A médica que cuida sozinhabet7 k13 mil habitantesbet7 karquipélago:bet7 k

Alena com Eleuthera Abus

Crédito, BBC/Virma Simonette

Legenda da foto, Alena Yap era a única médica disponível para cuidarbet7 kEleuthera Abusbet7 kum arquipélagobet7 k13 mil habitantes

O centro cirúrgico mais próximo fica a centenasbet7 kquilômetrosbet7 kdistância da pequena Ilha Diit, onde elas vivem. É uma das ilhas que compõem o arquipélagobet7 kAgutaya, bem no meio do Marbet7 kSulu, nas Filipinas.

Para as cercabet7 k13 mil pessoas que vivem aqui, Alena, como é chamada, é a única médica. De baixa estatura, óculos e rabobet7 kcavalo, ela sempre exibe um sorriso largo no rosto que esconde uma determinação silenciosa.

Há apenas uma ilha no arquipélago que ela não visita — Amanpulo, que tem o mesmo nome do seu resortbet7 kluxo, onde Tom Cruise e Beyoncé teriam se hospedado. Em um dia claro, é possível avistá-la das praiasbet7 kDiit, a apenas 20 kmbet7 kdistância.

Alena chegou pouco antes da pandemiabet7 kcovid-19 — e aprendeu a conviver com as ameaçasbet7 kmorte que recebia quando insistia para que as pessoas fizessem isolamento. Mas a pandemia que devastou o mundo estava longebet7 kser seu único desafio neste recanto frequentemente esquecido das Filipinas. Ela lutou contra novas e antigas doenças e enfrentou os maiores desafiosbet7 kseu país. Ela conta que foi para Acutaya para fazer "mudanças reais" — mas saiubet7 klá profundamente desiludida.

Essas remotas ilhas vulcânicas não são o lugar onde você espera encontrar uma médica formada na melhor faculdadebet7 kmedicina do país, que passou a vida todabet7 kManila, a fervilhante capital das Filipinas.

Diferentementebet7 kmuitosbet7 kseus colegas que partirambet7 kbuscabet7 kuma carreira na Austrália, nos Estados Unidos e no Reino Unido, Alena se ofereceu para participarbet7 kum programa do governo que a enviou para um dos municípios mais pobres do país.

A chegada da covid-19

A ilha principalbet7 kAgutaya fica a dois dias e meiobet7 kManila. Isso inclui um voo, seguido por uma travessia noturnabet7 k15 horas mal dormidasbet7 kuma balsa aberta da cidade portuáriabet7 kIloilo para uma ilha maior chamada Cuyo.

Na sequência, a única maneirabet7 kentrar e sairbet7 kAgutaya é fazer uma travessiabet7 kduas horasbet7 kuma canoa que mais parece uma montanha-russa, da qual você sai encharcado.

Vistabet7 kum drone das águas ao redor da Ilha Diit

Crédito, BBC/ VIrma Simonette

Legenda da foto, Estas ilhas,bet7 kmeio a águas cristalinas sobre a areia branca, parecem ter saído direto do paraíso
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Enquanto o habilidoso piloto guia a canoa pelos recifes até as águas rasas, Agutaya parece um pedaço do paraíso. Aos pés da costa cercada por palmeiras, uma ampla faixabet7 kareia branca se estendebet7 ktodas as direções. Canoas coloridas balançambet7 káguas tão claras que parecem estar flutuando no ar.

Mas a geografia é uma bênção e uma maldição. Espalhadas por centenasbet7 kquilômetros quadradosbet7 kmar, as cercabet7 kuma dúziabet7 kilhas que compõem o arquipélago ficam isoladas por dias, até semanas, quando chegam as monções, com ventos a reboque. Cobertas por densa floresta, as encostas se erguem sobre grandes camposbet7 krochas basálticas. Há pouco solo cultivável. Os ilhéus dependem quase inteiramente do oceano.

Alena fezbet7 kprimeira travessia para Agutayabet7 kfevereirobet7 k2020.

"Quando comecei aqui, tinha 26 anos, e muitas pessoas me confundiam com uma estudante do ensino médio", diz ela com uma risada. "As pessoas não acreditavam que eu era médica."

Seu primeiro desafio chegoubet7 kum mês, quando a pandemiabet7 kcovid-19 colocou as Filipinasbet7 klockdown. As ilhas foram isoladas.

"O primeiro ano não foi tão ruim", diz Alena. "Não houve caso local algum. Mas no segundo ano [2021], foi quando o governo permitiu que todos voltassem para suas cidades natais. De repente, tínhamos pessoas voltandobet7 klugares tão distantes quanto Manila."

Alena estava encarregadabet7 kfazer cumprir a quarentena.

"Quando as pessoas souberam que seriam colocadasbet7 kquarentena, reagiram com violência", diz ela. "Recebi ameaçasbet7 kmorte. As pessoas diziam que queriam atirarbet7 kmim."

Ela entendeu o motivo. As pessoas aqui vivem dia após dia. O que pescambet7 kmanhã, elas comem no jantar. Se não pudessem sairbet7 kcasa para pescar, passariam fome.

Longebet7 kser abraçada pela comunidade local, Alena, que havia deixado o noivobet7 kManila, agora estava sendo mal recebida pelo povo como uma fiscal do governo.

"Havia diasbet7 kque eu não conseguia fazer nada alémbet7 kchorar. Foram muitas lágrimas", relembra.

Para aliviar a solidão, ela começou a adotar cachorros. Bruno é grande, com um rabo enorme que não parabet7 kabanar, enquanto Vigly é pequeno e tímido. Os dois a acompanhambet7 ktodos os lugares.

"Passei muito tempo indo à praia com eles e vendo o pôr do Sol. Também comecei a desenhar. Meus desenhos não são bons, mas é uma espéciebet7 karteterapia."

Alena Yap

Crédito, BBC/Virma Simonette

Legenda da foto, A pandemia e a solidão que ela impôs foram especialmente difíceis para a jovembet7 k28 anos

O desafio seguinte surgiu quando as vacinas começaram a chegar, no verãobet7 k2021.

"Tivemos que irbet7 kcasabet7 kcasa,bet7 kcada barangay [vilarejo] da ilha", diz Alena. "A ilha mais distante fica a quase três horasbet7 kbarco, e muitas pessoas não podem pagar a passagem [para ir à clínica]. Então, elas não viriam."

Por mais cansativa que a jornada fosse, a distância não era o único problema:

"Houve muita hesitação, muitas notícias falsas sobre as vacinas fazerem mal ou serem capazesbet7 kmatar as pessoas. Muita gente aqui acessa notícia por meio das redes sociais e não estava recebendo os fatos."

No outonobet7 k2022, a ameaça da covid-19 começou a diminuir. Apesar da resistência, o programabet7 kvacinação foi bem-sucedido.

Apenas oito ilhéusbet7 ktodo o arquipélago morrerambet7 kdecorrência do vírus.

Mas isso trouxe uma pequena trégua.

A 'moça do remédio'

Nos diasbet7 ksemana, uma fila começa a se formar todas as manhãs do ladobet7 kfora da principal clínicabet7 kAgutaya, enquanto a reunião diária entre Alena ebet7 kequipe ainda estábet7 kandamento.

Nesse dia, o primeiro da fila é um homembet7 k50 anos com suspeitabet7 kderrame.

Um menino caminhandobet7 kmáscara para a escola na ilha Diit

Crédito, BBC/ Virma Simonette

Legenda da foto, Um menino caminhando para a escola na Ilha Diit

"Antesbet7 kvir para cá, pensei que tudo seria fresco e orgânico", diz Alena, rindobet7 ksua própria ingenuidade. "Mas é muito difícil conseguir uma alimentação nutritiva aqui."

Por um lado, os habitantes locais salgam e secam seus peixes, levando à pressão alta. Diabetes também é comum porque é mais fácil encontrar refrigerante do que água potável.

Um cartaz na entrada da clínica anuncia o outro grande problemabet7 ksaúde: "amostrabet7 kescarro" para tuberculose.

Alena diz que registrou 45 casosbet7 k2022, mas muitos outros não foram diagnosticados.

A tuberculose é uma infecção bacteriana que pode ser fatal se não for tratada. Ela mata milhõesbet7 kpessoas anualmente, embora uma combinaçãobet7 kvacinas e antibióticos a tenha erradicadobet7 kalgumas partes do mundo antes da metade do século passado.

Mas ainda se estima que as Filipinas tenham maisbet7 kum milhãobet7 kcasos.

"O planobet7 klongo prazo é erradicá-la", diz Alena, acrescentando que é "impossívelbet7 kum futuro próximo". Ela afirma que, devido à faltabet7 kacesso aos serviçosbet7 ksaúde, as pessoas frequentemente têm recaídas e começam até a desenvolver cepas resistentes a medicamentos.

Mais tarde naquela manhã, uma mulher leva seu filho à clínica. Pálido e apático, o menino desababet7 kuma cadeira. Alena suspeita que ele esteja com dengue. Alguns minutos depois, está confirmado. Ela receita paracetamol e diz à mãe para mantê-lo hidratado.

A dengue é novidade por aqui. O único casobet7 kjaneiro se transformoubet7 k10bet7 kmarço, mesmo quando Alena ebet7 kequipe pulverizaram inseticida na escola para matar os mosquitos que espalharam a doença, e distribuíram mosquiteiros tratados.

Por volta das 11h, a médica se libera da crescente filabet7 kpacientes. Eles vão terbet7 kser atendidos porbet7 kcompetente equipebet7 kenfermagem, porque ela precisa atravessar para Diit, a 40 minutosbet7 kbarco.

Essa ilha é mais bonita que Agutaya, mas mais pobre. Não tem eletricidade nem torrebet7 ksinalbet7 kcelular, e possui apenas uma estradabet7 kconcreto que termina depoisbet7 kalgumas centenasbet7 kmetros.

A chegada da "moça do remédio", como Alena é carinhosamente chamada, é recebida com muita emoção. Dezenasbet7 kcriançasbet7 kidade escolar vêm correndo pela praia. Elas não tiveram aula para que a equipebet7 kcontrole da denguebet7 kAlena pudesse pulverizar a escola com inseticida. Enquanto caminha pelo vilarejo, ela parece o flautistabet7 kHamelin, com uma longa filabet7 kcrianças risonhas atrás dela.

Ela visita um casalbet7 kidosos que está sentadobet7 kcadeirasbet7 krodas do ladobet7 kforabet7 kcasa na praia. Ambos tiveram derrames e estão parcialmente paralisados. Ela verifica a pressão arterial dele — 15 por 9.

"É alta, mas aceitável para a idade dele", afirma.

Alena tratando um menino com hérnia

Crédito, BBC/VIRMA SIMONETTE

Legenda da foto, Nestas ilhas, uma hérnia, como a deste menino, pode levar uma família à falência

Uma mulher na faixa dos 40 anos abre caminho no meio da multidão que se reuniu ao redor da médica. Ela está carregando um menino, que talvez tenha cinco ou seis anos. Alena pede que ela se sentebet7 kuma cadeira e começa a examinar a criança. O testículo esquerdo dele está extremamente aumentado. A lanterna revela uma hérnia na parte inferior do abdômen. Uma parte do intestino dele penetrou na parede intestinal, empurrando seus testículos.

"Ele vai precisarbet7 kcirurgia", diz Alena à mãe.

A esperança nos olhos da mulher logo se transformabet7 kansiedade.

Alena pergunta se ela conhece alguém com quem possa ficarbet7 kuma das ilhas maiores. Sim, diz a mulher —bet7 kCulion, a 12 horasbet7 kbarco.

"Assim que digo a eles que precisambet7 kcirurgia, você vê o medo e a tristezabet7 kseus rostos porque percebem que não há nenhum remédio que eu possa dar para curar aquilo", diz Alena.

"Você vêbet7 ksuas mentes [o pensamento de] como vão pagar por isso? É difícil ser a única a dar a notícia."

Em outra parte do mundo, uma hérnia é um procedimento médico simples. Mas aqui pode acabar com as economiasbet7 kuma família, deixando-a endividada por anos.

"Se pudéssemos facilitar as viagens, faria muita diferença", ela acrescenta.

"Mas isso é difícil porque exige muitos recursos."

Depoisbet7 ktrês anos na ilha, o otimismo e a ambiçãobet7 kAlena deram lugar à desanimadora constataçãobet7 kque recursos — ou dinheiro — sempre vão ser o maior desafio.

Paraíso perdido

Uma estradabet7 kconcreto para qualquer tipobet7 kclima passa ao longo da base das colinas rochosas que circundam a ilha principalbet7 kAgutaya. A construção começou junto com a campanha para a eleição local no ano passado. Uma pista foi concluída antes do dia da eleição, mas os ilhéus dizem que a obra parou depois disso. Ainda não há uma segunda faixa.

"Teremos que esperar as próximas eleições para terminar a estrada", brinca um morador.

Uma igrejabet7 kAgutaya

Crédito, BBC/Virma Simonette

Legenda da foto, Agutaya e as ilhas ao redor são muito pequenas para fazer diferença para Manila, dizem os moradores

Do outro lado da ilha, barrasbet7 kaço enferrujadas se projetambet7 kuma estruturabet7 kconcreto incompleta que está sendo invadida aos poucos pela vegetação.

Era para ser a nova unidadebet7 ksaúde rural, segundo Alena. A obra parou no ano passado porque o governo local ficou sem dinheiro.

"Mas eles não concluírambet7 kparte no acordo", diz ela, com uma frustração palpável.

A política filipina não é conduzida por partidos, mas por personalidades, e é dominada por grandes clãs poderosos cujos chefes prometem recursosbet7 kManilabet7 ktrocabet7 kvotos. Como observou uma moradora local, Agutaya é uma comunidade muito pequena: "Não há votos suficientes aqui que façam valer a pena o dinheiro."

Os políticos locais têm pouco incentivo para mudar e, na época das eleições, a comprabet7 kvotos é tão comum que agora parece ter um preço fixo: 500 pesos filipinos (cercabet7 kR$ 44). A corrupção tem raízes profundas, e o dinheiro que entra parece não chegar ao seu destino.

"Eu cheguei aqui muito idealista", diz Alena, suspirando.

"Fui muito aguerrida para tentar mudar a forma como o sistemabet7 ksaúde local funcionava. Mas, com o passar do tempo, você percebe que três anos é muito pouco para fazer grandes mudanças."

À medida que a temporadabet7 kAlenabet7 kAcutaya — um contratobet7 ktrês anos — chegava ao fim, muitos ilhéus disseram a ela que ficariam tristesbet7 kvê-la partir.

"O tempo passa rápido", afirma Ricardo, um dos auxiliaresbet7 kenfermagem da equipe, que a descreveu como "altruísta e trabalhadora".

Alena Yap

Crédito, BBC/Virma Simonette

Legenda da foto, Por mais que tenha ajudado, Alena diz que se sente profundamente frustrada ao finalbet7 ksua temporada no arquipélago

Mas nas semanas seguintes ao seu retorno a Manila, Alena conta que se sentiu desapontada e até cínicabet7 krelação àbet7 kexperiência trabalhando para o governo local. Ela recebeu uma ofertabet7 kemprego na administraçãobet7 ksaúde da provínciabet7 kPalawan, mas recusou. Em vez disso, ela quer trabalhar para uma ONG ou instituiçãobet7 kcaridade médica.

Na semana passada, ela voltou a Agutaya como partebet7 kum programa administrado por uma ONG. Há décadas que a ONG, com a ajudabet7 kdoadores locais e internacionais, envia regularmente médicos especialistas às ilhas para realizar pequenas cirurgias.

Mas, desta vez, a viagembet7 kAlena não durou dois dias e meio. Ela e outros médicos chegaram lá três horas depoisbet7 kdecolarbet7 kManila — o avião deles pousoubet7 kuma pista na luxuosa ilhabet7 kAmanpulo.