Princesa Isabel: por que brasileira, que morreu há 100 anos, virou candidata a santa católica:the bet 1
Oficialmente, a Arquidiocese do Rio evita se posicionar. Por meiothe bet 1sua assessoriathe bet 1imprensa, a instituição afirma que há um "iníciothe bet 1conversas sobre a possibilidade"the bet 1um processo que resultethe bet 1beatificação e, posteriormente,the bet 1canonização. Sem previsão, entretanto,the bet 1agilidade no andamento.
Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que paira um certo desconforto pela temática. Uma parcela significativa do movimento negro contemporâneo questiona o papel atribuído à princesa na abolição, alegando que essa narrativa tira o protagonismo das lutas dos próprios negros escravizados e ex-escravizados.
Além disso, há uma preocupação com o crescimentothe bet 1discursos monarquistas na atualidade,the bet 1meio à polarização ideológica política que divide o Brasil. Não à toa, a própria eleiçãothe bet 1Jair Bolsonaro estimulou que o pedido feitothe bet 12012 desse os primeiros passos.
Oficialmente, contudo, essa demora ocorreu não pelo fator político, mas pela fila natural do escritório da Causa dos Santos ligado à Arquidiocese do Rio. "São poucas pessoas trabalhando e há outros processosthe bet 1andamento", explica padre João Claudio Loureiro do Nascimento, membro do escritório, onde atua como perito. "Em 2019, começou o trabalhothe bet 1pesquisa, infelizmente interrompido por conta da pandemia."
Com a disseminação da covid-19, ele conta que o fechamentothe bet 1arquivos, bibliotecas e outras instituições do tipo se tornou um obstáculo para a produção desse dossiê.
O padre informa que só agora, com a flexibilização das regras sanitárias, está havendo uma retomada do processo.
Esse material é o primeiro passothe bet 1um processothe bet 1reconhecimentothe bet 1santidade.
Normalmente, é aberto pela diocese onde o candidato aos altares morreu — como a princesa passou os últimos anos da vida exilada na França, onde morreu há cem anos,the bet 114the bet 1novembrothe bet 11921, a arquidiocese do Rio solicitou uma transferênciathe bet 1foro.
80 mil documentos
O dossiê biográfico deve apontar para as virtudes do candidato a santo.
Os pesquisadores precisam compilar escritosthe bet 1autoria do mesmo e também tudo o que se documentou a respeito dele.
Nos casosthe bet 1que há pessoas vivas que conviveram com o postulante, elas também podem ser entrevistadas.
Uma vez terminada essa fase, cabe ao bispo responsável aprovar ou não a continuidade. Só então o processo é remetido ao Vaticano, a quem cabe, depoisthe bet 1novas análises, inclusivethe bet 1possíveis milagres, declará-la beata e, mais tarde, santa.
No casothe bet 1Isabel, a política mundana conta tanto quanto a fé. Há quem acredite que uma eventual reeleiçãothe bet 1Bolsonaro significará um firme andamento da causa,the bet 1razãothe bet 1pressõesthe bet 1partethe bet 1sua base conservadora. Se houver uma guinada à esquerda, as pesquisas biográficas já realizadas poderiam ser arquivadas. Mas no momento são especulações.
O que se sabe, contudo, é que muito trabalho já foi feito. Isso significa que maisthe bet 180 mil documentos sobre a vida da princesa foram analisados por uma comissão e esse conteúdo está sendo transformadothe bet 1um imenso dossiê. Que, então, precisará ser submetido ao cardeal arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta.
"É um trabalho complexo, que requer estudosthe bet 1longo prazo. Trata-sethe bet 1um vulto histórico brasileiro e precisamos também contemplar a vida privada dela", argumenta padre Nascimento.
Indíciosthe bet 1veneração
Coautor do livro Alegrias e Tristezas: Estudos Sobre a Autobiografiathe bet 1D. Isabel do Brasil (Linotipo Digital Editora) e fundador do Instituto Cultural D. Isabel A Redentora, o historiador e advogado Bruno da Silva Antunesthe bet 1Cerqueira ressalta que a princesa, aindathe bet 1vida, chegou a ser chamadathe bet 1"Santa Isabel Brasileira",the bet 1um discurso político ocorrido na Igrejathe bet 1Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, no centro do Rio,the bet 1celebração à abolição.
A igreja era um reduto do movimento negro abolicionista da época.
"Ainda viva, ela era considerada por muitos católicos, inclusive clérigos e freiras, uma santa. Os que conviviam com ela diziam que era uma pessoa muito boa. Era uma fama que ela tinha", comenta Cerqueira. "E dona Isabel não investia nisso como marketing pessoal."
"Na real, ela tinha uma personalidade autoritária. E a mesma coisa se dá com o catolicismo dela: era ultracatólica e, mesmo que por criação liberal defendesse que as religiões poderiam conviver, claramente era muito engajada na crençathe bet 1que a Igreja Católica era o canalthe bet 1salvaçãothe bet 1todos os homens", explica o historiador.
Biógrafo com diversos livros publicados sobre personagens da família imperial brasileira, o pesquisador Paulo Rezzutti atesta que há registros históricosthe bet 1que a "veneração à imagemthe bet 1Isabel começou ainda enquanto ela era viva e perdurou por muitos anos entre os negros".
"Hojethe bet 1dia, esse culto ainda persiste, masthe bet 1outros círculos da sociedade, como entre os membros católicos do movimento monarquista brasileiro", ressalta ele.
"A mobilizaçãothe bet 1reconhecê-la como santa já existia desde que ela era viva. Sua vida era profundamente fundamentada pela fé", acrescenta padre Nascimento. "Logo após a morte, esse reconhecimento foi crescendo."
Virtudes
Rezzutti explica que são três os pontos utilizados para justificar o processothe bet 1beatificaçãothe bet 1Isabel. O primeiro é a chamada "provathe bet 1virtudethe bet 1grau heroico".
"No caso dela, seriathe bet 1defesathe bet 1apressar e fazer passar a Lei Áurea, ainda polêmicathe bet 11888 devido à faltathe bet 1indenização que parte dos escravocratas exigia pela desapropriação, por parte do Estado brasileiro, do que consideravam como sendothe bet 1propriedade", afirma.
Isso se deu porque Isabel trocou o então presidente do Conselhothe bet 1Ministros por um nome favorável à leithe bet 1libertação imediata e sem indenização.
"Enfrentou, assim, parte da elite econômica brasileira", diz Rezzutti.
"Numa conversa posterior com o ministro anterior, ele a parabenizou e disse que ela tinha vencido a questão mas perdido o trono. E ela respondeu que 'se mil tronos ela tivesse, mil tronos daria para a libertação dos negros'. Efetivamente o império durou pouco maisthe bet 1um ano e ela nunca assumiria o trono."
Além disso, o biógrafo lembra que ela "foi cultuada durante muitos anos por parte do movimento negro ligado à religião católica".
"Ela era vista como uma santa por tê-los libertado do cativeiro. Isso persistiu, por décadas, após a morte da princesathe bet 11921", afirma.
A esses pontos se soma um terceiro, que também deve constar desse dossiê: são relatosthe bet 1possíveis milagres,the bet 1pessoas que dizem ter sido curadasthe bet 1maneira inexplicável à luz da medicina depois que recorreram à princesa Isabel.
Tudo, claro, precisará ser futuramente analisado por peritos do Vaticano.
Também há o peso político da família imperial brasileira junto à cúpula do catolicismo naquela época.
"É importante lembrarthe bet 1estreita ligação com a Igreja Católica, com a causa mariana e com a doutrina social da Igreja, tanto antes da Proclamação da República quanto apósthe bet 1expulsão, com a família, do Brasil", conta Rezzutti.
"Ela, enquanto princesa regente, substituindo o paithe bet 11877 no trono, escreveu oficialmente o papa Pio 9°, únicothe bet 1voz aos bispos brasileiros pela canonização do padre Joséthe bet 1Anchieta."
Já no exílio, Isabel mobilizou o episcopado brasileiro para que,the bet 11900, fosse produzido no país e remetido ao papa um abaixo-assinado solicitando a definição do dogma da Assunção da Santíssima Virgem.
"Com isso, ela queria demonstrar que o Brasil era devoto à causa mariana", enfatiza o pesquisador.
No pedido submetido à diocese do Rio pelo jornalista Nery, ele cita alguns casos objetivos. Um deles seria o fatothe bet 1que a princesa havia feito a promessathe bet 1limpar pessoalmente a capelathe bet 1Nossa Senhora Aparecida, então no municípiothe bet 1Guaratinguetá — hoje Aparecida.
Em novembrothe bet 11884, Isabel foi até lá cumprir a promessa. Subiu as escadarias e varreu toda a igrejinha. Ela teria mantido o hábito, também ajudando a limpar igrejasthe bet 1Petrópolis.
Antes,the bet 11864, a princesa havia demonstradothe bet 1predisposição abolicionista, intercedendo pela libertaçãothe bet 1dez escravizados palacianos — oito deles, criados pessoais dela, dentre os quais uma lavadeira e uma engomadeira.
Por fim, a boa relação com a Santa Sé. Em reconhecimento pelos benefícios humanitários da Lei Áurea, ela foi condecorada pelo papa Leão 13 com a Rosathe bet 1Ouro, uma alta homenagem que a Igreja reserva a leigos ilustres desde 1096.
República e isabelismo
Para o historiador Bruno da Silva Antunesthe bet 1Cerqueira, a veneração a Isabel também é "uma paga" pela abolição e pelo exílio.
"O golpe da [Proclamação da] República é militarista, mas vai ser favorável aos fazendeiros. Eles vão massacrar o abolicionismo e o isabelismo", diz. "Então essa ideia ganhou espaço nas famílias da nobreza e nos negros [diretamente beneficiados]. O isabelismo se tornou uma coisathe bet 1elite ethe bet 1gente muito humilde."
"Houve um esforço do Estado [com a República]the bet 1apagar a memóriathe bet 1dona Isabel e da família imperial. Mesmo assim, grupos fechados mantiveram a chama. E estamos descobrindo as informaçõesthe bet 1meio a tudo isso", pontua padre Nascimento.
Segundo Cerqueira, o que se viu portanto foi um aumento do culto à princesa como "uma senhora virtuosíssima".
Como se a distância, provocada pelo exílio, fosse um fator que ajudasse a favorecer o mito.
"Como ela foi proibidathe bet 1voltar ao Brasil, os isabelistas não se conformaram com isso. Passaram a incentivar que os católicos vissem nela uma santa, uma pessoa que se preocupouthe bet 1só fazer o bem. E que teria sido exilada por isso", diz o historiador.
"Essa narrativa se fortaleceu muito", pontua. Ele cita casosthe bet 1fiéis católicos manifestando essa devoção, como no casothe bet 1uma devota que afirmava definir a imagemthe bet 1Nossa Senhora Aparecida como "a princesa Isabel lá do céu".
Padre Nascimento, o perito do escritório da Causa dos Santos do Rio, lembra que o processothe bet 1Isabel só faz sentido porque há esses indíciosthe bet 1devoção popular.
"A Igreja não fabrica santos. O que fabrica santos é a própria santidade do indivíduo", ressalta. "E quem reconhece a santidadethe bet 1uma pessoa é o povo. É o povo que cria essa devoção e a famathe bet 1santidade vai se espalhando."
Ele ressalta que todo o processo vem sendo feito cumprindo minuciosamente os ritos. "Estão sendo fundamentadas as virtudes teologais dela, ou seja, a fé, a esperança e a caridade", explica. "Vamos ver na vidathe bet 1dona Isabel argumentos que possam fundamentar [essas virtudes]. A própria vida dela é que vai ser o argumento."
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