Eleições 2024: o que prefeitos podem fazerfato pela segurança pública?:

Agentes e viaturas da Guarda Civil MetropolitanaGoiânia

Crédito, Guarda Civil MetropolitanaGoiânia

Legenda da foto, Ação dos municípios na segurança pública deve ir muito além da atuação das guardas metropolitanas, dizem especialistas
Gráficobarras mostra as dez cidades mais populosas do Brasil e o percentual da populaçãocada uma delas que apontou a segurança pública como "o problema mais grave que a cidade enfrenta hoje"

Por que segurança está no topo das preocupações

A segurança pública e a criminalidade estão no topo das preocupações dos eleitoresum momentoque o país registra taxahomicídiosqueda desde 2017 — anoque o indicador bateu recordemeio à guerrafacções, com o avanço do Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) para as regiões Norte e Nordeste.

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Para Melina Risso, diretorapesquisa do Instituto Igarapé, um centroestudossegurança pública, apesar dessa aparente contradição, é preciso considerar que a população está submetida a diferentes tiposviolência.

Um exemplo é o roubocelular, um crime muito prevalente atualmente nas grandes cidades.

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Uma toneladacocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês

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Praticamente umcada dez brasileiros (9,2%) teve o celular roubado no período12 meses entre julho2023 e junho deste ano, segundo pesquisa do instituto Datafolha.

A incidência do crime é maior nas capitais (15%), do que no interior (6%), segundo o levantamento encomendado pelo Fórum BrasileiroSegurança Pública.

"Não é só a taxahomicídio, mas uma experiênciadiferentes tiposviolência que são muito presentes na vida das pessoas", diz Risso, que é coautoraSegurança pública para virar o jogo (Zahar, 2018),

"Esse é um elemento muito importante para formar essa percepção [em relação à violência]."

A especialista destaca ainda que crimes como roubo são mais frequentes do que mostram os dados oficiais, porque muitas vítimas não os denunciam às autoridades competentes.

Por exemplo, a pesquisa do Datafolha indica que 14,7 milhõesbrasileiros tiveram seus celulares roubados durante o período pesquisado, mais14 vezes o registradoboletinsocorrência.

Celularesorigem suspeita aprendidos pela Polícia Civil do RioJaneiro no Mercado Popular da Uruguaiana, no Centro do Rio

Crédito, Divulgação/Polícia Civil do RioJaneiro

Legenda da foto, Segundo pesquisa Datafolha, praticamente umcada dez brasileiros diz que teve o celular roubado nos 12 meses entre julho2023 e junho deste ano

"O dado que vemos nas estatísticas oficiais é só uma parte do que realmente acontece da experiência das pessoas", afirma Risso.

Para Ricardo Balestreri, coordenador do NúcleoUrbanismo Social e Segurança Pública do Insper, há um sentimento "intuitivo"parte da populaçãoque, sem segurança pública, não é possível ter os demais direitos do cidadão respeitados.

"Não há direito plenoir e vir para a maioria dos moradoresterritórios populares constrangidos pelo crime,empreender livremente,ter acesso à educação,garantia da longevidade para os jovens,garantia para os paisque vão voltar para casa e encontrar seus filhos", exemplifica Balestreri, que foi secretário NacionalSegurança Pública (2008-2010) eSegurança Pública e Administração PenitenciáriaGoiás (2017-2018).

"A população vive tudo isso no seu dia a dia, então, a insegurança pública tem o poderinterditar o respeito aos demais direitos humanos,momentoque, lamentavelmente, grande parte da população brasileira viveterritórios dominados ou com a presençaatividades criminais."

A pesquisa Datafolha mostrou, por exemplo, que 14% dos brasileiros dizem sofrer com a presençafacções criminosas ou milíciassuas vizinhanças. Em capitais, o percentual chega a 20%.

Um cartaz"Proibido jogar lixo" assinado pelo Comando Vermelho, facção criminosa que controla a CidadeDeus, favela onde a foto foi tirada2018

Crédito, AFP

Legenda da foto, Cerca14% dos brasileiros dizem sofrer com a presençafacções ou milíciassuas vizinhanças, mostrou pesquisa Datafolha. Em capitais, percentual chega a 20%

O que cabe aos municípios na segurança pública

A Constituição estabelece no Artigo 144 que a segurança pública é um "dever do Estado" e "direito e responsabilidadetodos".

Mas, na prática, as maiores atribuiçõescombate à criminalidade cabem aos Estados, responsáveis pelas polícias Civil e Militar.

Conforme o texto constitucional, as atribuiçõesUnião, Estados e municípios com relação à segurança pública são as seguintes:

  • União: controla a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, sendo responsável pelo policiamento das fronteiras, das rodovias federais e pelo combate ao tráfico internacional e interestadualdrogas;
  • Estados e Distrito Federal: controlam as polícias Civil e Militar, sendo responsáveis pelo policiamento ostensivo (que inclui a manutenção da ordem pública, repressãocrimes, zelo pelo respeito dos indivíduos às leis, entre outras medidas) e pela investigaçãocrimes comuns;
  • Municípios: podem desenvolver açõesprevenção à violência, por meio, por exemplo, da instalaçãoiluminação e câmeras. E criar guardas municipais – historicamente, estas guarnições tinham como atribuição a proteçãopatrimônio, mas uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou o papel das guardas na segurança dos cidadãos.

"Hoje, quando olhamos o sentido geralsegurança pública, ele está muito concentrado no momento posterior ao crime", diz Risso.

"Nas polícias, no sistemajustiça criminal, no sistema penitenciário, que atuam depois que a situaçãoviolência oucrime aconteceu."

A especialista observa, porém, que a questão da segurança pública é mais ampla, envolvendo também as causas da violência, o que está relacionado à vulnerabilidade social e individual, à percepçãoaplicação da lei, entre outros fatores.

"É aí que o município tem um papel enorme, que vai desde o ordenamento urbano, passando por políticas que reduzem a chance das pessoas serem vítimasviolência, por políticas públicas como o investimento na primeira infância, o processo educacional", enumera Risso.

"São políticas diversas que criam fatoresproteção para que as pessoas não sejam expostas à situaçãoviolência."

Iluminaçãovia públicaBelém, no Pará, com carros e ciclistasmovimento

Crédito, Ricardo Amanajás / Ag Pará

Legenda da foto, Iluminação urbana, ordenamento urbano e regulamentação da questão fundiária e imobiliária estão entre as ações que o poder municipal pode tomar na área da segurança pública, diz diretora do Instituto Igarapé

Ela cita ainda outras intervençõesáreas urbanas, como a iluminação, a circulaçãopessoas determinada pelo organização da cidade, além da regulamentação da questão fundiária e imobiliária (utilizadas pelo crime organizadoáreas onde esses grupos atuam por meio do controle territorial).

"É preciso que os municípios construam políticas municipaissegurança para além das guardas municipais e que têm relação com práticasurbanismo social", diz Balestreri, do Insper.

O urbanismo social é uma estratégiaintervenção urbana epolíticas públicas que visa o desenvolvimento localregiõesalta vulnerabilidade social, a partirpolíticas intersetoriais, construídas pelo poder público,parceria com entidades da sociedade civil e a população local.

"É preciso criar equipamentos públicos e oportunidadesinclusão social para todas as pessoas, para cortar na raiz o problema da insegurança pública", diz o ex-secretário.

Segundo Balestreri, o problema da insegurança no Brasil é tão grave porque há décadas o país prioriza a repressão sem dar devida atenção à inclusão, fundamentalpaís tão desigual, onde há um "exército"pessoas sem oportunidades.

"É um Estado que se ausentou da vida dos mais pobres,um país que herdou uma ideologiacasa grande e senzala. Nos livramos da escravatura, mas não do escravismo, que está internalizado na cultura da gestão pública, com raras e honrosas exceções. Temos um país que administra para a casa grande e que contém a senzala. Essa é a lógica."

Urbanismo e segurança

Quando questionados sobre exemplos bem sucedidosaçãomunicípios brasileiros na segurança pública, os dois especialistas citam os Centros Comunitários da Paz (Compaz) do Recife.

Com a primeira unidade inaugurada2016, são hoje cinco complexosoperação na capital pernambucana, que oferecem serviços diversos à comunidade, como cursoscapacitação, orientação jurídica, assistência social, alémaulasartes e esportes.

A inspiração veio da estratégiasegurança pública baseadaurbanismo socialMedellín, na Colômbia, cidade conhecida por ter passado do domínio do narcotráfico a exemplorevitalização urbana.

Na segunda maior metrópole colombiana, a taxahomicídios, que beirava 200 mortes por 100 mil habitantesmeados dos anos 1990, caiu para menos152023.

"Aplicamos o Projeto Urbano Integrado (PUI)Medellín, buscando implantar os eixos voltados para a primeira infância, empreendedorismo, esporte e lazer, convivência cidadã, policiamento comunitário, justiça, direitos, cultura, educação e saúde preventiva", disse Murilo Cavalcanti, ex-secretárioSegurança Cidadã do Recife e formulador dos Compaz,palestra recente.

Nesta mesma direção,criaçãolocaisconvivência, lazer e concentraçãoserviços, Balestreri cita ainda as UsinasPaz do Pará (uma política estadual, com unidades na Região MetropolitanaBelém, e no sudeste do Estado); e,São Paulo, a transformação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs)locais onde são prestados serviços comunitários mais amplos.

Na atuação da guarda metropolitana, sob a ótica da prevenção, Risso dá como o exemplo do Centro IntegradoOperaçõesBelo Horizonte (COP-BH).

"O centrooperações faz um trabalho muito interessante para orientar a ação da guarda, olhando para questõesconvivência na cidade, que não são necessariamente o foco da polícia, como, por exemplo, a questãofurtocabos, que tem um impacto imenso na vida das cidades, ao afetar semáforos e a iluminação", exemplifica Risso.

A especialista lembra ainda que guardas municipaisdiferentes cidades têm feito um trabalho importanteproteção às mulheres vítimasviolência, por meio das chamadas Patrulhas Maria da Penha — ações coordenadasequipes que fazem visitasrotina às mulheres que estão sob medidas protetivas contra agressores.

Oficina com detentaspresídioPelotas (RS), parte da Estratégia Segunda Chance, programareintegração socialegressos do sistema prisional do Pacto Pelotas Pela Paz

Crédito, Marcel Avila/Instituto Cidade Segura

Legenda da foto, Oficina com detentaspresídioPelotas, parte da Estratégia Segunda Chance, programareintegração socialegressos do sistema prisional do Pacto Pelotas Pela Paz

Risso cita ainda o exemplo do Pacto Pelotas pela Paz, programaprevenção à violência que levou a uma queda9% nos homicídios e7% nos roubos no município gaúcho, entre agosto2017 e dezembro2021, segundo estudo publicado na revista The Lancet Regional Health Americas.

Levantamento recente da própria PrefeituraPelotas, feito com outra metodologia, identificou resultados ainda mais expressivos, com quedas nos crimes violentos letais intencionais (-60%), nos roubos a transporte público (-75%), roubosveículos (-91%), furtosveículos (-79%), roubos a pedestre (-82%) e roubos a estabelecimentos comerciais (-78%), entre 2017 e 2024.

O projeto mistura iniciativasurbanismo, policiamento e educação, com uma atuação também forte na ressocializaçãodetentos.

"Ao trabalhar com segurança pública, não há 'balaprata'. É preciso trabalhar com um conjuntomedidas, com muita clarezaonde o município pode atuar", diz Risso.

"O que temos visto nessas eleições são muitos candidatos propondo ações que não são da competência do município."