Como surgiram os batistas, cristãos que não batizam crianças:
Mas no século 16,meio à chamada Reforma Protestante, durante a qual emergiram questionamentos quanto ao monopólio da fé que a Igreja Católica representava para o Ocidente e uma certa abertura às diversidadespensamentos, floresceu uma denominação religiosa que, ao contrário da grande maioria, não tinha um poder central — a Igreja Batista.
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Essa igreja foi uma das que cresceram fazendo o oposto do que era convencional: negando-se a batizar as crianças. Para os batistas, só pode receber o batismo aquele que já tem a consciência formada.
Em termos técnicos, eles são contrários ao pedobatismo e defendem o credobatismo.
Muitos atribuem a fundação da Igreja Batista aos ingleses John Smyth (1570-1612) e Thomas Helwys (1550-1616), duas figuras ilustres da história.
"Essa coisanão batizar crianças é o traço marcante dos batistas", afirma à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson LeiteMoraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
"Na Igreja Batista, os filhos dos crentes são apresentados quando vão à igreja pela primeira vez, mas só se tornam membros da igreja no diaque passam pelas águas. Isso é um traço típico", acrescenta.
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Mas a imagemadultos sendo batizados não soa estranha ao brasileiro contemporâneo — o chamado credobatismo é prática na maioria das igrejas neopentecostaisum país cujo avanço dos evangélicos é constante.
"Ela [a Igreja Batista] foi decisiva para criar um modelo que os pentecostais seguem, pois eles também valorizam o batismo nas águas. Mergulhar as pessoas é típico da tradição batista", complementa Moraes.
"Esse é um ponto muito comum nas igrejas evangélicas brasileiras hoje, mas era um diferencial enorme [nos séculos 16 e 17]", comenta o historiador e teólogo Vinicius Couto, doutorciências da religião pela Universidade MetodistaSão Paulo e professor do Seminário Teológico Nazareno do Brasil e do Seminário Batista Livre.
Não é por acaso. A Igreja Batista, ou uma dissidência dela, está por trás do pontapé inicial para esse crescimento pentecostal no Brasil, a partir dos anos 1960.
"Hoje, o movimento batista é muito fragmentado no Brasil, com diversas denominações", explica Couto. "Mas talvez a mais significativa seja uma cisão ocorrida1964, influenciada pelas questões carismáticas."
Ele se refere a uma história ocorridaBelo Horizonte, Minas Gerais. Ali já existia, desde 1957, uma igreja batista chamada Lagoinha, no bairro homônimo, que havia sido fundada por um pastor chamado José Rego Nascimento.
A igreja era membro da chamada Convenção Batista Brasileira. Mas o pastor decidiu fazer a chamada "renovação espiritual" da mesma, incorporando elementos fundamentalistas do que acabaria conhecido como pentecostalismo ou neopentecostalismo.
Era uma tendência cristã que já fazia muito sucessooutros países, como nos Estados Unidos. A adesão ao modelo, contudo, acarretou divergências com a Convenção Batista que terminaria expulsando a Lagoinha do grupo.
Para resolver o imbróglio, Nascimento resolveu criar uma nova denominação. Assim nasceu a Igreja Batista da Lagoinha, ou simplesmente IBL, atualmente com quase 100 mil adeptos, mais100 igrejas, sob o comando do midiático pastor André Valadão.
"Foi um movimento influenciado por questões carismáticas,influência pentecostal. Esse movimento forte [ocorridoBelo Horizonte] acabou gerando um carismatismooutras igrejas tradicionais, como a Presbiteriana e a Metodista", diz Couto.
De certa forma, a onda pentecostal contemporânea que se espalhou pelo Brasil nasceu ali,Lagoinha. Por isso os batismosadultos, com imersão, se tornaram comuns no país.
Esse processo foi facilitado por uma característica histórica dos batistas — que também seria incorporado por boa parte das igrejas pentecostais da atualidade: uma certa independênciacada unidade.
"Os batistas são congregacionais, o que significa que cada Igreja Batista é uma congregação própria, com vida própria", explica Moraes.
"Seus membros elegem seu pastor e eles não estão vinculados a um sistema episcopal, comandado por um bispo, como nas igrejas Católica ou Anglicana, ou conciliar,que igrejas locais são ligadas a um presbitério, a uma determinada região, como a Presbiteriana."
Os dois ingleses
Para entender a raiztodas essas ideias é preciso voltar aos dois ingleses que nasceram no século 16, o Smyth e o Helwys.
O primeiro era sacerdote da Igreja Anglicana. O segundo, advogado, foi quem o defendeu quando ele acabou rompendo com o anglicanismo,1606.
No ano seguinte ao desligamento da Igreja Anglicana, os dois amigos acabaram se mudando para Amsterdã. Ali estabeleceram um pequeno grupocrentes dedicados a estudar a Bíblia.
"Smyth estavaum momentodiscórdiaalguns pontos da Igreja Anglicana e teria se aproximado dos menonitas [um movimento evangélico que já defendia o credobatismo]", contextualiza Moraes.
"E examinando ali a Bíblia ele acaba chegando à essa conclusão,que as pessoas que deveriam fazer parte da igreja seriam aquelas que tomassem a decisãose batizar com consciência."
"Assim, batizar crianças seria um erro. A pessoa deveria se batizar quando ela tivesse consciência do ato e isso seria o sinalentrada na igreja", complementa.
E o batismo por imersão, vale ressaltar.
Essa ideia é fundamentada, do pontovista dos textos sagrados. Porque etimologicamente, a palavra batismo tem origem grega e significa "imergir", "banhar", "lavar" — e também “purificar”.
Em 1609, Smyth batizou todos do grupoAmsterdã, incluindo Helwys e si próprio. Por conta disso, como ressalta o verbete dedicado a ele pela Enciclopédia Britannica, ele passou a ser conhecido como "o autobatista".
Para a maior parte dos historiadores da religião, este episódio é considerado a fundação da primeira Igreja Batista,forma organizada.
Logo depois, contudo, Smyth manifestaria o desejose tornar um menonita e acabaria excomungado da igreja que havia criado. O bastão seguiu com Helwys, que1611 escreveu "Uma DeclaraçãoFé do Povo Inglês RemanescenteAmsterdã na Holanda", cujos 27 artigos são considerados a primeira confissão batistafé.
"É uma espéciedocumento basilar da igreja", diz Couto.
Helwys retornou à Inglaterra1611 e, no ano seguinte, fundou nos arredoresLondres a primeira Igreja Batista do país.
No ano seguinte publicou um folheto criticando a monarquia inglesa, o papa e os puritanos. Por conta disso, foi levado para a prisão, onde morreria1616.
Princípios
O desenvolvimento da nova denominação religiosa foi paulatino e gradual, conforme conta Moraes.
"Houve uma construção histórica. A adoção do batismo por imersão, por exemplo, que hoje é uma marcamuitas igrejas no Brasil, acabou ocorrendo apenas1642", diz o historiador. Dois anos depois disso, o método acabou sendo publicadodocumento da igreja.
"É a práticase levar a pessoa para o batismopiscina ou água corrente. Nas igrejas calvinistas e na católica, por exemplo, o que se faz é o batismo por aspersão, ou seja, goteja-se um poucoágua na cabeça da pessoa", compara ele.
O importante para os batistas, lembra Couto, é que os batizados sejam conscientes porque a lógica dessa igreja é que ela "é formada por membros que são regenerados".
"O batismo, assim, é um sinal externouma graça interna. A pessoa [antesser batizada] já nasceunovo, e vai confirmar isso por meio dessa ordenança", explica ele.
Nos princípios batistas também está a ideiaque a Bíblia é a regrafé eprática — fundamento comum a outros protestantes — e a defesa da liberdadeconsciência.
"Para um batista, não se deve coagir a consciência das pessoas obrigando ninguém a acreditar no que se acha que é o certo", comenta Couto.
Outra peculiaridade está na eucaristia, ou seja, na maneira como se celebra a ceia cristã.
Para os católicos, ali ocorre a transubstanciação, ou seja, o sacramento ensina que o pão e o vinho se transformamcorpo e o sangueCristo.
Para os luteranos, a consubstanciação — o corpo e o sangueCristo se juntam aos elementos da eucaristia.
"[Os batistas] vêm com a ideia memorialística, [fazendo da eucaristia] um memorial para lembrar do que Cristo fez. Não é um sacramento", aponta Couto.
A formaorganização também é diferente da maioria das outras igrejas. Tanto no fatoque cada unidade tem uma certa independência, favorecendo a coexistêncialinhas um tanto distintas — algo que se tornou comum na grande maioria das pentecostais contemporâneas no Brasil — quanto na simplicidade da hierarquia.
"Eles têm apenas dois cargos: o pastor e o diácono", diz Couto.
Assim como as outras igrejasbase protestante, os batistas também defendem a salvação pela graça mediante a fé, e não por obras.
"E o sacerdócio universaltodos os crente, ou seja,que não há a necessidadeum mediador para ter acesso a Deus", acrescenta o teólogo.
Expansão e chegada ao Brasil
Da Inglaterra, logo os batistas chegaram às 13 colônias que fundariam os Estados Unidos.
"Acontece que muitos desses religiosos acabaram sendo perseguidos no ambiente inglês, […] o que fez com que muita gente fosse pra os Estados Unidos, no caso as 13 colônias britânicas na América", ressalta Moraes.
A primeira igreja batistasolo americano foi fundada pelo pastor Roger Williams (1603-1683),1638, na colônia que ele fundou com o nomeRhode Island, hoje um dos estados americanos.
"Os batistas acabaram se espalhando pelo sul dos Estados Unidos e hoje são muito fortes ali", comenta o historiador.
A Convenção Batista do Sul, no Estado do Tennessee, arregimenta cerca16 milhõesadeptos, o que faz do grupo o maior dentre os batistastodo o mundo e a maior comunidade evangélica dos Estados Unidos.
Missionários batistas começaram a ser enviados para outras partes do mundo a partir do século 18, principalmente após o fim da GuerraSecessão,1865.
"Com o fim da guerra civil, muitos sulistas americanos, que perderam o conflito, os confederados, acabaram fugindo. Um grupo estabeleceu uma colônia no interiorSão Paulo, onde hoje são Americana e Santa Bárbara do Oeste", contextualiza Moraes.
Ali foi fundada a primeira Igreja Batista do Brasil,11setembro1871, com cerca30 membros. Mas ainda era algonicho, uma igrejaque os membros por aqui eram todos americanos.
Paralelamente a isso, Couto relata que passaram a chegar ao país diversos missionários geralmente batistas ou metodistas.
"Eles vinham como vendedoresBíblia, mas acabavam aproveitando para evangelizar também. Acabaram sendo chamadosprotestantesmissão", conta.
Em 1878, os batistas ganharam um integrante local: o padre Antônio TeixeiraAlbuquerque (1840-1887) rompeu com a Igreja Católica e se tornou não só o primeiro batista brasileiro como também o primeiro pastor batista brasileiro.