Quem foi Luiz Gama, figura-chave no movimento abolicionista brasileiro:dica aposta futebol

Nascidodica aposta futebolSalvador, Gama era filhodica aposta futeboluma escrava liberta com um descendentedica aposta futebolportugueses. Quando ele tinha 10 anos, seu próprio pai o vendeu como escravo. Então ele foi mandado para São Paulo. Conseguiu a alforria aos 17 anos, ainda analfabeto. Sem nunca ter tido aulas formais mas, provavelmente, frequentando a biblioteca da Faculdadedica aposta futebolDireito do Largo São Francisco, tornou-se um estudioso das letras.

"Para a grandiosidadedica aposta futebolLuiz Gama, o negro, o libertadordica aposta futebolescravos, o uso da palavra é uma coisa que nem era inesperada. Ele se colocou nesse lugar da produção, na literatura e no jornalismo, depois na advocacia. São áreas que, sem o domínio da palavra escrita, ele não podia nem ser nem se definir", afirma a pesquisadora.

Depoisdica aposta futebolorganizar a edição crítica da obra poética integral do autor — publicada pela editora Martins Fontes, no ano 2000 — edica aposta futebolpublicar a antologia Com a Palavra, Luiz Gama: Poemas, Artigos, Cartas, Máximas — pela Imprensa Oficial,dica aposta futebol2011 —, Ferreira está lançando Liçõesdica aposta futebolResistência: Artigosdica aposta futebolLuiz Gama na Imprensadica aposta futebolSão Paulo e do Riodica aposta futebolJaneiro, 1864-1880, pela Edições do Sesc. A obra, que traz 61 artigos escritos pelo abolicionista, é frutodica aposta futebolum trabalhodica aposta futebolpesquisa e seleçãodica aposta futeboltrês anos.

Para ela, reconhecer o Gama escritor é fundamental para quedica aposta futebolbiografia não seja reduzida a "um relato chapado, a umas poucas linhas na história do abolicionismo". "Ele é donodica aposta futeboluma escrita bastante complexa, poderosa, literária. Naquele momento, a imagem precisava ser construída com a palavra e ele era o homem da imagem. Escrevia assumindo o foco narrativo, como se tivesse uma câmera", afirma.

Um dos trechos que ele usa para destacar o estilo está no texto "Emancipação", publicado pela Gazeta do Povodica aposta futebol1ºdica aposta futeboldezembrodica aposta futebol1880. "Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoáveldica aposta futebolorigem, o estigmadica aposta futebolum crime; e vão ao pontodica aposta futebolesquecer que esta cor é a origem da riquezadica aposta futebolmilharesdica aposta futebolsalteadores, que nos insultam ; que esta cor convencional da escravidão, (...) à semelhança da terra, (a)través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade. Vim (lembrar ao) ofensor do cidadão José do Patrocínio por que nós, os abolicionistas, animadosdica aposta futeboluma só crença, dirigidos por uma só ideia, formamos uma só família, visando um sacrifício único, cumprimos um só dever."

dica aposta futebol BBC News Brasil - Por que até pouco tempo atrás Luiz Gama mal era citado como um dos abolicionistas?

dica aposta futebol Ligia Fonseca Ferreira - Você sabia que (o abolicionista) José do Patrocínio (1853-1905) era negro? Talvez nos livros didáticos, quando se ensinava abolição, isso nem se falava…

dica aposta futebol BBC News Brasil - Sinceramente, não sei precisar se já tinha essa consciência ou se foi uma memória construída depois, já adulto… Mas por que Luiz Gama foi deixadodica aposta futebollado?

dica aposta futebol Ferreira - Ele era lembrado como o abolicionista Luiz Gama, tinha lá uma estátuadica aposta futebolbronze. Mas realmentedica aposta futebolpersonalidade está sendo trazida agora, por isso meu propósitodica aposta futebolidentificar a grandezadica aposta futebolsua obra. Não temos a obra jornalísticadica aposta futebolJoaquim Nabuco,dica aposta futebolJosédica aposta futebolAlencar, do próprio Machadodica aposta futebolAssis? Luiz Gama não foi coisa pouca. Havia uma leidica aposta futebol1837 que proibia negrosdica aposta futebolirem à escola. Então o fatodica aposta futebolele escrever e optar por isso, ele deve ter sido um superdotado. Depois, ao escrever nos jornais onde estavam os homens brancos letrados, ele passou a ocupar uma instânciadica aposta futebolpoder.

Estadica aposta futebolpergunta eu também me fiz: por que Luiz Gama não está mais presente na história do abolicionismo? Porque a história da abolição, como nos chegou e foi perpetuada, bem, eu tenho algumas hipóteses. Ela foi contada pela República, que Luiz Gama não viu (ele morreu sete anos antes da Proclamação). E era uma República madrasta, que queria apagar logo essa coisa da escravidão. Mas issodica aposta futebolum períododica aposta futebolcrenças,dica aposta futebolpreconceito,dica aposta futebolacreditar que a "raça negra" era inferior, issodica aposta futebolmodo sistematizado e com ares científicos.

O próprio Luiz Gama brinca com issodica aposta futebolum versinho, no qual ele dizia "ciências e letras não são para ti; pretinho da costa não é gente aqui". Luiz Gama era o contráriodica aposta futeboltudo aquilo, ele era o negro que escrevia, o negro que lia. Ele era praticamente uma contradição. Numa repúblicadica aposta futebolímpeto embranquecedor, a história foi contada tendo as grandes famílias, as famílias poderosas (nos papéis principais).

dica aposta futebol BBC News Brasil - Mas como se deu o resgatedica aposta futebolLuiz Gama, essa figura um tanto esquecida, sobre quem pouco se falava até duas décadas atrás?

dica aposta futebol Ferreira - Esse resgate tem a ver com alguns trabalhos no campo da história e, sou obrigada a falar, também por causa das minhas pesquisas. Luiz Gama foi ganhando as dimensões à medida que vamos conhecendodica aposta futebolobra. Ele foi um intérprete do Brasil.

dica aposta futebol BBC News Brasil - No sentido do pensamentodica aposta futebolLuiz Gama, o que os artigos do seu novo livro revelamdica aposta futebolnovo, além do que tem sido destacado nos últimos anos?

dica aposta futebol Ferreira - Ele já foi reconhecido como advogado, como abolicionista… Eu, por uma deformação profissional, quero mostrar o Luiz Gama homem da palavra escrita. Quero mostrar a figura do jornalista que teve grande audiência, grande influência, que escrevia nos principais jornais, criava polêmicas incríveis, denunciava, usava da força da liberdadedica aposta futebolimprensa para se expressar como voz negra daquele momento.

Quem você colocaria no mesmo pé na história da imprensa? Quem conhecemos? Não são as crônicas do dia a diadica aposta futebolMachadodica aposta futebolAssis. É diferente. Hoje você percebe que é preciso "provar" que o Machado era negro e se interessou pela abolição. Eu diria para você que Luiz Gama não renegoudica aposta futebolnenhum momentodica aposta futebolcarapinha, não há dúvidasdica aposta futebolque era um homem negro, não precisamos fazer campanha para enegrecer Luiz Gama como foi feito para o Machado.

Ele estava lá, dizendo: "quero que o mundo me encarando veja um retumbante Orfeudica aposta futebolcarapinha". Aí você vai ler os artigos e ele diz que todo mundo sabedica aposta futebolseu passado, que "eu ombreio com os infelizes", porque ele já tinha sido escravizado. E ele vai dizendo issodica aposta futebolvárias formas.

Luiz Gama tinha uma escrita que merece ser destacada. E ele não era um ativista que ia simplesmente denunciando. Era um formadordica aposta futebolopinião com inteligência. Ele argumentava, coisa que no Brasildica aposta futebolhoje está muito difícil, né? Em seus textos, existe um diálogo crítico instaurado.

dica aposta futebol BBC News Brasil - De certa forma, percebe-se um raciocíniodica aposta futeboljurista, não?

dica aposta futebol Ferreira - Mas ele levava a público, dizia que "o Brasil temdica aposta futebolsaber". Por isso ele trazia para a imprensa. Fazia todo um arrazoado, comentava, desconstruía. Dizia que tinhadica aposta futebolmostrar "o modo extravagante como se administra a justiça no Brasil".

Acho que essa frase do Luiz Gama poderia valer para hoje, para os últimos tempos, para os diasdica aposta futebolhoje. Mas ele era um homem da comunicação. Mais do que, digamos, só abolicionista. Luiz Gama foi um homem que preencheu uma cena, um momento, um lugardica aposta futebolideiasdica aposta futebolSão Paulo. E fez issodica aposta futebolmaneira bastante intensa.

dica aposta futebol BBC News Brasil - Em artigo publicado no Correio Paulistanodica aposta futebolnovembrodica aposta futebol1871, ele escreveu: "Se algum dia (...) os respeitáveis juízes do Brasil, esquecidos do respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres, que contraíram perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem impetrar o auxíliodica aposta futebolpessoa alguma, e sob minha única responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é um crime, mas a 'resistência', que é uma virtude cívica (…)." Juntando-se a isso o fatodica aposta futebolque ele conseguia alforriar escravos por meio da esfera judicial, podemos inferir que Luiz Gama defendia uma abolição que seria feita com respeito às leis? Ele era um legalista?

dica aposta futebol Ferreira - Legalistadica aposta futeboldefesa dos escravos. Uma coisa que ele fez foi desenterrar a bendita leidica aposta futebol1831 (Lei Feijó, que proibia a importaçãodica aposta futebolescravos para o Brasil), colocando na cabeça dos outros. Ele era um defensor dos direitos. Dizia "nós temos leis". Pedia que as leis existentes fossem aplicadas.

Então ele puxava as leis e pegava no pé dos juízes, lembrando que ele mesmo era filhodica aposta futeboluma africana, que ele mesmo tinha sido escravizado. Ele sabia o que era ser africano. O que era ser escravo. Ele mexeu no vespeiro. Calculou quedica aposta futebol1831 até o fim da décadadica aposta futebol1870, entraram no Brasil contrabandeados quase 750 mil africanos.

dica aposta futebol BBC News Brasil - Mas ele acreditava que a abolição viria somente do cumprimento dessas leis?

dica aposta futebol Ferreira - Não. Para ele, a escravidão teriadica aposta futebolse encerrar. Ele era pela abolição, era abolicionista radical.

dica aposta futebol BBC News Brasil -Gama também era republicano,dica aposta futebolum texto chega a chamar o governodica aposta futeboldom Pedro 2ºdica aposta futebol"imoral". Como imaginava que seria feita a República? O que ele pensavadica aposta futebolum Brasil republicano?

dica aposta futebol Ferreira - Ele não falavadica aposta futebolprogramas oudica aposta futebolum programa republicano. Mas Luiz Gama não se chamavadica aposta futebolsúdito, e simdica aposta futebolcidadão. Naquele momento, isso era como dizer "eu sou democrata". Ele afirmava uma identidade política: sou cidadão, não sou súditodica aposta futebolninguém. E aquelas frases célebres: tenho um sonho sublime, um Brasil sem reis e sem escravos. Para o grupo dele, ter um monarca era outro tipodica aposta futebolescravidão.

Ele acreditava numa república com aquela tríadedica aposta futebolgarantiasdica aposta futeboligualdade, liberdade e fraternidade. Não podemos esquecer que era uma corrente progressista e alinhada aos ideais da Revolução Francesa. O programa para a república estava embutido no fatodica aposta futeboleles serem abolicionistas e quererem um paísdica aposta futeboliguais. Ele também falavadica aposta futebolum Brasil americano, no modelo dos Estados Unidos. Queria um modelodica aposta futebolrepública federativa.

dica aposta futebol BBC News Brasil - De que maneira seus textos ajudam a compreender o Brasildica aposta futebolhoje?

dica aposta futebol Ferreira - Ele escreveu que "no Brasil, ladrão que muito furta é protegido". Pega esse Luiz Gama: ele está falando do Brasildica aposta futebolhoje, da rachadinha, parece que está falando dessas figuras presentes aqui. Tem um poema dele, chamado Quem Sou Eu? que é uma espéciedica aposta futebolretrato, uma fotografia sociorracial do Brasil.

Ele antecipa aquilo que anos mais tarde seria o movimento da negritude. Ele mostra que os negros e os afrodescendentes estão na sociedade brasileira inteira. Fala das camadas sociais, enfatiza que todos têmdica aposta futebolafro-ascendência. Essa que Machado tentou calar, mas Luiz Gama, não.

Ele sempre foi muito específico nessa questão. Nos textos jornalísticos ele deixava bem claro como era alvodica aposta futebolpreconceitos edica aposta futebolracismos. Quando dizia "em nós até a cor é um defeito, um vício imperdoáveldica aposta futebolorigem", estava dizendo como nós negros somos vítimas do racismo. Ele denunciava que esse "defeito" inclusive impedia a entradadica aposta futebolnegros no exercíciodica aposta futebolalgumas funções. Mas uma coisa interessante é que Luiz Gama deixava claro que o abolicionismo e o projeto republicano não era um projeto sódica aposta futebolnegros, exclusivo.

E a gente comete alguns equívocos quando falamos da luta antirracista: não é um problema só nosso, mas uma coisa que precisa ser abraçada por negros e brancos, um conjuntodica aposta futebolvalores e princípios que devem ser comungados por todas as pessoas e não apenas por negros.

O Brasil precisa redescobrir isso. Luiz Gama interessa ao Brasil. O Brasil precisa saber que nós tivemos esse patrimônio. Quando eu olho para essa história, Luiz Gama é o pico mais elevado do século 19. Ele é meu Everest, não dá para comparar, não dá para dizer que tudo é igual.

Essa reportagem foi originalmente publicadadica aposta futebol19dica aposta futebolnovembrodica aposta futebol2020.