O brutal impacto do conflito entre Israel e Hamas nas criançasGaza:

Homem e criança chorando após ataque aéreo israelens

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Crianças são cerca40%todos os mortos na FaixaGaza, mais6,5 mil, segundo autoridades palestinas

ALERTA: As imagens que ilustram esta reportagem podem ser perturbadoras

Crianças da FaixaGaza têm sido as principais vítimas do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas.

Segundo informações do ministério da Saúde da FaixaGaza, controlado pelo Hamas, desde o início dos bombardeiosretaliaçãoIsrael após os ataques brutais perpetrados pelo Hamas7outubro, 2.704 crianças morreram e mais5,3 mil ficaram feridas na FaixaGaza, ou seja, 400 mortas ou feridas por dia.

As crianças são cerca40% do totalmortos no território, que atingiu o patamar6.546 na quarta-feira (25/10),acordo com o ministério da SaúdeGaza.

Em Israel, mais30 crianças foram mortas pelo Hamas desde o início da atual guerra, e dezenas permanecemcativeiro na FaixaGaza, segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

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É a escalada mais mortífera na FaixaGaza eIsrael que a ONU testemunhou desde 2006. O Unicef classificou a situação"mancha crescente nas nossas consciências" e pediu,um comunicado, um cessar-fogo imediato.

O embaixadorIsrael na ONU, Gilad Erdan, afirmou que agências das Nações Unidas criaram uma "imagem falsa" da situaçãoGaza ao aceitar alegaçõesautoridades palestinas controladas pelo Hamas.

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A tensão entre Israel e a ONU atingiu um novo patamar na terça-feira, quando o governo israelense anunciou que vai recusar vistosentrada a funcionários da organização.

"Quase todas as crianças na FaixaGaza foram expostas a acontecimentos e traumas profundamente angustiantes, marcados por destruição generalizada, ataques implacáveis, deslocamentos e grave escassezbensprimeira necessidade, como alimentos, água e medicamentos", disse o Unicef.

Para Adele Khodr, diretora regional da Unicef para o Oriente Médio e NorteÁfrica, "o assassinato e a mutilaçãocrianças, o sequestrocrianças, os ataques a hospitais e escolas e a negação do acesso humanitário constituem graves violações dos direitos das crianças".

"O Unicef apela urgentemente a todas as partes para que concordem com um cessar-fogo, permitam o acesso humanitário e libertem todos os reféns. Até as guerras têm regras. Os civis devem ser protegidos — especialmente as crianças — e todos os esforços devem ser feitos para poupá-lastodas as circunstâncias", acrescentou.

Na terça-feira, médicosum hospitalGaza conseguiram salvar um feto mediante uma cesarianaemergência — depois damãe ter sido morta durante um ataque aéreo israelense.

Segundo o correspondente da BBCGaza, Rushdi Abualouf, a mãe ficou gravemente ferida durante um bombardeio à cidadeKhan Younis, no sul do território, área para onde, há dez dias, as autoridades israelenses aconselharam os palestinos a se deslocarem "por segurança".

O pai do bebê foi morto durante os ataques, enquanto a mãe grávida foi levada ao hospital, segundo Abualouf.

Naquela altura, a mãe ainda estava viva — "lutando pelavida e pela do seu filho", acrescentou o jornalista.

Em entrevista à emissora americana CNN, Abdul Rahman Al Masri, chefe do departamentoemergência do Hospital dos MártiresAl-Aqsa,Gaza, afirmou que "recebemos alguns casosque os pais escreveram os nomes dos filhos nas pernas e no abdômen".

Ele disse que os pais estavam preocupados que "tudo pudesse acontecer" e ninguém seria capazidentificar seus filhos.

Segundo o Unicef, a Cisjordânia também registra um aumento alarmante no númerovítimas, com quase 100 palestinos mortos, incluindo 28 crianças — e pelo menos 160 menores supostamente feridas.

"Mesmo antes dos trágicos acontecimentos7outubro2023, as crianças na Cisjordânia já enfrentavam os níveis mais elevadosviolência relacionada com o conflitoduas décadas, resultando na morte41 crianças palestinas eseis crianças israelenses até agora este ano", informou o comunicado da Unicef.

Segundo Khodr, "a situação na FaixaGaza é uma mancha crescente na nossa consciência coletiva. A taxamortalidade e ferimentoscrianças é simplesmente impressionante".

"Ainda mais assustador é o fatoque, a menos que as tensões sejam aliviadas, e a menos que a ajuda humanitária seja permitida, incluindo alimentos, água, suprimentos médicos e combustível, o número diáriomortes continuará a aumentar."

O combustível ésuma importância para o funcionamentoinstalações essenciais, como hospitais, usinasdessalinização e estaçõesbombeamentoágua.

Enquanto diversas agências humanitárias afirmam que Gaza precisa desesperadamentecombustível, Israel acusou o Hamaster estocado centenasmilhareslitrossuas reservas.

As unidadesterapia intensiva (UTI) neonatal abrigam mais100 recém-nascidos, alguns dos quais estãoincubadoras e dependemventilação mecânica, tornando o fornecimento ininterruptoenergia uma questãovida ou morte. Alguns hospitais já estariam inclusive sendo obrigados a fechar as portas.

Segundo a ONU, toda a população da FaixaGaza, composta por quase 2,3 milhõespessoas, enfrenta uma terrível e premente faltaágua, que acarreta graves consequências para as crianças, cerca50% da população.

A maioria dos sistemaságua foi gravemente afetada ou tornou-se inoperacional devido a uma combinaçãofatores, incluindo escassezcombustível e danosinfraestruturas vitaisprodução, tratamento e distribuição.

"As imagenscrianças a serem resgatadas dos escombros, feridas eperigo, enquanto tremem nos hospitais à esperatratamento, retratam o imenso horror que estas crianças estão suportando. Mas sem acesso humanitário, as mortes causadas por ataques podem ser a ponta do iceberg", disse Khodr.

Segundo ela, "o númeromortes aumentará exponencialmente se as incubadoras começarem a falhar, se os hospitais fecharem, se as crianças continuarem a beber água imprópria e não tiverem acesso a medicamentos quando ficarem doentes".

'Violênciadécadas'

Num relatório apresentado à Assembleia-Geral da ONU nesta terça-feira, Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967 (Cisjordânia e FaixaGaza), afirmou que "as forçasocupação israelenses matam, mutilam, deixam órfãs e detêm centenascrianças no território palestino ocupado todos os anos".

Segundo ela, essa situação se agravou nas últimas semanas.

"A opressão e o trauma sofridos pelas crianças palestinas, metade da população palestina sob o domínio israelense, são uma mancha única na comunidade internacional", disse Albanese.

O relatório não cobre os acontecimentos7outubro e as suas consequências.

Albanese concluiu que Israel, apesar das suas obrigações "como potência ocupante", priva os palestinos e os seus filhos "dos seus direitos humanos básicos" como parte dos seus esforços para "impedir o desenvolvimento da sociedade palestina e para frustrar permanentemente o direito dos palestinianos à autodeterminação".

Segundo a ONU,2008 até 6outubro2023, 1.434 crianças palestinas foram mortas, e mais32.175 ficaram feridas, devido sobretudo à ocupação israelense.

Criança palestina ferida chorando após ataque aéreo israelense

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Segundo a ONU,2008 até 6outubro2023, 1.434 crianças palestinas foram mortas, e mais32.175 ficaram feridas, devido sobretudo à ocupação israelense

Durante o mesmo período, 25 crianças israelenses foram mortas, a maioria por agressores palestinos, e 524 ficaram feridas.

Entre 2019 e 2022, 1.679 crianças palestinas e 15 crianças israelenses sofreram lesões físicas duradouras, o que deixou muitas delas permanentemente incapacitadas.

Segundo a ONU, uma média500 a 700 crianças palestinas são detidas pelas forçasocupação israelenses todos os anos — estima-se que 13 mil, namaioria, tenham sido detidas arbitrariamente, interrogadas, julgadastribunais militares e presas desde 2000.

"O enquadramentoIsrael das crianças palestinas como 'escudos humanos' ou 'terroristas' para justificar a violência contra elas e os seus pais é profundamente desumanizante", disse Albanese.

"O infernohoje não pode obscurecer a violência das últimas décadas", acrescentou.

"Para enfrentar a crise, é fundamental compreender o que levou a ela. Isto não significa justificar ou minimizar os crimes hediondos cometidos contra civis israelenses7outubro; pelo contrário, obriga-nos a enfrentar esse horror no contexto daquilo que o precedeu."

"Devemos compreender o impacto devastador da ocupaçãoIsrael e da presença colonialconstante expansão sobre geraçõescrianças palestinas", acrescentou.

O relatório detalha as experiências diáriasviolência das crianças por meio do confiscoterras familiares e expropriaçãorecursos, separaçãocomunidades, destruiçãocasas e meiossubsistência e ataques àeducação.

"Geraçõescrianças palestinas, quer na sitiada FaixaGaza, nos enclaves da Cisjordânia ou na Jerusalém Oriental anexada, viram as suas vidas reduzidas ao mínimo e, com demasiada frequência, interrompidas como dispensáveis", disse Albanese.

"Isso é profundamente "não-infantil": tira a leveza da infância e rouba o futuro das crianças", completou.

A relatora especial instou a comunidade internacional "a pôr fim imediatamente à ocupação ilegalIsrael, sancionar os seus atos internacionalmente ilícitos, processar todos os crimes internacionais cometidos por todos os envolvidos no território palestiniano ocupado e criar um grupotrabalho para desmantelar a ocupação colonial como condição prévia para a paz na região".

Crianças palestinas hospitalizadasGaza

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Estudos realizados após conflitos anteriores entre o Hamas e Israel mostraram que a maioria das criançasGaza apresentava sintomastranstornoestresse pós-traumático (TEPT)

Saúde Mental

Estudos realizados após conflitos anteriores entre o Hamas e Israel mostraram que a maioria das criançasGaza apresentava sintomastranstornoestresse pós-traumático (TEPT).

Após a Operação PilarDefesa2012, um relatório do Unicef mostrou que 82% das crianças tinham medo contínuo ou habitual da morte iminente.

Além disso, 91% das crianças relataram distúrbios do sono durante o conflito; 94% disseram que dormiram com os pais; 85% relataram alterações no apetite; 82% sentiram raiva; 97% sentiram-se inseguras; 38% sentiram-se culpadas; 47% roíam as unhas; 76% relataram coceira ou mal-estar.

Após a Operação Chumbo Fundido, a guerratrês semanas2008-09, um estudo realizado pelo programa comunitáriosaúde mentalGaza (GCMHP) constatou que 75% das crianças com maisseis anos sofriamum ou mais sintomasstress pós-traumático: com umacada dez apresentando todos os sintomas.

Na ocasião, Hasan Zeyada, psicólogo do GCMHP, disse ao jornal britânico Guardian : “"A maioria das crianças sofre muitas consequências psicológicas e sociais. A insegurança e os sentimentosdesamparo e impotência são avassaladores".

"Observamos crianças ficando mais ansiosas — distúrbios do sono, pesadelos, terror noturno, comportamentos regressivos como agarrar-se aos pais, fazer xixi na cama, ficar mais inquietas e hiperativas, recusar-se a dormir sozinhas, querer estar o tempo todo com os pais, oprimidas por medos e preocupações. Algumas começam a ser mais agressivas."

Os especialistas também notaram um aumento nos sintomas psicossomáticos, como febre alta sem razão biológica ou erupção na pele pelo corpo.

Um relatório do ano passado da ONG Save the Children sobre o impacto do bloqueio15 anosIsrael e os repetidos conflitos na saúde mental das criançasGaza concluiu que o seu bem-estar psicossocial tinha "diminuído dramaticamente para níveis alarmantes".

As crianças ouvidas pela agência humanitária "falarammedo, nervosismo, ansiedade, stress e raiva, e listaram problemas familiares, violência, morte, pesadelos, pobreza, guerra e a ocupação, incluindo o bloqueio, como as coisasque menos gostaram nas suas vidas".