larvas britânicas são cultivadas, esterilizadas e empacotadas pela empresa galesa BioMonde, que diz à BBC News Brasil fornecer maissport ganha bet5 mil bolsas biológicas ao NHS anualmente. A empresa também tem uma unidade na Alemanha que exporta larvas a países da Europa.

Segundo hospitais do NHS, os riscos do tratamento,sport ganha betalguns casos, são aumento da dor local, irritação na pele ou sangramento — situaçãosport ganha betque as larvas têmsport ganha betser removidas.

“As larvas produzem anticoagulantes, então não podemos usá-lassport ganha betpacientes com alto riscosport ganha betsangramento”, diz a médica Nigham.

Por fim, é importante destacar que um tratamento do tipo jamais deve ser feito fora do âmbito médico, obrigatoriamente com larvas esterilizadassport ganha betlaboratório, alerta a brasileira Patricia Thyssen.

“Nunca se deve usar uma larva selvagem — porque (um leigo) não tem como saber se é uma espéciesport ganha betlarva inócua e segura, nem a quantidadesport ganha betbactérias que essa larva pode trazer”, esclarece.

Mas se tratandosport ganha betriscos gerenciáveis diante dos potenciais benefícios —sport ganha betprevenir amputações e infecções generalizadas, por exemplo —, por que a terapia é tão restrita?

Crédito, Biomonde/divulgação

Legenda da foto, Larvas ficam dentrosport ganha betuma bolsa porosa, como um saquinhosport ganha betchá, que é colocado sobre feridas

'Nojo'

“É um tratamento subutilizado”, acredita Yanni Nigham.

“Só temos usadosport ganha betferidas muito difíceis, não tratáveissport ganha betoutro modo. E é algo que tentamos mudar. Por que deixamos a terapia larval apenas como último recurso? Por que esperamos que alguns pacientes sofram por anos, às vezes tentando vários tipossport ganha betcurativos e pomadas, quando bastaria usar as larvas por quatro dias?”

No ano passado, Nigam e seus colegas realizaram uma pesquisasport ganha betopinião no Reino Unido,sport ganha betque apenas 36% dos 412 participantes disseram que aceitariam usar larvas para tratar uma hipotética ferida dolorida.

“A preocupação predominante é o nojo associado à terapia”, diz a pesquisa.

Outras dificuldades listadas por Nigham sãosport ganha betque, ao contráriosport ganha betmedicamentos e pomadas tradicionais, as larvas não são tão facilmente produzidas e armazenadas — e muitas vezes são vistas com resistência entre médicos e enfermeiras.

Mas o avanço das superbactérias tem, segundo a médica, dado ímpeto a novas pesquisas.

“Bactérias são seres muito inteligentes. Sobraram poucos antibióticos que funcionam contra determinadas doenças. Além disso, as bactérias se assentamsport ganha betferidas e formam uma parede, que chamamossport ganha betbiofilme bacteriano, algo muito resistente a antibióticos e muito difícilsport ganha betse tratar”, explica Nigham.

“Mas conseguimos demonstrar,sport ganha betlaboratório esport ganha betpacientes, que larvas não apenas conseguem romper esse biofilme, como seu líquido também impede que ele se forme.”

À medida que esse conhecimento avançar, diz a médica, pode ser possível no futuro usar o líquido secretado pelas larvas para impermeabilizar próteses humanas antessport ganha betuma cirurgia, por exemplo,sport ganha betmodo a prevenir infecções.

No Brasil

Crédito, Patricia Thyssen

Legenda da foto, Criaçãosport ganha betmoscas da biológa Patricia Thyssen, na Unicamp: ela identificou espécies comuns no Brasil consideradas seguras para uso medicinal

No Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a enfermeira Julianny Barreto Ferraz, coordenadora da equipesport ganha betferidas, começou a pôrsport ganha betprática a terapia larvalsport ganha bet2012.

Ela usa larvas criadas no Laboratóriosport ganha betInsetos e Vetores da universidade, somadas às que são enviadassport ganha betCampinas por Patricia Thyssen.

No clima quente do Brasil, explica Thyssen, a mosca Lucilia sericata, usada na Europa, não é tão facilmente encontrada, então foi preciso identificar outras espécies comuns consideradas seguras para o uso medicinal: a Cochliomyia macellaria e a Chrysomya megacephala.

Elas são cuidadosamente alimentadas para se reproduziremsport ganha betlaboratório, com ingredientes como leitesport ganha betpó, farinha láctea, farelosport ganha betpeixe e levedosport ganha betcerveja — antessport ganha betsuas larvas serem desinfectadas e liberadas para os pacientes.

Só que, na ausênciasport ganha betuma empresa que embale as larvas numa bolsa permeável, como acontece no Reino Unido, as larvas brasileiras são aplicadas diretamente na ferida aberta, cobertassport ganha betgaze e cercadassport ganha betpomadasport ganha betsulfatosport ganha betzinco, cujo cheiro impede que elas “escapem”, explica Julianny Barreto.

O procedimento foi protocolado e validado por um comitêsport ganha betética do próprio hospital da UFRN, mas, sem poder contar com um suprimento constantesport ganha betlarvas, Barreto só conseguiu tratar 23 pacientes ao longosport ganha betdez anos.

Crédito, BioMonde/reprodução

Legenda da foto, Larvas são usadas para curar feridas há milênios, emborasport ganha betmodo bem menos higiênico do que hoje

“A gente não tem um funcionário específico para a terapia larval, nem um técnicosport ganha betlaboratório que se dedique só a isso. Então só conseguimos produzir larvas quando temos alunos (da universidade que se envolvam no projeto)”, diz Barreto.

“Se a gente tivesse mais incentivo, teríamos atendido milharessport ganha betcasos. (...) Mas tivemos que escolher aquelessport ganha betpessoas (diabéticas) que já tinham um membro amputado, que estavam perdendo primeiro um dedo, depois outro dedo, depois a metade do pé. Optamos por esses casos para dar uma chance maiorsport ganha betcura a esses pacientes.”

Nos demais hospitais do Brasil aos quais a bióloga Patricia Thyssen despachou suas larvas desinfectadas, o uso foi pontual e acabou paralisado pela pandemiasport ganha betcovid-19 — segundo ela, com bons resultados na cicatrizaçãosport ganha betferidas, mas ainda aguardando publicaçãosport ganha betperiódicos científicos. Ela também fornece insumos para tratamento larval veterinário.

Mas, hoje, o hospitalsport ganha betNatal é o único ao qual o suprimento para uso humano continua.

O objetivosport ganha betThyssen, agora, é realizar estudos clínicos randomizados que permitam validar a terapia na Agência Nacionalsport ganha betVigilância Sanitária, a Anvisa, e implementar o uso mais amplo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Temossport ganha betpensar nas larvas como medicamento ou equipamento médico, e não como um ser repulsivo que vemos no lixo”, diz médica britânica

Até o momento, a agência informa à BBC News Brasil que “não recebeu solicitaçãosport ganha betregistrosport ganha betproduto desta natureza”. Portanto, “esse tiposport ganha betterapia não se enquadra como medicamento ou como dispositivo médico”.

Mas Thyssen, que se dedica ao estudosport ganha betmoscas há quase 30 anos, vê com otimismo o potencial futuro do tratamento.

“Em termossport ganha betlogística, eu já produzo larvas desinfectadas e já tenho boas práticassport ganha betprodução e transporte. Nossas larvas chegam prontas para uso, e conseguem sobreviver a temperatura ambiente, via Correios, (em trajetos que duram) 3 a 4 dias”, afirma.

“Então estou bem empolgada com esse trabalho. A gente tem buscado olhar o inseto com essa perspectivasport ganha betinvestigarsport ganha betação antimicrobiana e seu potencial para novos antibióticos.”

No Reino Unido, Yamni Nigam também falasport ganha betmudar a forma como enxergamos essas criaturas.

“Acho que (a terapia larval) nunca vai ser massificada, por causa do fator nojo, da relutância”, ela diz. “Mas acho que a percepção negativa associada às larvas precisa mudar. Temossport ganha betpensar nelas como medicamento ou equipamento médico, e não como um ser repulsivo que vemos no lixo.”