Caçula, babá, cafuné: como mulheres negras escravizadas ajudaram a criar o português brasileiro:red dog online casino

Crédito, Fine Art Images/Heritage Images via Getty Images

No ambiente da família colonial, esses escravizados aprenderam o português na convivência diária com seus senhores — e também imprimiramred dog online casinoseu falar hábitos e característicasred dog online casinosuas próprias línguas.

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Ao mesmo tempo, os colonizadores portugueses foram se apropriando pouco a poucored dog online casinotermos africanos, que passaram a ser usados principalmente para designar os objetos e atividades do dia a dia.

Nesse contexto, as mulheres africanas tiveram um papel especial, seja por meio do cuidado com as crianças, do seu trabalho na cozinha ou como amasred dog online casinocompanhia e curandeiras.

‘Grande mãe ancestral dos brasileiros’

Autorared dog online casinodiversos livros e artigos sobre o tema, a etnolinguista baiana Yeda Pessoared dog online casinoCastro vê no passado brasileiro um processo que invisibilizou a forçared dog online casinotrabalho da mulher negra escravizada na historiografia.

Mas para a pesquisadora, que se dedica ao estudo das línguas africanas ered dog online casinoinfluência no Brasil, essas mulheres tiverem um protagonismo na família e vida diária do colonizador que foi muito além do serviço doméstico prestado.

Em seu livro Camões com Dendé, Castro descreve como as mulheres africanas influenciaram as famílias brasileiras por meio da contaçãored dog online casinohistórias do seu universo fantástico afrorreligioso, do compartilhamentored dog online casinoseu conhecimento natored dog online casinofolhas e ervas medicinais, como cozinheiras introduzindo elementosred dog online casinosua dieta nativa na comida diária da casa e como amasred dog online casinocompanhia das jovens solteiras e cuidadoras das crianças.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Gravura do século 19 sobre o trabalho escravo no Brasil
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Na função “da mãe preta e babá”, reconta a linguista, essas mulheres amamentaram e criaram os filhos do colonizador “e, à maneirared dog online casinopedagoga, os ensinou a balbuciar as primeiras palavras, também nared dog online casinolíngua nativa, no embalo do seu cantored dog online casinoacalento” que os fazia dormir.

A própria palavra babá é uma das muitas marcas deixadas por esse importante trabalho: pesquisadores rastreiam ared dog online casinoorigem no quimbundo, uma das línguas bantas faladasred dog online casinoAngola.

Da mesma forma, várias outras palavras ligadas ao cuidado e à maternidade também foram inseridas no contexto brasileiro por esse meio.

“No campo afetivo, a mãe negra nos deixou o xodó, o cafuné, o cochilo, o dengo, e nos falou que ‘o caçula é o dengo da família’, o irmão mais jovem, sempre tratado com muito mimo por todas da casa”, diz Yeda Pessoared dog online casinoCastro.

Enquanto dengo vem do quicongo, falada no nortered dog online casinoAngola e no baixo Congo, caçula tem origem no quimbundo. Não há no Brasil outra palavra para se referir ao filho mais novo. No português europeu diz-se benjamin, que para o falante brasileiro, alémred dog online casinonome próprio, é um adaptador multiplicadorred dog online casinotomada elétrica.

“Diantered dog online casinotantas evidências apontadas pelo vocabulário, entre muitas outras ainda encobertas por faltared dog online casinopesquisas mais detalhadas nesse domínio, a mulher angolana, entre tantas outras mulheres negrasred dog online casinoigual valor, é projetada historicamente como a figura emblemática da grande mãe ancestral dos brasileiros. Não éred dog online casinovão que Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, é apresentada como uma santa negra!.”

Exemplosred dog online casinoexpressõesred dog online casinoorigem banta

1. Babá

Tem origem na língua quimbundo e vem do verbo ‘kubaba’, que significa ‘acalentar ou embalar uma criança para adormecer’.

2. Cafuné

Tem origem no quimbundo e vem da palavra ‘kafa’, que se refere à açãored dog online casinobater, estalar com os dedos

3. Cochilo

Tem origem no quimbundo e vem da palavra ‘kukoshila’.

4. Dengo

Tem origem no quicongo e, na língua original, quer dizer um pedidored dog online casinoaconchego.

5. Caçula

Vemred dog online casino'kasule', do quimbundo, que significa 'último filho'.

6. Moleque

Tem origem no quimbundo e vem da forma ‘muleke’, associado com 'menino'.

7. Xingar

Tem origem no quimbundo e na palavra ‘kukoshinga’.

8. Moringa

Tem origem no quimbundo e vem da palavra ‘mudingi’.

Crédito, The New York Public Library

Legenda da foto, Escravos trabalhamred dog online casinouma plantaçãored dog online casinocafé no Brasil

9. Caçamba

Tem origem no quimbundo e vem da palavra ‘kasambu’ que significa cesto.

10. Capenga

Tem origem no quimbundo e na palavra ‘kiapenga’.

11. Dendê

Do quimbundo ‘ndende’, o dendê, ou óleored dog online casinopalma, é popular nas culinárias africana e brasileira.

12. Marimbondo

Do quimbundo, vemred dog online casino‘madimbindo’, palavra usada para vespa.

13. Lenga-lenga

Tem origem no quimbundo ered dog online casino‘ku langa’, que significa enganar alguém.

14. Beleléu

Do quimbundo, vemred dog online casino‘mbelele’, palavra usada para se referir à morte.

15. Bunda

Do quimbundo, vemred dog online casino‘mbunda’, palavra usada para se referir a nádegas ou ânus.

As línguas bantas e o português

Fundamental para a construção do Brasil e para o movimento abolicionista, a cultura banto reverbera até hoje não só no vocabulário do português brasileiro, mas também na entonação, pronúncia e sintaxe.

‘Bantu’ é a forma como a língua é referida nos próprios idiomas locais. No Brasil, porém, os linguistas tendem a falarred dog online casinolínguas bantas para se referir ao conjuntored dog online casinolínguas.

Margarida Petter, linguista e professora aposentada do Departamentored dog online casinoLinguística da Universidadered dog online casinoSão Paulo (USP), explica que a denominação foi adotada por linguistas a partir da percepçãored dog online casinouma característica comum entre muitas das línguas: a palavra ‘pessoa’ tem sempre o uso da raiz ‘-ntu’, que no plural recebe o prefixo ‘ba-’. Daí surgiu bantu.

“Alguns africanos que foram transplantados para o Brasil já falavam alguma coisared dog online casinoportuguês por conta do contato com os colonizadores na região no entorno do Reino do Congo”, diz.

Ao mesmo tempo, diz a especialista, ao aprender a língua estrangeira, essas populações impuseram algo da gramática, da sonoridade e do vocabuláriored dog online casinosuas línguas nativas. “Eles trouxeram para o português palavras e estruturasred dog online casinosuas línguas bantas”, explica Petter.

Construções como "algumas lojas estão caindo preço" ou "as ruas do centro não estão passando ônibus", que são consideradas gramaticalmente incorretas na língua culta pelo uso equivocado do sujeito, são exemplos dessa influência na língua falada, diz a linguista.

“Outra influência é a tendência na língua faladared dog online casinodizer coisas como ‘as menina bonita’”, diz Margarida Petter. “Nas línguas bantas, o plural não é indicado com a letra ‘s’ no final das palavras, como no português, mas sim com o usored dog online casinoum prefixo.”

“Para o falante da língua banta, apenas colocar o primeiro elemento no plural já seria suficiente para entender o sentido completo — colocar o ‘s’ no final do substantivo seria uma redundância.”

A influência banta no Brasil também está nas religiões, nas músicas e na dança. Os escravizados traficados para o país deixaram seu legado, por exemplo, na origemred dog online casinoritmos e expressões musicais como o samba, o maracatu, a congada, o jongo e a capoeira.

Para Yeda Pessoared dog online casinoCastro, a cantiga popular Escravosred dog online casinoJó também seria mais uma marca dos bantos — e das mulheres que cantavam e ensinavam jogos para os filhos dos colonizadores.

Segundo a pesquisadora, a palavra ‘jó’ poderia ter origem na língua quimbundo e na palavra ‘njo’, que significa ‘casa’. Já o ‘caxangá’ era um jogored dog online casinotabuleiro, diz.

De acordo com Castro, as denominações candomblé, macumba e catimbó são tambémred dog online casinoorigem banto e representam provavelmente as mais antigas manifestaçõesred dog online casinoreligiosidade afro-brasileira nascidas na escravidão, como consequência do contatored dog online casinoorientações religiosas ameríndias e africanas com o catolicismo nos primórdios da colonização.

Crédito, Arquivo Nacional

Legenda da foto, Pintura do século 19 mostra escravizadas trabalhando

Na África colonizada por Portugal, os governosred dog online casinopaíses como Angola, Moçambique e Cabo Verde adotaram o português como língua oficial apósred dog online casinoindependência na décadared dog online casino1970.

“Havia uma diversidade linguística muito grande, então decidiu-se adotar o português também para evitar contendas tribais”, explica Alexandre António Timbane, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

As línguas locais, porém, continuaram a ser usadasred dog online casinocontextos informais e no seio das famílias.

“As pessoas começaram a aprender o português para conseguir emprego, resolver questões burocráticasred dog online casinoórgãos do governo. Mas as línguas locais continuaram a ser faladasred dog online casinocontextos informais, nas famílias, nas canções e na educação local também”, diz Timbane.

O pesquisador moçambicano, porém, lamenta que ainda exista preconceito fora da Áfricared dog online casinorelação às variedades do português africano, especialmente na área do ensino.

“A minha variedade, o meu sotaque, são influências da minha língua materna, da minha história”, diz. “Temos que considerar e tolerar sem preconceito linguístico todas as variedades e incentivar estudos e pesquisas sobre elas, porque elas são úteis.”