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O contra-ataque no Congresso para tentar barrar descriminalizaçãoportemaconha no STF:
A votação na CCJ é o primeiro passo para que a medida possa ser aprovada no plenário anteso STF finalizar o julgamento sobre o portemaconha.
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Iniciado há nove anos e paralisado por pedidosvista, quando um ministro pede mais tempo para analisar um tema, o caso foi retomado na Corte na semana passada.
Isso colocou o STF novamenterotacolisão com uma parte poderosa do Congresso Nacional: a bancada conservadora do Parlamento liderada,grande parte, pela Frente Parlamentar Evangélica.
Há até o momento cinco votos favor e três contra para que algum graudescriminalização seja implementado, faltando apenas um voto para a formaçãomaioria.
O julgamento, porém, foi interrompido por um terceiro pedidovistas, feito desta vez pelo ministro Dias Toffoli, com o vototrês ministros ainda pendente. Toffoli tem um prazoaté três meses para devolver o caso ao plenário.
A interrupção não parece ter arrefecido os ânimos no Congresso, onde parlamentares da bancada evangélica, com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se mobilizam para aprovar a PEC.
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Na avaliação do cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), esse contra-ataque da bancada conservadora no Congresso já era esperado.
Segundo ele, a disputa faria parteum processo que vem sendo descrito pela ciência política como "politização da Justiça" ou "judicialização da política".
Nessa dinâmica, ele explica, a crítica éque o Judiciário estaria utilizando seus poderes para legislar no lugar do Parlamento.
"Há algum tempo, há uma discussão intensa sobre se o STF vem ou não invadindo a competência do Poder Legislativo", diz Couto.
"Em temas menos polêmicos, talvez a reação à atuação no Congresso fosse outra. Como este assunto é considerado um tabu na sociedade brasileira e muito instrumentalizado politicamente, erase supor que houvesse uma reação como essa."
As tensões entre o STF e o Congresso também foram responsáveis por uma sériepedidosimpeachmentministros do STF, projetoslei e PECs com o objetivolimitar os poderes do Supremo, especialmenterelação ao alcanceinvestigações contra parlamentares e ao poderdecisões individuais.
Segundo Couto, reações como essa já haviam ocorridooutros episódios, como no caso do marco temporal para a demarcaçãoterras indígenas.
Em setembro2023, o STF rejeitou a teseque demarcaçõesterras indígenas só poderiam ser feitasáreas ocupadas por povos origináriosoutubro1988.
Como reação, a bancada ruralista acelerou a votaçãoum projetolei que previa o estabelecimento do marco temporal, contrariando o STF.
Parte do projeto foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o veto foi posteriormente derrubado pelo Congresso,uma demonstraçãoforça dos ruralistas.
Couto avalia que a reação do Congressotorno do julgamento sobre a descriminalização do portemaconha já era prevista pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF e a quem cabe a prerrogativadefinir as pautas que serão votadasplenário.
Na semana passada, o ministro se reuniu com integrantes da bancada evangélica no Congresso Nacional anteso julgamento ser retomado.
Para Couto, o encontro teve o objetivoevitar um movimento semelhante ao que ocorreu no caso do marco temporal.
O cientista político avalia que o fatoBarroso ter recorrido aos parlamentares mostra que o tema é tão sensível que demandou uma espécie"articulação política" com o Congresso.
"Quando um ministro vai aos parlamentares dialogar sobre um julgamento, isso pode, por um lado, fomentar as críticasque o Supremo não é técnico, mas político", diz Couto.
"Por outro lado, não admitir isso seria tapar o sol com a peneira. Há um caráter intrinsecamente político nas decisões do Supremo. Essa é a realidade, e Barroso lidou com ela."
'STF não pode liberar drogas com canetada'
Segundo o jornal O EstadoS. Paulo, Barroso disse aos parlamentares que o julgamento não se dedicaria a liberar o usodrogas no Brasil, mas a estabelecer limites a partir dos quais deveria ser feita a distinção entre usuário e traficantedrogas.
"Se um garoto branco, rico e da zona sul do Rio é pego com 25 gramasmaconha, ele é classificado como usuário e é liberado", disse o ministro segundo o jornal.
"No entanto, se a mesma quantidade é encontrada com um garoto preto, pobre e da periferia, ele é classificado como traficante e é preso. Isso que temos que combater."
O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que é membro da bancada evangélica e contra a descriminalização, diz que o argumentoBarroso não convenceu.
"O ministro disse aos parlamentares que o Supremo não iria deliberar sobre a descriminalização, mas, na prática, é isso que estájogo, sim", diz Cavalcante à BBC News Brasil.
"Se estabelecermos uma quantidade permitida para o porte, o que o tráfico fará é usar mais gente transportando esse limite para não ter problemas com a justiça. Isso é óbvio."
Para o deputado, o STF não deveria interferir neste assunto.
"O STF não pode liberar as drogas com uma canetada. Este é um assunto que cabe ao Parlamento decidir", afirma o deputado.
"Nós fomos eleitos para representar a população e deliberar sobre esse tipotema. Por isso que vamos manter o ânimo para votar a PEC."
Na semana passada, o movimentoreação iniciado por parte da bancada evangélica no Senado ganhou a adesãoum importante aliado: Rodrigo Pacheco.
Foi ele quem apresentou a proposta que agora vem sendo chamada"PEC das Drogas",2023, e foi ele quem deu o "sinal verde" para que a proposta fosse levada a votação na CCJ do Senado.
Esta, porém, não é a primeira vez que Pacheco se alia à bancada conservadora do Senadotornouma proposta relativa à segurança pública. No início do ano, o senador deu apoio a um projetolei que acabou com a saídapresosdatas comemorativas e feriados, as chamadas "saidinhas".
O projeto ganhou apoio do senador após o casoum policialMinas Gerais ter sido morto por um homem que havia sido liberado da prisão durante uma dessas "saidinhas".
O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), que é a favor da descriminalização das drogas, diz reconhecer a força política da bancada evangélica no Congresso e reclama do apoioPacheco à chamada "PEC das drogas.
"Eles têm uma força numérica inegável. Não sei se são capazesaprovar uma PEC sobre o assunto, mas têm uma capacidadeação que não podemos ignorar. O que nos causa surpresa é a atuação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que sempre se posicionouforma muito sóbriatodos os debates relevantes", diz o parlamentar.
"O debate está aí e precisa ser feito. Não podemos mais continuar com a mesma política que leva ao encarceramentojovenstodo o Brasil. Precisamos debater o assunto sem hipocrisia."
Na semana passada, Pacheco justificou seu apoio à tramitação da PEC.
“O que nos motivou como reação principal foi que uma declaraçãoinconstitucionalidade (sobre o porte para consumodrogas) que vai significar, sim, na prática e juridicamente, a descriminalização da conduta era algo que nós não podíamos concordar porque cabe ao Parlamento ou não decidir se algo deve ser crime ou não", disse o senador.
Em meio a esse fogo cruzado, o governo federal vem tentando não se posicionar diretamente sobre o julgamento.
O Palácio do Planalto dissenota à BBC News Brasil que "a Presidência da República não comenta julgamentos do STF nos quais não é parte do processo".
A reportagem também tentou contactar lideranças do governo no Congresso, mas as ligações não foram atendidas.
Internamente, o tema é considerado sensível, entre outros motivos, por conta da ampla contrariedade do eleitorado evangélico à medida.
Este é um dos segmentos que mais apresenta resistênciarelação ao governo, segundo pesquisasopinião.
Segundo levantamento da empresapesquisas Quaest, 62% do eleitorado evangélico desaprova o presidente Lula. O percentual é acima da média geraldesaprovação que foi46%.
A pesquisa divulgada na semana passada tem uma margemerro2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
O tabu das drogas no Brasil
A descriminalização das drogas é um assunto que, historicamente, gera debates acalorados entre defensores e opositores à proposta no Brasil.
A dimensão dessa polêmica pode ser medida pelo tempo que o STF está levando para julgar o caso sobre o tema.
O julgamento retomado na semana passada foi iniciado2015. A demora se deu,parte, por dois pedidosvistas feitos pelos ministros Teori Zavascki, já falecido,agosto daquele ano, e André Mendonça,agosto do ano passado.
Antes da regra criada pela ex-ministra Rosa Weber, os pedidosvista não tinham prazo e os ministros podiam parar um julgamento para analisar o caso durante anos. Agora, devem devolver um casoaté 90 dias.
O Supremo julga a constitucionalidadeum artigo da LeiDrogas (Lei nº 11.343/2006) que cria a figura do usuáriodrogasuma diferenciaçãorelação ao traficante. Este último ficaria sujeito a penas mais severas.
A lei, no entanto, não estabeleceu critérios objetivos sobre a diferença entre usuário e traficante.
Defensores da descriminalização do porte para usodrogas afirmam que a faltacritérios prejudica, especialmente, jovens negros que moramcomunidades pobres que seriam presos e processados como traficantes apesarportarem pequenas quantidadesdrogas.
O caso que motivou o julgamento, por exemplo, se refere a um homem que foi flagrado com três gramasmaconha enquanto estava preso.
Opositores à medida afirmam que a descriminalização do porte poderia levar ao aumento do consumodrogas e à ampliação do usojovens pobres no tráficodrogas.
Em 2015, quando teve início o julgamento, os ministros e ministras avaliaram a possibilidadedescriminalizar o portequalquer tipodroga.
Mas, à medidaque os votos foram sendo proferidos, a tendência foirestringir ao portemaconha, porque foi a droga do caso específicojulgamento.
No campo político, o tema divide os campos chamados progressistas, mais associados à esquerda, e conservadores, mais associados à direita.
Durante a campanha eleitoral2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), apoiado por uma ampla base evangélica, criticava o então candidato Lula e seus aliados por serem supostamente favoráveis à descriminalização das drogas.
O programagovernoLula apresentado porcoligação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não previa, no entanto, propostas para descriminalização das drogas.
O texto mencionava, no entanto, que "o país precisauma nova política sobre drogas," focada na reduçãoriscos, prevenção e assistência ao usuárioentorpecentes.
No governo, o tema vem dividindo opiniões. Em novembro2022, o então indicado para ministro da Justiça e atual ministro do STF, Flávio Dino, disse à BBC News Brasil que o governo não tinha projetos para a descriminalização das drogas.
Em março2023, no entanto, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, disse à BBC News Brasil ser favorável à medida como formadiminuir a superlotação dos presídios brasileiros.
Uma pesquisa divulgadasetembro2023 pelo Datafolha aponta que 72% das pessoas entrevistadas seriam contra o uso recreativomaconha.
AprovaçãoPEC pode não encerrar debate no STF
Apesara bancada evangélica apostar na PEC como uma espéciegarantia contra o julgamento do STF, especialistasDireito avaliam que a situação é mais complexa do que parece.
Mesmo que o Congresso aprove a PEC antes da decisão do Supremo no caso, o julgamento não seria interrompido e não necessariamente a PEC teria efeitos “automáticos”.
“A emenda constitucional pode ser impugnada pela via das ações diretasinconstitucionalidade, como o Supremo já fez no passado”, afirma Henrique Sobreira Barbugiani Attuch, do escritório Wilton Gomes Advogados.
A avaliação é que mesmo emendas à Constituição podem ser consideradas inconstitucionais caso se conclua que elas interferem nas chamadas “cláusulas pétreas” da Carta, que se referem temas que não são passíveismudança.
“O Direito não aceita tudo. Há princípios que nem emendas podem mudar na Constituição”, diz Belisário dos Santos Junior, especialistaDireito Público e ex-secretárioJustiçaSão Paulo.
"Então, se aprovada, essa PEC não garante o fim da discussão."
Caso a PEC seja aprovada e não seja questionada, o que é considerado por analistas ouvidos pela reportagem como algo improvável diante do atual cenário político, aí sim o resultado da decisão do Supremo sobre o artigo 28 da LeiDrogas teria que levarconsideração o que estabelece a emenda.
Wallace Corbo, professorDireito da FGV, explica que existe também a possibilidadeo Supremo decidir que a criminalização do uso não viola a Constituição, mas que, mesmo assim, existe a necessidadese estabelecer uma quantidade para diferenciar usuário e traficante.
Até o momento, quatro dos cinco ministros que votaram pela descriminalização do porte defenderam determinar que um porte acima60 gramas caracterizaria tráfico.
Já os ministros Cristiano Zanin e Kássio Nunes, que votaram contra descriminalizar o porte, defenderam que a quantidade máxima para uso próprio deveria ser 25 gramas. Também contrário, André Mendonça falou10 gramas.
A questão da quantidade para diferenciar traficantesusuários é considerada um dos temas centrais do julgamento.
O ministro AlexandreMoraes afirmou que esse ponto é importante porque estabelece um critério objetivo e evita injustiças e distorções.
Corbo afirma que, se o Congresso criar uma lei alterando a quantidade determinada pelo Supremo, a tendência seria a Corte acatar a escolha.
“Esse seria o cenário com menor riscojudicialização, menor chancevoltar ao Supremo", disse Corbo.
Toffoli, inclusive, chegou a dizer que determinar essa quantidade não seria uma tarefa do STF, e Mendonça defendeu que a Corte encaminhasse a questão toda - tanto sobre a quantidade para diferenciar usuário e traficante quanto sobre a criminalização da posse - para o Congresso votaraté 180 dias.
“Esse tipodecisão tem sido cada vez mais comum no Supremo e no Judiciário como um todo”, afirma Corbo.
Isso seria, na visãoCorbo, um "meio-termo"que o Supremo se sobreporia ao Legislativo, mas também não deixa a critério do Congresso decidir quando bem entender.
"Fixa-se um prazo para essa decisão do Congresso e, se esse prazo não for cumprido, podem advir consequências, como, por exemplo, valer a decisão do Supremo quanto ao que entende como mais adequado."
Diantemais um momentotensão entre o Congresso e o STF, especialistas avaliam que o pedidovistasToffoli pode ser interpretado como uma alternativa ao embate direto entre os dois Poderes.
Isso porque a interrupção do julgamento daria tempo ao Parlamento para discutir o assunto.
"Como o Congresso Nacional estápéguerra com o STF neste caso, dar tempo ao Legislativo para decidir sobre o tema é uma formalidar com eleforma mais cuidadosa", diz Couto.
Tanto Corbo quanto Santos Junior afirmam que existem motivos jurídicos plausíveis para um pedidovista, mesmo no casoum julgamento que tramita há bastante tempo.
“O pedidovista serve tanto para o aprofundamento sobre a matéria quanto para revisão das posições já colocadas (e houvefato novas posições recentes que poderiam justificar o pedido)”, afirma Corbo.
No entanto, diz ele, o pedido também tem sido usado como formainterferir na agenda do STF.
“Como hojedia há prazo definido para devolver os autos após o pedido, essa última possibilidade fica um pouco mais restrita, mas não deixaser possível, e aí pode sim haver um componente político no pedido."
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