'Não tranco mais o portão esperando ele voltar': a angústia das famíliasbetway esportpessoas com Alzheimer que perderam rumobetway esportcasa:betway esport

Luana segura cartazbetway esportdesaparecimentobetway esportJosé Pereira

Crédito, Mônica Manir

Legenda da foto, Luana ainda espera pelo retorno do marido, Zé Pedreiro

Botou nele a calça jeans escura, uma blusa cinzabetway esportmanga comprida, o tênis azul e uma malhabetway esportlã por cima. "Zé é friorento."

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Foram e voltaram rápido. Em Cordeirópolis, cidade do interior paulista a 158 km da capital, tudo é relativamente perto.

Comeram o almoço requentado, e o dia transcorreu normalmente, entre os cuidados com a enxuta casabetway esportdois quartos, a vira-lata Luana e os 18 gatos que Silvana pegou para criar.

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Episódios

Fim do Que História!

Por volta das 17h, Zé convocou a mulher: "Vamo, fia, vamo embora, vamo pra casa".

"Fio, faz quatro anos que a gente mora aqui, esta é a nossa casa", respondeu Silvana.

"Mas a Silvana não tá aqui", retrucou ele.

"Eu sou a Silvana,betway esportmulher", rebateu ela, na costumeira ladainhabetway esportfazê-lo se lembrarbetway esportsua existência.

"Silvana é magra, e você é gordinha", respondeu Zé.

A mulher deu ao marido o costumeiro remédio para dormir. Tomou também o seu calmante, indicado pelo médico naquele dia, já que o estresse contribuía para fazer desandar a diabetes.

Fechou o portão da casa com o cadeado e tirou a chave. Trancou a porta da sala com outra chave, mas a deixou na fechadura, como sempre fazia.

Já no quarto, Zé não quis colocar o pijama. Andavabetway esportum lado para o outro, pegava o chinelo da mulher e o mostrava para ela. Abria e fechava a primeira gaveta da cômoda várias vezes.

Silvana capotoubetway esportsono, crentebetway esportque Zé se deitaria do seu lado. Eram 20 anosbetway esportconvívio, os últimos três com o Alzheimer entre eles. Seria mais uma noite assim.

Às 4h30, ela passou a mão do lado direito do colchão e não sentiu o marido.

Levantou correndo, chamando-o pela casa. Descobriu a porta da sala aberta e o portão encostado, mas sem o cadeado.

Recordou-se dos últimos cuidados na noite anterior, e um flashbetway esportmemória lhe deu um frio na espinha: tinha deixado a chave do cadeado sobre a cômoda do quarto.

Ela encontrou a chave um pouco mais à frente, na calçada da rua onde moram.

O cadeado foi com o Zé, que, prestes a fazer 76 anos, não havia sido encontrado até a publicação desta reportagem.

Restou o boletimbetway esportocorrência feito por Silvana, no qual consta que "José tem problemasbetway esportsaúde (Alzheimer)".

Ainda assim, Zé Pedreiro entrou para mais uma estatística "inexistente" no Brasil: abetway esportpessoas com Alzheimer que se perdem e não voltam para casa.

Fugas frequentes

cadeadobetway esportportão aberto

Crédito, Mônica Manir

Legenda da foto, 'Não tranco o portão porque sei que ele vai voltar', diz Silvana

"Essas 'fugas' acontecem com certa frequência, mas não temos números sobre esse assunto especificamente, é muito empírico, vem da nossa experiência no dia-a-dia dos atendimentos", diz Aline Martins Gratão, enfermeira e professorabetway esportGerontologia na Universidade Federalbetway esportSão Carlos (UFSCar).

Ela é uma das coordenadoras do iSupport-Brasil, plataforma do Ministério da Saúde criadabetway esportconjunto pela UFSCar, a Universidade Federalbetway esportSão Paulo (Unifesp) e a Universidadebetway esportBrasília (UnB).

A iniciativa auxilia o cuidadorbetway esportpessoa com demência a entender a doença, lidar com os desafios da mudançabetway esportcomportamento, prestar um bom cuidado e cuidarbetway esportsi mesmo.

"Sabemos que os familiares usam as redes sociais para tentar localizar a pessoa que se perdeu. Às vezes dá certo, às vezes não", diz Gratão.

A Secretariabetway esportSegurança Públicabetway esportSão Paulo informou, por meiobetway esportsua assessoria, não disporbetway esportdados computados sobre desaparecidos que apresentem demência.

Em 2017, Ana Lúcia Lopes Miranda, então delegada na 4ª Delegaciabetway esportPessoas Desaparecidas, afirmou no site do governo do Estadobetway esportSão Paulo que registrava,betway esportmédia, aproximadamente 80 desaparecimentos mensaisbetway esportpessoas com idade acimabetway esport65 anos – e que o principal motivo era a desorientação decorrentebetway esportdoenças como o Alzheimer.

Fábio Porto, professorbetway esportNeurologia da Universidade São Camilo e diretor científico da Associação Brasileirabetway esportAlzheimer (ABRAz) regional São Paulo, aponta que há muitas pesquisas sobre a Doençabetway esportAlzheimer, mas não conhece nenhuma que contabilize aqueles que se perdembetway esportcasabetway esportfunção da doença, com ou sem volta ao lar no final.

Porto explica que, se no estágio leve da doença há problemas na memória recente, a partir do estágio moderado a faltabetway esportorientação e a busca por uma moradia do passado são sintomas clássicos.

"Frequentemente acontece alguma desorientação no tempo e no espaço, porque a pessoa não reconhece mais marcos que a orientam. Junte-se a isso a perambulação, o andar a esmo sem razão específica, e está criada uma combinação muito propensa para a pessoa se perder", diz Porto.

Não raro essa perambulação vem acompanhadabetway esportagitação. "A gente sempre associa agitação com agressividade física ou verbal, mas um dos conceitosbetway esportagitação é um aumento da atividade motora espontânea", afirma.

Inquieta, a pessoa sai andando, perambulando, vagando.

idosa com xícara na mão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Levantamento aponta que ao menos 1,76 milhãobetway esportbrasileiros com maisbetway esport60 anos vivem com alguma formabetway esportdemência

De acordo com a Alzheimer’s Association, seisbetway esportcada dez pessoas com demência vai andar a esmo, confundir-se combetway esportlocalização ou se perderbetway esportfato pelo menos uma vez, se não repetidamente.

Apesarbetway esportcomum, o perambular pode botar a vida da pessoabetway esportperigo, sem falar na angústia que o desaparecimento provoca nos cuidadores.

No último ano, Zé Pedreiro já havia andado sem destino duas vezes por Cordeirópolis. Na primeira vez, com parte do dinheiro da aposentadoriabetway esportmãos, disse que iria comprar pão doce na padaria.

Silvana pediu que ele esperasse até que ela acabassebetway esportlavar a roupa para irem juntos. Quando se deu conta, ele já tinha saído.

O marido voltou para casa numa picape cujo motorista percebeu a desorientação. Na época, Zé soube dizer o próprio endereço, ainda que já bem distantebetway esportcasa.

Na segunda vez, umabetway esportsuas filhas (Zé tem três filhas e dois filhos do primeiro casamento) soube pela cunhada que ele estava vagando com a cachorra Luana na entrada do bairro Jardim Progresso, longebetway esportcasa.

"Na verdade, a Luana é quem carregava o Zé, porque ela estava amarrada ao cós da calça dele", lembra Silvana.

O pedreiro se recusou a entrar no carro da moça com a Luana. Silvana tevebetway esportbuscar os dois.

Da terceira vez, a do atual desaparecimento, um homem teria dado carona para Zé, a pedido dele, até o velóriobetway esportSanta Gertrudes, cidade encostadabetway esportCordeirópolis. Dali, a família não teve mais pista concretabetway esportseu paradeiro.

Uma cachorra também foi personagem central do desaparecimentobetway esportoutro idoso com Alzheimer, este moradorbetway esportSão Francisco do Pará, a cercabetway esport85 kmbetway esportBelém. Jonivaldo do Nascimento Pereira,betway esport81 anos, se perdeu no dia 3betway esportfevereiro na Granja Marathon, vila na zona rural.

A família procurou a polícia, fez boletimbetway esportocorrência e vasculhou a área por madrugadas frias até que, seis dias depois, o latidobetway esportuma cachorra caramelo alertou sobre a presença dele no meiobetway esportum matagal, antigo seringal do município.

Pereira, agricultor aposentado, retornou à casa onde mora com a esposa, casa agora munidabetway esportportões e câmeras.

Nas redes sociais, o filho Ediel Brito Stern agradecia aos vizinhos por deixarem seu conforto para estar ao lado da família e requisitava a Deus que guardasse a cachorrinha, “usada pelo espírito santo como uma luz”. Era o que a família pedia: uma luz para guiá-los nas buscas.

Sem baterbetway esportfrente

O númerobetway esportpessoas atingidas por demências no Brasil, está aumentando.

Segundo levantamento coordenado pela psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, da Unifesp, que será apresentadobetway esportsetembro ao Ministério da Saúde, ao menos 1,76 milhãobetway esportbrasileiros com maisbetway esport60 anos vivem com alguma formabetway esportdemência.

A previsão é que chegue a 2,78 milhões no final desta década e a 5,5 milhõesbetway esport2050.

Maisbetway esport70% delas não dispõembetway esportdiagnóstico, o que bloqueia um tratamento adequado para controlar alteraçõesbetway esportmemória, problemas cognitivos e mudançasbetway esportcomportamento que surgem à medida que a doença avança.

Descrita pela primeira vezbetway esport1906 pelo psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer, a Doençabetway esportAlzheimer é a mais conhecida das demências. Representa até 70% dos casosbetway esportpaíses desenvolvidos e algo entre 50% e 60% no Brasil.

É a partir desses números que a ABRAz anuncia a sexta edição da Jornada Paulistabetway esportAlzheimer, que será realizada no dia 2betway esportsetembro abrindo o Setembro Lilás, mêsbetway esportconscientização para a doença.

A Jornada terá uma sala dedicada a profissionaisbetway esportsaúde, familiares e cuidadores, com foco na organizaçãobetway esportambientes para pessoas com demência pensandobetway esportconforto, harmonia e o máximo possívelbetway esportautonomia.

Aline Gratão diz que ajuda muito os cuidadoresbetway esportalguém com Alzheimer o conhecimento sobre os estágios da doença e sobre estratégias possíveis para melhorar o convívio e garantir a segurança da pessoa.

"Muitas vezes o desconhecimento faz com o que o cuidador batabetway esportfrente, discuta, diga que a pessoa com Alzheimer insiste numa coisabetway esportpirraça, que quer maltratar a família, mas isso só vai gerar mais agitação para ambas as partes", diz.

Uma das orientações é mudar o foco, dizer que seria melhor tomar um banho ou comer algo antes, dar uma voltabetway esportcarro e avisar depois que chegarambetway esportcasa.

Quanto à agitação, sugere-se identificar o período do diabetway esportque isso costuma acontecer com mais frequência e planejar atividades e exercícios que possam reduzir a ansiedade.

Evitar lugares movimentados e com muitos estímulos, como shoppings e grandes supermercados, também faz parte da prevenção.

Sobre a segurança, a pessoa com Alzheimer deve ter sempre alguém vigilante por perto.

A Alzheimer’s Association indica ainda luzes noturnas pela casa, campainha sonora nas portas que anuncie a passagem por elas, rótulos nas entradasbetway esportcada cômodo que expliquembetway esportfinalidade e travas altas ou baixas nas portas, num nível fora da linhabetway esportvisão da pessoa.

Outra dica primordial: esconder chaves, carteiras e agasalhos que possam desencadear a vontadebetway esportsair.

Vizinhança a parbetway esporttudo

Maria Auxiliadora com os pais, o marido e o filho

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Maria Auxiliadora com os pais, o marido e o filho. Ela cuidou dos pais com Alzheimer e, hoje, revive os cuidados com seu marido

Avisar vizinhos e amigos sobre a situação é mais uma medida valiosa.

Quando tinha 79 anos, um ano depoisbetway esportser diagnosticado com a Alzheimer, Osvaldo Pimentabetway esportOliveira saiubetway esportcasa e desapareceu por algumas horas.

Foi encontrado por um amigobetway esportseu filho perambulando pelo bairro onde a família sempre morou, na cidade paulistabetway esportFranca, a cercabetway esport344 km da capital.

"Foi algo que nos assustou, eu e meus irmãos não tínhamos o conhecimentobetway esportque isso podia acontecer", diz Maria Auxiliadorabetway esportOliveira Pereira, filhabetway esportOsvaldo.

A partir dali, tiraram seu acesso à chavebetway esportcasa e se organizaram para que o pai e a mãe, Maria Divinabetway esportOliveira, também diagnosticada com Alzheimer, fossem morar com Maria Auxiliadora algum tempo depois.

"Não foi fácil, porque meu pai insistia, normalmente ao entardecer,betway esportvoltar para casa", lembra ela.

Em 2019, ano da morte dos pais, o maridobetway esportMaria Auxiliadora, Silvino Gonçalves Pereira, então com 68 anos, também passou a apresentar sinaisbetway esportfaltabetway esportmemória, como esquecer completamente onde havia estacionado o carro. Exames confirmaram as primeiras evidências do Alzheimer.

"Hoje, ele depende completamentebetway esportmim para tomar banho, para se vestir, para colocar os alimentos no prato, porque ele confunde os alimentos", afirma Maria Auxiliadora.

Mesmo sob total vigilância, Silvino teve um dia acesso à chave da porta principalbetway esportcasa e foi encontrado pelabetway esportmulher a vários quarteirõesbetway esportdistância, paradobetway esportuma das esquinas da avenidabetway esportque fica o supermercado onde Maria tinha acabadobetway esportfazer compras.

Lista do passado

Diante da possibilidadebetway esportalgum parente com Alzheimer se perder, a recomendação é que se tenha à mão uma listabetway esportlugares e pessoas do passado dessa pessoa potencialmente revisitáveis, como a casa da mãe, a igreja frequentada, o restaurante preferido, a manicure ou o barbeiro da vida toda.

Além disso, é bom pedir a vizinhos e amigos que entrembetway esportcontato com a família caso vejam a pessoa vagando na rua, assim como manter uma foto atual ebetway esportclose à mão, para entregar a polícia, se for o caso.

O GPS é outro recurso. Luciane Midory Sakuma e o irmão, Rhenan, contrataram uma empresa para monitorar a mãe, Iracema Sizuko Gushi Sakuma,betway esport72 anos, diagnosticada há 7 anos com a doença. O intuito era deixar Iracema independente, mas sob vigilância.

Na bolsinha inseparávelbetway esportdinheiro dela, colocaram uma carteirabetway esportidentificação com seu nome, endereço, o problemabetway esportsaúde e o contatobetway esportLuciane, também gravado no objeto.

"Cheguei a comprar uma correntinha com esses dados, mas ela a tirava na hora do banho e deixava pendurada no box", diz Luciane.

O melhor recurso, porém, foi a redebetway esportapoio da redondeza. "Meu tio avisou os vizinhos, os funcionários do supermercado, o pessoal da padaria, lugares por onde ela passava, para que, se a vissem vagando na rua, era para acompanhá-la atébetway esportcasa, mas isso felizmente nunca aconteceu."

O que aconteceu foi Iracema ter dado dinheiro a mais nas compras, mas, segundo a filha, as pessoas sempre devolviam o valor. "Ela sempre foi muito querida e carismática."

Iracema e a filha, Luciane

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Luciane busca dar independência à mãe, mas sempre sob vigilância cerrada

Alerta prateado

Nos Estados Unidos, existe um sistemabetway esportnotificação público chamado Silver Alert (alerta prateado,betway esportinglês), que transmite informações sobre idosos desaparecidos que tenham Alzheimer ou outra demência a fimbetway esportajudar na localização deles.

Modelado a partir do Amber Alert (alerta âmbar,betway esportinglês), para o raptobetway esportcriança, o Silver Alert usa uma gamabetway esportmeiosbetway esportcomunicação, como estaçõesbetway esportrádio ebetway esportTV, afora mensagens nas estradas voltadas a motoristas, para alertar sobre a situação.

Cuidadoresbetway esportidosos desaparecidos no Brasil se sentem,betway esportgeral, sem recursos quanto a isso.

Depoisbetway esportfazer o boletimbetway esportocorrência, Silvana e filhasbetway esportJosé Pereira do Nascimento fizeram cartazes que nem puderam afixarbetway esportrodoviárias e pontosbetway esportônibusbetway esportCordeirópolis e cidades próximas, porque não há autorização pública para isso.

Silvana cogitou contratar um funcionário que anuncia promoções no supermercado para intercalar o preço dos produtos com o desaparecimento do marido. Trotes não faltaram, o que desgasta ainda mais a família.

"No país, ainda não temos políticas públicas voltadas às demências", avalia Aline Gratão.

"Se forem bem estabelecidas e aprovadas, a gente consegue traçar caminhos e unir forças, inclusivebetway esporttorno da segurança, mas os trabalhos que fazemos são ainda muito iniciais quando comparados aos países desenvolvidos."

Silvana manteve o ambiente do jeitinho que José gostava. Tem consigo que "Deus vai abrir a mente dele", que ele vai lembrar que morabetway esportCordeirópolis e quebetway esportmulher se chama Silvana ou Fia.

Tanto que nunca mais passou cadeado no portão. "Ele vai voltar e entrar."