4 lições da Islândia, país com menor desigualdade entre homens e mulheres no mundo:
O sucesso deve-se a uma combinaçãocircunstâncias específicas do país - como a existênciaum movimento feminista com anoshistória e uma presença tradicional das mulheres no mercadotrabalho -, mas também vontade política para levar adiante leis que impulsionam a igualdade, explicou à BBC News Mundo (serviçoespanhol da BBC) Thorgerdur Jennýjardóttir Einarsdóttir, professoraEstudosGênero na Universidade da Islândia.
Fim do Matérias recomendadas
O país nórdico foi um dos mais gravemente afetados pela crise financeira2008,grande parte pela má gestão e pela corrupçãoalgunsseus gestores.
Mas seu pior momento também representou um pontovirada.
"Foi uma oportunidade para as mulheres, já que o discurso foique os homens tinham governado o país e as empresas e tinham levado-os à ruína. Era a vez das mulheres", diz a especialista.
Uma sérienovas medidas para promover o papel das mulherescargosresponsabilidade surgiram dessa crise, e uma maior presença feminina nas instituições resultouganhos na igualdade.
A Islândia entendeu que a desigualdadegênero é algo endêmico e enraizado na sociedade, e, por isso, adotou uma abordagem sistemática, explica Aleisha Ebrahimi, professora associada da FaculdadeDireito da University CollegeLondres (UCL) e especialistaigualdadegênero.
Que lições outros países podem tirar do modelo adotado pela Islândia para reduzir a desigualdade?
1. Grande representação política
Uma toneladacocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
Episódios
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Durante mais da metade dos últimos 50 anos, os islandeses tiveram uma mulher à frente do Estado.
A primeira delas foi Vigdis Finnbogadottir, que ganhou as eleições1980, apenas cinco anos depois da histórica greve das mulheres ocorrida24outubro1975.
Nesse dia, 90% das islandesas paralisaram bancos, fábricas, escolas e lojas para se manifestarem pela igualdadegênero.
Havia apenas três mulheres deputadas, na época, ou 5% do parlamento.
Era um número muito baixocomparação com os vizinhos nórdicos, que sempre haviam estado à frente do movimento feminista. Hoje, no entanto, as islandesas ocupam 47,6% dos assentos, a maior porcentagemum país europeu.
De acordo com Aleisha Ebrahimi, isso se deve a uma combinaçãofatores. Por um lado, "ter uma liderança feminina é muito importante para a representação porque mostra às meninas e mulheres que é um papel ao qual podem aspirar e que existem caminhos para chegar lá."
Além disso, após a crise financeira2008, "houve um movimento para incorporar mais mulheres à esfera política, para retificar o que tinha sido feitoerrado, mas procurando uma solução progressista para seguir adiante", diz Ebrahimi.
A Islândia não tem quotas legaisrepresentação feminina no parlamento, mas a maioria dos partidos políticos têm uma quota voluntária definindo que 40% a 50%seus representantes sejam mulheres.
Ao longo dos anos, isso tem se refletido na composição do parlamento.
"Os partidos sabem que, se não o fizerem, vão parecer antiquados e não vão atrair os eleitores", explica Jennýjardóttir Einarsdóttir.
Mas o que mais incentivou essa participação política, segundo a professora da Universidade da Islândia, é o vigor do movimento feminista do país, que remonta ao início do século 20 e se alimentourelações estreitasuma comunidade tão pequena.
A AssociaçãoDireitos das Mulheres Islandesas foi fundada1907 e seguefuncionamento. Apenas um ano depoiscriada, as primeiras vereadoras foram eleitas para a prefeituraReykjavik, a capital do país.
2. LeiIgualdade Salarial
Em 2018, a Islândia tornou-se o primeiro país no mundo onde, por lei, as empresas públicas e privadas têm que provar que oferecem os mesmos salários a homens e mulheres.
A lei exige que tanto empresas como instituições com 25 ou mais funcionários obtenham um "certificadoigualdade salarial" demonstrando que pagam o mesmo aos seus funcionáriosfunções semelhantes.
A Islândia não é o único país com uma leiigualdade salarial. No entanto, diferenteoutros, no país, o pesoprovar a igualdade ou desigualdade recai sobre a empresa e não sobre o empregado.
Não é o trabalhador que tem que provar que é vítimadesigualdade, algo que pode levar tempo e custar caro. Na Islândia, é a empresa que deve comprovar que paga seus funcionáriosforma justa e equitativa.
A legislação não só está ajudando a fechar a lacunasalarial, que2021 ficou10,2%, como também estimulou dentro das empresas e no restante da sociedade um debate sobre como os empregos são avaliados - com que critérios e se esses critérios continuam a ser relevantes no atual mercadotrabalho,acordo com a revista Harvard Business Review.
A lei islandesa também estabelece uma quota feminina40% para os conselhosadministração das empresas e instituições, o que tem impulsionado mulheres nos cargosliderança.
Apesar dos avanços, as islandesas não se conformam e continuam a lutar por igualdade total. As cotas, por exemplo, ainda não alcançaram uma maior paridade entre os diretores executivos das empresas - ainda majoritariamente homens, lamenta Jennýjardóttir Einarsdóttir.
Desde o histórico protestomulheres1975, as islandesas voltaram a entrargrevevárias ocasiões. A última foioutubro passado, quando até a primeira-ministra do país participou.
3. Licença maternidade e paternidade igualitária
Para muitas mulheres no mundo, a desigualdade cresce exponencialmente quando decidem ter filhos.
Muitas não somente se vêem penalizadasseus empregos por tirar licença-maternidade como, sendo elas as únicas ou as que por mais tempo cuidam das crianças nessa primeira fasevida, acabam carregando adiante o peso da educação.
E apagar os papéis tradicionaisgênero que surgem já nesses primeiros meses no imaginário familiar e social é muito difícil.
Nem todos os países oferecem uma licença-paternidade e,alguns, ela é opcional ou pode ser transferida para a mãe. Em certos casos, a licença é compartilhada e pode ser dividida entre os paisacordo com o que a família considerar melhor.
Em 2000, a Islândia mudou seu sistemalicença parental para que pais e mães tivessem licenças independentes, que não pudessem ser transferidas, algo que a Suécia já havia feito1995.
O modelo"usar ou perder" a licença - com os homens devendo tirar o período ou a família perderia por completo o benefício - fez com que, rapidamente, mais80% dos homens passassem a tirá-la.
E o que acontece quando mais pais fazem uso da licença-paternidade?
Vê-se mais pais empurrando carrinhos pela rua e cuidando sozinhos dos filhos nos parques. Ou seja, a figura do homem como cuidador é normalizada, o que resultauma maior igualdade para as mulheres.
"Essa medida tem tido um grande impacto, e os homens são agora mais ativos na educação dos filhos", observa a especialista islandesa.
De acordo com um estudo realizado por professores da Universidade da Islândia, a política implementada fez com que o númerohomens que seguiam cuidando dos filhosforma igualitária aos 3 anosidade passasse40% para 75% nos anos que se seguiram.
Isso mostra que, quanto mais cedo o homem se envolve no cuidado dos filhos, maior será a igualdade.
Atualmente, a licença na Islândia foi estendida para seis meses para cada um dos pais. O Estado paga 80% do salário, com seis semanas transferíveis entre os pais.
4. Forte subsídio a creches
Mas a "penalização pela maternidade" não acaba quando a licença parental chega ao fim.
Sem creches ou escolaseducação infantil acessíveis, a diferençagênero se amplia, já que geralmente são as mulheres que acabam optando por deixar temporariamente ou definitivamente seus empregos para cuidar dos filhos pequenos.
Assim, a Islândia apostousubsidiar a educação infantil, destinando 1,7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para isso - mais do dobro da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Isso significa que as famílias islandesas destinam apenas cerca5%sua renda para essa fase da vidaseus filhos, enquantopaíses como os EUA os pais investemmédia 19%seus salários.
Quando as crianças completam um ano (e a licença parentalambos pais acaba), mais da metade delas estão matriculadasuma creche ou escolaeducação infantil, um número que sobe para 80% quando completam dois anos,acordo com dados da OCDE.
É por isso que há que se continuar lutando constantemente pela igualdade, observa Thorgerdur Jennýjardóttir Einarsdóttir.
"O importante é entender que não se trata apenasuma questão para mulheres, mas sim para o bem-estar e a prosperidade do país", explica ela.