A briga por filhos tiradosapostas argentina francacasa e levados a outro país:apostas argentina franca
- Author, Laís Alegretti
- Role, Da BBC News Brasilapostas argentina francaLondres
Atenção: a reportagem a seguir contém relatosapostas argentina francaviolência.
Num fimapostas argentina francatardeapostas argentina francaque o marido estava fora da cidade, Patrícia* foi visitar um casalapostas argentina francaamigos brasileiros que também vivia nos Estados Unidos. Ela estava decidida a, depoisapostas argentina francaanos, revelar o que acontecia na casa dela.
A conversa, que foi até a madrugada daquele diaapostas argentina franca2021, terminou com uma decisão que transformaria a vida da família dali a algumas horas — e geraria uma disputa internacional que persiste até hoje.
“Eram umas 4h da manhã e meu amigo disse: 'Você não vai sair daqui sem tomarmos uma ação. Vou te dar duas opções: vamos ligar para a polícia agora ou você volta para o Brasil'”, diz ela.
A seguir, você conhecerá a históriaapostas argentina francaduas famílias que,apostas argentina francadiferentes contextos, relatam os efeitos da chamada subtração internacionalapostas argentina francacrianças — prática ilegalapostas argentina francaque uma criança é transferidaapostas argentina francapaís sem consentimentoapostas argentina francaum dos responsáveis. Também confere os alertas sobre os riscos envolvidos e as recomendações e alertas do governo brasileiro para os casos que envolvem violência doméstica, como a orientação para reunir provas do abuso sofrido e reportá-los, “na medida do possível”, às autoridades locais.
'Isolada numa ilha'
Dez anos antes, a históriaapostas argentina francaPatrícia com o ex-marido, Leandro*, começou ainda no Brasil, onde nasceu o primeiro filho do casal.
Patrícia descreve que o relacionamento foi “muito oito ou oitenta” desde o início, quando eles tinham cercaapostas argentina francadez anosapostas argentina francadiferençaapostas argentina francaidade.
“Foi mergulhadoapostas argentina francamuita paixão, doação, mas, ao mesmo tempo,apostas argentina francamuita confusão mental e traições”, diz.
“Grávidaapostas argentina franca8 meses, tive que sentar frente a frente com a amante com quem ele tinha, há 3 meses, um relacionamento sério. Ela ficou abalada tambémapostas argentina francasaber ‘como assim meu namorado é teu marido e você tá grávida?’”
Em seguida, com o nascimento prematuroapostas argentina francaGabriel*, Patrícia diz que as brigas foram relevadas. “Eu estava realizando meu maior sonho: ser mãe e ter minha família.”
Ao mesmo tempo, ganhou espaço a ideiaapostas argentina francaviver no exterior, o que o trabalhoapostas argentina francaLeandro poderia proporcionar. “O sonho da vida dele era morar nos Estados Unidos”, diz Patrícia.
Eles se mudaram inicialmente para um país da América Central. E foi longe da família e dos amigos que “as violências se intensificaram”, conta Patrícia.
“Eu tava longeapostas argentina francatodo mundo. Vivia isolada numa ilha — não dirigia, não falava inglês, não tinha amigos. Era mãeapostas argentina francaprimeira viagemapostas argentina francaum bebêapostas argentina franca7 meses num país onde nunca tinha pisado antes”, afirma. “E lá aconteceu a primeira agressão física.”
Com roxos no pescoço e nos braços, Patrícia diz que tentou o divórcio pela primeira vez.
Voltou para o Brasil, matriculou o filho na creche e estavaapostas argentina francabuscaapostas argentina francatrabalho na cidade da família no sul do país.
Procurou um advogado e a decisão foiapostas argentina francanegociar a guarda e o divórcio, sem fazer boletimapostas argentina francaocorrência. “Eu não tinha nem noçãoapostas argentina francaque aquilo que eu vivia era violência doméstica. Hoje faria tudo muito diferente”.
Semanas depois, Leandro reapareceu pedindo perdão.
“Ele descobriu o endereço novo dos meus pais e apareceu na rua. Ele se ajoelhou aos meus pés e chorava muito, dizendo que tinha se convertido — eu sou cristã, então ele usou muito da minha fé, falou que ele conhecia agora Deus, que eu tanto falava, e Jesus, e que ele era um novo homem.”
“Chorei, falei ‘glória a Deus’, e voltei para ele”.
Não sem colocar condições. Desta vez, Patrícia disse que o filho iria para a creche, ela dirigiria e procuraria um trabalho. “Eu ia ter minha vida.”
Patrícia engravidou pela segunda vez.
“Foi bem quando comecei a ter minha independência, então tenho desconfiança sobre os diasapostas argentina francaque, do nada, ele trazia o anticoncepcional até minha mão, dizendo que eu podia ficar deitada que ele pegaria.”
No fim da segunda gravidez, eles deixaram a América Central e se mudaram para os EUA — onde Patrícia teve a filha, Olívia*, e também os piores anos da relação com Leandro.
Quando a bebê tinha poucos diasapostas argentina francavida, o filho mais velho era uma criança pequena e o casal tinha poucos meses nos EUA, Leandro avisou que precisaria fazer uma viagemapostas argentina franca40 dias para uma conferência na Europa.
“Eu teria que ficar ali sozinha, sem redeapostas argentina francaapoio, morando havia três semanas naquela casa, sem conhecer ninguém. Foram 40 dias no deserto. Eu tinha recém tirado os pontos da barriga.”
Desde que tinha saído do Brasil, foi a primeira vez que Patrícia teve acesso a um cartão bancário para consumir algo - como uma compra no mercado - sem pedir ao marido. O cartão eraapostas argentina francadébito e tinha o suficiente “para sobreviver”, ela diz.
“Até então, nunca tive acesso a dinheiro ou ajuda comoapostas argentina francauma faxineira. E nós sempre tivemos uma condição financeira muito boa — ele ganhava muito bem, mas o dinheiro era todo para relógios, carros… A pontoapostas argentina francacomprar um iate. Mas ajuda para mim nunca teve. Ele usou muito do meu sonhoapostas argentina francaser mãe e donaapostas argentina francacasa. Quer? Então se vira.”
Patrícia diz que as agressões aumentaram e relatou diversos episódiosapostas argentina francaforte violência à reportagem.
Em um deles, ela chegou a ser levada ao hospital, ficou temporariamente sem conseguir andar e perdeu a memória por um período.
“Eu tava fazendo sanduíche na sala e lembro que naquela hora ele queria sexo. Mas a gente tinha voltado da praia, eu tava exausta, com maiô molhado, cheiaapostas argentina francaareia, falei não. Começamos uma discussão e eu lembroapostas argentina francatomar um tapa muito forte e cair no sofá. Lembro depoisapostas argentina francaver sangue saindo do meu nariz e sentir muita dorapostas argentina francacabeça.”
Essa lembrança, diz Patrícia, só veio meses depois — antes, o marido dizia que ela estava confusa e que, na verdade, teria gritado por ajuda, desmaiou, e ele a teria salvado.
“As peritas dizem que [a faltaapostas argentina francamemória temporária] foi um pós-traumático. O cérebro desligou para sobreviver”, diz.
'Meu coraçãoapostas argentina francamãe começou a rasgar'
A violência, inicialmente direcionada a ela, passou a ter os filhos como alvos.
“O Leandro começou a se transformar na questãoapostas argentina francaagressão às crianças”, diz. “Meu coraçãoapostas argentina francamãe começou a rasgar. A violência com as crianças começou muito sutil, como disciplina — essa era a palavra que ele usava, da origem militar dele.”
“Por exemplo, a Olívia começou a querer balbuciar a voz, dava uns gritinhos, e ele começou a dizer que tinha que passar pimenta na boca para disciplinar. Eu disse: não vai passar, jamais. E ele passava vinagre. Pegava tampinhaapostas argentina francagarrafaapostas argentina francaCoca-Cola, colocava vinagre, e deixava perto do carrinho. Quando ela gritava, ele molhava o dedo e passava na boca”, diz. “Ele dizia que mulher falava demais e que a filha dele não seria essa mulher que ficava falando sem parar.”
Com Gabriel, “o chinelo já ficava perto para ele entender que ia apanhar se não comesse tudoapostas argentina franca20 minutos”.
“Como eu nunca apanhei dos meus pais, ele dizia que eu era mimada, que eu não sabia disciplinar e educar filhos.”
Em buscaapostas argentina francaalguma independência financeira, Patrícia retomou o planoapostas argentina francabuscar um trabalho e falou com uma amiga que tinha experiência com faxina na cidade.
“Era a família linda, todo mundo bem vestido, ele usava Rolex, tinha Porsche e a mulher dele vai fazer faxina? Ela não entendeu nada.”
E a reação do marido? “Se você for trabalhar, vai ter que arrumar um empregoapostas argentina francaque vai conseguir pagar a escolinha da Olívia — porque eu não vou pagar a escola dela, o deverapostas argentina francaficar com ela é seu — e o dinheiro que sobrar você fica”, disse ele à esposa.
Patrícia assumiu a faxinaapostas argentina francauma loja na madrugada, antesapostas argentina francao comércio abrir,apostas argentina francadomingo a domingo. “Ele deixou porque tava dormindo: eu saía 3h da manhã, voltava 7h, e as crianças ainda estavam dormindo.”
No dia do aniversário, Patrícia encontrou no trabalho o banheiro mais sujo que já tinha visto. “Botei luva, máscara e fui”, diz.
“Chorei muito limpando aquele banheiro, eu falava muito para Deus que aquele banheiro era minha vida e que eu ia limpar aquele banheiro, mas eu ia limpar minha vida também.”
Patrícia diz que permaneceu na relação por muito tempo porque achava que seria possível mudar o comportamentoapostas argentina francaLeandro. E relata um sentimentoapostas argentina francafarsa.
“A vida que eu vivia dentroapostas argentina francacasa não era a que eu vivia foraapostas argentina francacasa”, diz. “Nós vivíamos na igreja, e ele teve uma posição dentro da igreja onde ele era diácono. Mas, ao mesmo tempoapostas argentina francaque estávamos no domingoapostas argentina francamanhã na igreja, ele dava socos no Gabriel antesapostas argentina francair. Aquilo ali me machucava muito, porque eu não conseguia entender, eu não conseguia realizar dentroapostas argentina francamim como eu faço para ter uma família igual à que eu tive”, diz,apostas argentina francacomparação à relação dos pais dela.
'Fugi para salvar meus filhos'
A violência do então marido, um homemapostas argentina francaquase 2 metrosapostas argentina francaaltura, contra as crianças se intensificou.
Foi aí que Patrícia abandonou a ideiaapostas argentina francaque poderia “salvar a relação”.
“Se não tivesse tido essa intensidadeapostas argentina francaviolência com as crianças, eu não teria arrumado forças para sair. Fugi para salvar meus filhos.”
Patrícia relata que Leandro chegou a deixar o filho — depoisapostas argentina francater apanhado e com marcasapostas argentina francasangue na perna — trancado no quarto por um dia todo.
“Fiquei deitada do ladoapostas argentina francafora, chorando na porta. Eu queria arrombar a porta, mas eu tinha uma bebê também, e tinha medo do que poderia acontecer”, diz.
O pai não quis que a criança fosse levada ao médico, segundo Patrícia, “porque o médico ia ver as marcas e entender o que aconteceu”. Em vez disso, ele comprou passagens para a Disney.
Em outra ocasião, “as duas crianças começaram a discutir e ele deu um soco na boca do estômago do Gabriel”. “Olhei pra trás, vi meu filho sem respirar, com a boca roxa. Eu não sabia se eu pulava no Leandro ou se eu salvava o Gabriel.”
Patrícia filmou uma agressão do ex-marido ao filho, que ocorreu, segundo ela, depois que a criança não conseguiu pronunciar uma palavra corretamente.
A gota d’água veio quando Patrícia viu Leandro segurar uma faca.
“No último dia que dormi naquela casa, ele arrombou a porta segurando uma faca. Ele subiu, tentou abrir e tava trancado [o quarto]. Coloquei um andador prendendo a maçaneta, por dentro, pra ele não abrir. Ele arrombou — tenho filmado”, diz. “Ele veio com uma faca na cama, não falou uma palavra. Ele só olhou pra mim com a faca na mão, pegou o travesseiro dele e saiu. Pensei: não vou ficar mais um dia aqui porque vai acontecer uma tragédia.”
Sem acesso a dinheiro e sem dominar a línguaapostas argentina francaonde vivia, Patrícia diz que sentia necessidadeapostas argentina francatomar uma atitude há muito tempo, mas se via com poucas opções.
“No episódioapostas argentina francaque dormi no ladoapostas argentina francafora da porta do Gabriel, foi um dia que pensei na polícia. Visualizava a polícia entrando ali, vendo sangue, e levando ele preso. Mas aí imaginava ele recebendo a polícia, falando inglês fluente com a polícia, dizendo que eu tava louca. E estávamosapostas argentina francaprocessoapostas argentina francaGreen Card [visto permanenteapostas argentina francaimigração para os EUA] e ele falava muito pra mim: ‘Se a gente perder esse processo, eu mato você’. Ele dizia que era brincadeira, mas eu sabia que era sério.”
'Nunca imaginei que no dia seguinte estaria no Brasil'
Sem vislumbrar uma saída, Patrícia foi visitar um casalapostas argentina francaamigos dela eapostas argentina francaLeandro, assim que o então marido havia partido para uma viagemapostas argentina francafimapostas argentina francasemana.
“Eles eram da igreja, eu confiava muito neles, eram meus pais lá”, diz. “Mas nunca imaginei que no dia seguinte estaria no Brasil. Deixei roupa batendo na máquina.”
Ela relatou o que acontecia dentroapostas argentina francacasa — não sem correr algum risco, já que o casal também era muito próximo a Leandro.
“Ele [o amigo] chorava, não acreditava que tinha sido enganado. Deus colocou eles ali porque não sei sozinha o que faria.”
Patricia diz que ouviu do amigo: “O que você tá contando é crime e eu não vou acobertar um crime.”
E foi aí que ela foi questionada se queria, naquele momento, chamar a polícia ou voltar para o Brasil.
“Não pensei duas vezes. Falei ‘obviamente quero ir para o Brasil’. Vão levar ele preso e eu vou ficar nos EUA? Nunca tive senhaapostas argentina francabanco, não sabia nem o nome do advogado do Green Card, não sabia quanto ele ganhava”, diz. “Se eu perguntavaapostas argentina francaalguma coisa, ele respondia perguntando se tava faltando alguma coisa,apostas argentina francaforma sarcástica e ameaçadora.”
Às 4h da madrugada daquele diaapostas argentina franca2021, os amigos compraram a passagem para Patrícia e as crianças embarcarem ao meio-dia.
“Ali no aeroporto foram horas muito difíceis,apostas argentina francaentender o que eu estava fazendo. Eu não tinha a mínima noçãoapostas argentina francatodo esse processo que agora tô enfrentando. Meu amigo falava: Patrícia, vaiapostas argentina francapaz, você tá segura agora. Deixa comigo que vou avisar o Leandro. Quando você decolar, prometo que vou ligar pra ele, dizer onde estão indo e que a gente sabeapostas argentina francatudo.”
(Leia mais abaixo sobre os riscosapostas argentina francanatureza legal da decisãoapostas argentina francase mudarapostas argentina francavolta para o Brasil com menores, sem o consentimento do pai ou responsável pela criança, segundo o governo brasileiro e a ONG Revibra Europa.)
Convençãoapostas argentina francaHaia e a subtração internacionalapostas argentina francacrianças
Ao chegar ao Brasil com os filhos, Patrícia recebeu uma fotoapostas argentina francaLeandro.
“Era uma selfie dele com a corte americana atrás, dizendo: ‘Vou buscar meus direitos e você vai se arrepender disso’”, diz. “Eu não tinha noção da Convençãoapostas argentina francaHaia.”
A Convençãoapostas argentina francaHaiaapostas argentina franca1980 e a Convenção Interamericanaapostas argentina franca1989 abordam a chamada subtração internacionalapostas argentina francacrianças e adolescentes — quando são levados, sem consentimento do outro genitor, do país onde costumam viver.
Até agosto, o Brasil já tinha 110 pedidosapostas argentina francaretorno ao Brasil ouapostas argentina francarepatriaçãoapostas argentina francacrianças para outros países neste ano por subtração internacional, segundo o governo brasileiro.
Um dos casos mais conhecidos no Brasil nas últimas décadas foi oapostas argentina francaSean Goldman, nascido nos EUAapostas argentina franca2000,apostas argentina francamãe brasileira e pai americano. Após a morte da mãe, o pai biológico pediu — e conseguiu — o retorno dele aos EUA.
Os tratados internacionais preveem que as nações devem colaborar para que uma criança subtraída possa voltarapostas argentina francaforma imediata e segura ao país onde costumava viver.
A intenção é proteger crianças e adolescentes até 16 anos que passam por situaçõesapostas argentina francaruptura familiar e que são deslocadasapostas argentina francaforma repentina para outro país.
Há, no entanto, exceções para essa regra geralapostas argentina francaretorno da criança ao paísapostas argentina francaresidência habitual.
Não há obrigaçãoapostas argentina francadevolver a criança ao paísapostas argentina francaorigem quando “existe um risco graveapostas argentina francaa criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigosapostas argentina francaordem física ou psíquica, ou,apostas argentina francaqualquer outro modo, ficar numa situação intolerável”, prevê o tratado internacional.
Além disso, organizações civis e autoridades brasileiras que atuam no tema vêm defendendo que casosapostas argentina francaviolência doméstica contra a mãe ou pai também passem a configurar como exceção.
No Brasil, a previsão é que o tema seja votado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde uma ação pede queapostas argentina francacasosapostas argentina franca“suspeita ou evidênciaapostas argentina francaviolência domésticaapostas argentina francapaís estrangeiro”, a criança não seja repatriada ao “lar do agressor” no país onde vivia antesapostas argentina francaser levada a território brasileiro.
Em um pedidoapostas argentina francainformação do Supremo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que a violência doméstica comprovada é motivo para impedir a repatriaçãoapostas argentina francacrianças, como mostrou a BBC News Brasil.
O tema também é discutido no Congresso. Tramita no Senado um projetoapostas argentina francalei que desobriga autoridades brasileirasapostas argentina francaatender outro país que requeira o retornoapostas argentina francacriança que esteja no Brasil, mas que lá resida, caso haja indíciosapostas argentina francaviolência.
Pedidoapostas argentina francaretornoapostas argentina francaOlívia e Gabriel aos EUA
No casoapostas argentina francaPatrícia, não demorou para que ela recebesse uma comunicação da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf) sobre o pedidoapostas argentina francaretorno das crianças para os EUA — o país é, aliás, o que tem mais pedidos relacionados à subtração internacionalapostas argentina francatrâmite no Brasil.
A Acaf, vinculada ao Ministério da Justiça, é o órgão que recebe pedidosapostas argentina francaoutros países para devolver crianças que estão no Brasil — e que se comunica com autoridadesapostas argentina francaoutros países para pedir o retornoapostas argentina francacrianças ao Brasil.
Michelle Najara, que chefiava a Acafapostas argentina francajulho, quando conversou com a BBC News Brasil como coordenadora-geralapostas argentina francaAdoção e Subtração Internacionalapostas argentina francaCrianças e Adolescentes do Ministério da Justiça, disse que o órgão busca, quando possível, resolver os casosapostas argentina francaforma administrativa.
Se não há acordo, a Acaf encaminha o caso à Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por ajuizar a açãoapostas argentina francasubtração internacional na Justiça Federal.
É comum que a AGU seja vista, nesses casos, como a defesa do genitor deixadoapostas argentina francaoutro país. No entanto, o procurador nacional da Uniãoapostas argentina francaAssuntos Internacionais da AGU, Boniapostas argentina francaMoraes Soares, diz que o papel da AGU é atuarapostas argentina francanome da União e não do genitor abandonado.
“O importante é exercer a nossa obrigação para com os demais países que são parte do tratado — seja para devolver a criança, seja para aquela criança ficar aqui”, diz,apostas argentina francareferência aos dois possíveis desfechos.
Patrícia teve decisão favorável a ela (ou seja, pela permanência das crianças no Brasil) na primeira instância e conta que, depois disso, a AGU saiu do processo e ela venceu também na segunda instância.
Sem a atuação da AGU, Leandro precisou recorrer da decisão com advogado particular.
Sem identificar o caso específicoapostas argentina francaPatrícia, a BBC News Brasil questionou a AGU sobre cenáriosapostas argentina francaque o órgão deixaapostas argentina francaatuar.
Soares explicou que issoapostas argentina francafato aconteceapostas argentina francaalguns casos, como quando o juiz constata que houve violência doméstica e identifica risco para a criança se ela voltar.
“A partir do momento que há prova e que o juiz constata violência e risco para a criança, passamos a concordar com o juiz e não mais recorremos. Aí,apostas argentina francafato, o pai ou mãe que tiver perdido a criança pode recorrer porapostas argentina francaconta e risco.”
E quão provável é que um pai ou mãe consiga reverter a decisão judicial,apostas argentina francaum caso com essas características, após a AGU deixar o caso?
“Muito baixa [a chance]. Se a União sai do processo, isso envia uma mensagem para o sistemaapostas argentina francaJustiça: olha, o autor original já não persegue o direito que queria, ele já se convenceuapostas argentina francaque o juizapostas argentina francaprimeira instância tem razão e que há uma hipóteseapostas argentina francanão retorno”, diz Soares.
Violência doméstica no exterior
A advogada e mediadora Janaína Albuquerque, que atua baseada na Europa, diz que mulheres migrantes estão “mais suscetíveis à violência” e “muito mais suscetíveis a aceitar que as coisas cheguem a um nível muito pior justamente pela faltaapostas argentina francasuporte eapostas argentina francarecursos”.
Coordenadora jurídica da ONG Revibra Europa, que oferece assistência gratuita para migrantes vítimasapostas argentina francaviolência doméstica, Albuquerque enumera dificuldades enfrentadas por elas.
A advogada cita a recorrente dependência financeiraapostas argentina francarelação a parceiros, a dificuldadeapostas argentina francaacessar abrigos (principalmente com crianças), o “medoapostas argentina francadeportação” nos casosapostas argentina francaque o status migratório depende do vínculo com o marido, a inexistênciaapostas argentina francauma lei como a brasileira Maria da Penha, a dificuldadeapostas argentina francaacessar serviços equivalentes ao que seria um exameapostas argentina francacorpoapostas argentina francadelito no IML no Brasilapostas argentina francacasosapostas argentina francaagressões físicas, entre outros.
“Quando você acrescenta a migração, a classe social, a raça, tudo isso combina para que a mulher seja mais descredibilizada ou não”, diz a especialista, que participouapostas argentina francadebate no Fórum Global sobre Violência Domésticaapostas argentina francacasosapostas argentina francaSubtração Internacionalapostas argentina francaMenoresapostas argentina franca2024 na África do Sul.
Albuquerque também fez sustentação oral na votação do Supremo sobre o tema, representando a Revibra Europa e outros institutos como amicus curiae.
A possibilidadeapostas argentina francaque casos onde há “suspeita”apostas argentina francaviolência doméstica (e não “violência comprovada”) sejam considerados exceção para repatriar crianças — como pede a ação no Supremo — não poderia levar pessoas mal intencionadas a alegar violência doméstica quando ela não tiverapostas argentina francafato ocorrido?
“Entendo a preocupação reversa,apostas argentina francaque falsas denúncias podem acontecer, mas acho que, na proporção das coisas, é muito mais preocupante que tantos casos [de violência doméstica] passem batidos, que essas situações e essas dificuldades sejam ignoradas”, diz ela,apostas argentina francarelação às barreiras para conseguir comprovar violência doméstica.
Albuquerque destaca a dificuldadeapostas argentina francaconseguir provas no exterior eapostas argentina francalevá-las ao Brasil.
“Você não consegue ter uma cópia do boletimapostas argentina francaocorrência, porque eles não dão; você não tem uma cópia do inquérito policial e, muitas vezes, eles são arquivados por faltaapostas argentina francaprovas ou faltaapostas argentina francatestemunhas”, exemplifica.
A advogada menciona, por exemplo, que gravar um vídeo ou áudio sem consentimento pode ser crime, dependendo do país onde essa pessoa estiver.
“Conseguir essas provas é muito, muito difícil, ainda mais quando a violência não é física, e é psicológica ou administrativa, por exemplo,apostas argentina francaameaça ouapostas argentina francaesconder documento”, diz.
Levantamento da AGU ao qual a BBC News Brasil teve acesso mostra que das 173 ações sobre subtração internacionalapostas argentina francacrianças que chegaram à instituição nos últimos seis anos, aproximadamente metade envolveu alegaçãoapostas argentina francaviolência doméstica.
O reconhecimento judicial da violência, no entanto, só aconteceuapostas argentina francaumaapostas argentina francacada cinco dessas ações, segundo o órgão.
A AGU não detalhou a proporçãoapostas argentina francagênero nessas ações, mas disse que “no geral, as mães são as principais vítimas desse tipoapostas argentina francaviolência”.
Em um artigo na Folhaapostas argentina francaS.Paulo, no qual defende que a violência doméstica deve ser exceçãoapostas argentina francaretorno, o desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, presidente do TRF2 e coordenador nacional do Grupoapostas argentina francaJuízesapostas argentina francaEnlace para a Convençãoapostas argentina francaHaia, diz que “o tema tem um viésapostas argentina francagênero”.
“Cercaapostas argentina franca80% dos casosapostas argentina francasubtraçãoapostas argentina francafilhos são pelas mães que voltam do exterior sem a autorização do pai”, escreveu.
Michelle Najara, que estava à frente da Acaf, disse que a convenção “tem que se adaptar à realidade brasileira”. “Não se pode tentar aplicar uma convenção considerando uma realidadeapostas argentina franca40 anos atrás,apostas argentina francaque não se discutia sobre violência doméstica”.
Embora defendam atualizações na convenção, todas as autoridades e os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil destacaram a importância da Convençãoapostas argentina francaHaia.
Najara aponta que, se não fosse a convenção, “os pedidos passariam por embaixadas, e os pedidos diplomáticos são feitos e atendidos com base na voluntariedade — o país pode ou não querer”.
'Não desconfiei que ele não voltaria'
Foi a Convençãoapostas argentina francaHaia que permitiu que a brasileira Amanda*, que vive no Canadá, recuperasse o filho, Vicente*.
Amanda, o ex-marido e Vicente — todos brasileiros — viviamapostas argentina francaQuebec desde 2015.
Imigraram juntos e se divorciaram anos depois. Amanda diz que, na época da pandemia, os planos do casal ficaram descoordenados — ele queria voltar ao Brasil e ela pretendia continuar no Canadá. Após “alguns episódiosapostas argentina francaviolência verbal, psicológica e financeira”, o casamento terminou.
Até queapostas argentina franca2022, oficialmente separados e vivendo na mesma cidade, Amanda e o ex-marido negociaram autorizaçãoapostas argentina francaviagem para que Vicente viajasse nas férias com a mãe, primeiro, e depois com o pai.
“Viajei para os EUA com meu filho pra encontrar minha família, que tinha viajado pra lá. Ficamos 15 dias — fui no dia que falei que ia e voltei no dia que falei que voltava.”
Em seguida, o garoto, então com 11 anos, viajaria com o pai para o Brasil.
“Quando ele [o ex-marido] me pediu uma viagemapostas argentina franca40 dias, eu autorizei — até entreiapostas argentina francacontato com a escola para ver se teria problema, foi tudo muito organizado”, diz. “Dei [autorização] — porque sabia que ele ia e voltava. A vida dele era aqui, ele tinha aluguel, carro… Em momento algum desconfiei da possibilidadeapostas argentina francaele ficar no Brasil.”
Mas Vicente não retornou dessa viagemapostas argentina francaférias com o pai.
Amanda tem na ponta da língua as datas: a que o filho viajou e a que ele deveria ter voltado, escritas na autorização que ela assinou — documento que depois virou a prova da subtração internacional.
Inicialmente, o ex-marido disse que tinha contraído covid e retornaria alguns dias depois com filho. Depois, no entanto, comunicou pelo WhatsApp que não tinha previsãoapostas argentina francaretorno.
“Ele me enviou uma mensagemapostas argentina francatexto pelo WhatsApp simplesmente comunicando a decisãoapostas argentina francaficar no Brasil e dizendo que era um desejo do meu filho ficar no Brasil, que eles seriam muito felizes lá e eu ia ver isso.”
Era o fim da tardeapostas argentina francauma sexta-feira. “Desmoronei”, diz Amanda, que ligou para a polícia e fez boletimapostas argentina francaocorrência.
Em seguida, ela buscou ajuda da irmã,apostas argentina francagrupoapostas argentina francabrasileiras no Canadá, alémapostas argentina francaum serviçoapostas argentina francaaconselhamento jurídico da empresa onde trabalha. Foi quando descobriu como funciona a Convençãoapostas argentina francaHaia e iniciou o processo para ter o filhoapostas argentina francavolta ao Canadá.
“Tive que provar que a residência habitual do meu filho era aqui — escola, médico, entradas e saídasapostas argentina francaviagens daqui”, diz. “É uma luta contra o tempo.”
Amanda depois descobriu que, durante as supostas férias no Brasil, o ex-marido viajou ao Canadá e “se desfez do carro,apostas argentina francatudo dele, pediu demissão, e voltou ao Brasil”. “Tudo premeditado”, diz.
Após mesesapostas argentina francaburocracia e briga internacional, Amanda conseguiu no início deste ano a decisão da justiça no Brasil que determinou o retorno do filho ao Canadá. O ex-marido recorreu da decisão.
“Nem sei se tenho religião, mas eu tinha féapostas argentina francaque ia conseguir… Uma certezaapostas argentina francaque poderia demorar o tempo que fosse, mas meu filho ia voltar, eapostas argentina francaque eu lutaria por ele até o fim.”
Ela buscou o filho na casa do pai no interiorapostas argentina francaSão Paulo,apostas argentina francauma operação com dois oficiaisapostas argentina francajustiça, que entregaram o garoto a ela.
Amanda diz que o filho chorou no caminho até o hotel e, no dia seguinte, acordou animado porque andariaapostas argentina francaavião.
Ela diz que não foge do assunto com o filho e que, desde o começo, diz que ele poderia voltar ao Brasil se desejasse.
“Eu falei ‘Aconteceu uma coisaapostas argentina francamuito errado, a mamãe tá tentando consertar. Mas se o seu desejo forapostas argentina francaficar no Brasil, você vai ficar no Brasil, mas a gente tem que consertar as coisas’”, diz. “Meu papel sempre foi esse na vida do meu filho: falar a verdade e respeitar a vontade dele, mas eu não podia deixar as coisas do jeito que estavam.”
Amanda e Vicente seguiram para o Canadá, com a bebê que Amanda teve nesse período — ela diz que foi do nascimento da filha, aliás, que ela tirou forças para acreditar que repatriaria Vicente. “Foi ela que me deu toda fortaleza pra lutar pelo meu filho até o fim.”
'Cicatrizes emocionais'
A saída repentina do ambienteapostas argentina francaque a criança está acostumada a viver pode gerar um “estresse tóxico” para ela, diz o psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk, professor da Universidadeapostas argentina francaSão Paulo (USP).
É uma situação diferente do que ocorreapostas argentina francauma mudançaapostas argentina francapaís numa situação ideal, preparada pela família— que, explica o psiquiatra, “gera um estresse, mas pode ser um estresse positivo, que vai fazer com que essa criança desenvolva uma nova língua”, por exemplo.
“Mas algo sem essa preparação, traumático e abrupto, vai gerar um estresse tóxico que, provavelmente, a partir daí, haverá ansiedade, sintomas emocionais, irritabilidade e outros sinaisapostas argentina francaque o equilíbrio emocional da criança foi atingido.”
Ao mesmo tempo, Polanczyk pondera que “se essa criança saiuapostas argentina francaum ambiente nocivo e vai para um ambiente que a protege, isso pode ser positivo para o desenvolvimento dela a médio prazo”.
Do pontoapostas argentina francavista do desenvolvimento infantil, ele diz que “faz todo sentido” que uma situação comprovadaapostas argentina francaviolência contra a mãe — ainda que não diretamente contra a criança — seja considerada uma exceção para o retorno da criança para aquele ambiente. Isso porque, segundo ele, esse tipoapostas argentina francasituação gera um “efeito gigante” para a criança, com riscosapostas argentina francaproblemasapostas argentina francasaúde mental eapostas argentina francadesenvolvimento.
E quais devem ser os cuidados com as crianças e adolescentes subtraídosapostas argentina francaum país?
Os desafios mudam não só com as característicasapostas argentina francacada situação, mas também com a idade dessas crianças e adolescentes.
De forma geral, a recomendação do psiquiatra é que o assunto não seja empurrado para baixo do tapete depoisapostas argentina francauma mudançaapostas argentina francapaís. Não falar sobre o tema, diz Polanczyk, pode “gerar cicatrizes emocionais”.
“É preciso falar o que aconteceu, integrar aquela vida anterior naquele outro país, naquele outro contexto, com a vida atual”, diz. “É importante trabalhar o que vinha acontecendo naquele outro ambiente, por que isso aconteceu, quais são os sentimentos que a criança tem”.
Ele diz que uma resposta possível, por exemplo, é que a criança que deixou um ambiente nocivo fique, por um lado, aliviada por ter saído, mas ao mesmo tempo tenha um sentimentoapostas argentina francaculpa pelo pai ou mãe que ficaram — e até sinta que teve alguma responsabilidade.
“Os pais têm a tendência,apostas argentina francageral,apostas argentina francaachar que é melhor não falar, que a criança não tá entendendo, e que tá tudo bem. Mas elas entendem alguns elementos e muitas vezes interpretamapostas argentina francaformas muito equivocadas e variadas — que às vezes são formas prejudiciais", diz. “A verdade é muito importante.”
Um dos pontos que tornam esses casos ainda mais desafiadores é que não é só a saúde mental das criançasapostas argentina francajogo. “É uma situaçãoapostas argentina francasuper trauma para os pais também. A insegurança que esses pais passam, e as mães principalmente, será transmitida para a criança”.
Ajuda no exterior
O Itamaraty não deu entrevista sobre a subtração internacionalapostas argentina francacrianças. Apenas informou que é responsável pelos serviçosapostas argentina francaassistência consular.
O ministério disponibilizou cartilha que fala dos “riscosapostas argentina francanatureza legal da decisãoapostas argentina francase mudarapostas argentina francavolta para o Brasil com menores, sem o consentimento do pai ou responsável pela criança”. O material foi feito com o Ministério da Justiça e a ONG Revibra Europa.
A cartilha alerta, por exemplo, para o fatoapostas argentina francaa retirada das crianças ser considerada crimeapostas argentina francaalguns países, o que pode levar a um pedidoapostas argentina francaprisão do genitor acusadoapostas argentina francasubtrair a criança.
Também orienta que a mãe vítimaapostas argentina francaviolência doméstica reúna o maior númeroapostas argentina francaprovas do abuso sofrido e sugere que sejam reportados, “na medida do possível”, às autoridades locais, antes da decisãoapostas argentina francadeixar o país.
Entre as provas que podem ser consideradas, segundo a cartilha, estão laudos médicos, relatos para organizações estataisapostas argentina francaapoio a vítimasapostas argentina francaviolência doméstica, notificações e denúncias para a polícia.
A sugestão é que as denúncias sejam preferencialmente feitas na companhiaapostas argentina francauma pessoaapostas argentina francaconfiança, com conhecimento da língua e cultura locais.
Em situaçãoapostas argentina francaemergência, a recomendação é chamar a polícia ou ambulância.
apostas argentina franca No Brasil
Para quem está no Brasil e quer denunciar violência contra a mulher, o governo disponibiliza o Ligue 180, que funciona 24 horas por dia, incluindo sábado, domingos e feriados.
Em casoapostas argentina francaemergência, a vítima ou alguém que esteja presenciando alguma situaçãoapostas argentina francaviolência pode pedir ajuda por meio do telefone 190.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das crianças envolvidas.