Por que nossos corpos e os da maioria dos animais são simétricos (mas só por fora):
Ao observar a incrível beleza e diversidade da vida na Terra, nota-se que quase todo o reino animal compartilha uma característicacomum: a simetria bilateral.
Das borboletas às morsas, do Tiranossauro ao Homo sapiens, a maioria dos animais apresenta um lado direito e um lado esquerdo.
Se refletirmos a metade direitaum animalum espelho, veremos que ela é quase idêntica à metade esquerda. Por que essa forma é tão comum?
Para entender, precisamos viajar até as profundezas do oceano... e até um passado remoto.
Estamos retrocedendo 570 milhõesanos, ao período Ediacarano, quando a vida animal existia apenas nos oceanos.
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Se mergulhássemos, veríamos "uma espéciefloresta cobrindo o fundo do oceano, com folhas estranhas flutuando, provavelmente translúcidas ou cinzentas,até um metroaltura", descreve Frankie Dunn, paleobióloga do MuseuHistória Natural da UniversidadeOxford, no Reino Unido.
Essas folhas estranhas, diz ela, "são as coisas mais antigas que podemos afirmar com segurança que são animais".
Exemplos incluem a charnia.
"Parece uma planta, mas sabemos que é um animal porque cresce da mesma forma que os animais, excluindo qualquer outra possibilidade", explica Dunn.
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"Além disso, como viviaprofundidades onde a luz não chegava, não podia realizar fotossíntese. À primeira vista, pode parecer simetricamente bilateral, mas os ramos se desenvolvem sequencialmente, o que chamamossimetriareflexão com deslizamento, característicamuitos organismos do período Ediacarano."
Chamamos dessa forma porque é como se você cortasse um padrão simétrico ao meio e deslizasse um lado ligeiramente para cima.
Atualmente, não encontramos nada parecido com essas charnias.
Elas existiramuma épocaque os primeiros animais apresentavam diversas formas corporais inusitadas, como se a vida estivesse testando diferentes "roupas" até encontrar um que realmente funcionasse.
"Havia muitas formas diferentessimetria naquela época, algumas das quais desapareceram, mas que podem ter sido muito úteis durante o Ediacarano, já que o mundo era muito distinto e os organismos respondiam a diferentes pressões ambientais", observa a especialista.
Esse períodogrande diversidade simétrica não durou para sempre.
Eventualmente, começaram a surgir criaturas semelhantes a vermes, cuja forma — com cabeça e cauda — revolucionou tudo.
O domínio bilateral facilitou a locomoção: "Se você tem uma bocauma extremidade e um ânus na outra, pode se mexer muito mais facilmente, já que não está expelindo resíduos enquanto se desloca", explica Dunn.
"Com a simetria bilateral, você pode ser mais aerodinâmico ao longoseu eixo corporal principal, organizar músculos ao longo das extremidades do corpo e concentrar estruturas sensoriaisuma extremidade, permitindo a diversificaçãocomportamentos complexos. Os animais começaram a escavar no sedimento, nadar e explorar o mundotrês dimensões."
É difícil subestimar a importância da simetria bilateral na evolução.
Um trato digestivo, onde a comida entra por uma extremidade e sai pela outra, oferece uma direção naturalmovimento que,forma simplificada, édireção à comida e longe dos resíduos.
Animais como esses vermes ediacaranos se movimentavam muito melhor do que outras formasvida.
Assim, a competição por fontesalimento se tornou muito mais intensa. Os animais bilaterais superaram todos os outros, e, com seu sucesso, mudaram tanto o ambiente que redesenharam o planeta.
Dunn observa que "os animais que habitavam o fundo marinho do Ediacarano tinham simetrias diversas. Eles mudaram o mundo completamente ao começarem a interagir com o solo microbiano, que tinha pouco oxigênio. Ao penetrá-lo, oxigenaram-no e começaram a destruir o ambiente onde outras criaturas habitavam, condenando-as à extinção."
A aparição e diversificaçãoanimais com simetria bilateral é um pontoinflexão profundo na história da vida na Terra.
Mas por que quase todos os animais têm simetria bilateral?
Porque esse projeto corporal se provou tão eficaz que, uma vez surgido há 570 milhõesanos, tornou-se um sucesso duradouro, dominando até hoje.
A simetria bilateral é o molde dos animais. Bem, quase todos os animais.
Exceções estranhas
Um grupoanimais que desafia essa regra da simetria bilateral são os equinodermos, que incluem estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, pepinos-do-mar e estrelas quebradiças.
"Eles são muito diferentesseu plano corporal e projeto, e podem nos ensinar muito sobre a evolução e seus limites", aponta Imran Rahman, pesquisador principal no MuseuHistória NaturalLondres.
Rahman confessa: "Sempre me fascinaram os animais raros, às vezes chamadosmaravilhas estranhas".
E com razão: eles são surpreendentes e intrigantes.
A estrela-do-mar, por exemplo, começavida como uma larva com simetria bilateral.
"Depois, na metamorfose, o adulto cresceum lado, enquanto o outro lado desaparece."
Uma vez adultas, essas estrelas com simetria pentarradial parecem feitas para adornar o fundo do mar, mas onde está a cabeça delas? "Esse é um assunto polêmico", diz Rahman.
"Uma pesquisa recente indica que quase todo o animal é a cabeça, sem a extremidade posterior que vemosoutros animais. Assim, uma estrela-do-mar seria uma espéciecabeça incorpórea rastejando sobre seus lábios."
Apesarseus corpos distintos, os equinodermos existem há centenasmilhõesanos. Por que sobreviveramum mundo dominado por animais com simetria bilateral? Ninguém sabe ao certo.
E as plantas?
Ser bilateral foi uma receitasucesso para os animais, mas nas plantas o panorama é mais variado.
"Para entender por que as plantas não parecem simétricas, é preciso observar seu desenvolvimento", afirma a botânica Sophie Nadeau, da Universidade Paris Saclay, na França.
"Nos animais, o plano corporal é definitivo: quando você é adulto, não cresce mais. As plantas são compostas por módulos (caule, folhas, flores). Basta empilhar esses módulos e obtém-se uma planta que pode crescer indefinidamente."
Se uma planta crescessecondições perfeitamente controladas, provavelmente seria bastante simétrica, acrescenta Nadeau.
Mas a verdade é que não crescem isoladamente; os ventos, a luz do sol e o espaço disponível influenciam seu crescimento.
"Às vezes, uma parte se desenvolve mais que a outra, resultandouma arquitetura que não é perfeitamente regular."
No entanto, mesmo que raramente sejam perfeitamente simétricas, as plantas exibem simetriadiversos aspectos: suas folhas, por exemplo, frequentemente têm simetria bilateral.
"Se olharmos para cada órgão, eles apresentam simetria. Os caules têm uma simetria radial quase perfeita. Se você cortar o troncouma árvore, ele apresentará simetria radial. Portanto, cada órgão é, na verdade, simétrico."
Assim, é possível encontrar simetria nas plantas, dependendoonde se olha... até mesmo internamente.
E isso é interessante, porque, se voltarmos aos animais, a situação é oposta. Apesarnossa simetria externa, internamente as coisas são muito menos simétricas.
Aqui e ali
"Existem muitas assimetrias fascinantes no corpo humano", observa o professor Mike Levin, da Universidade Tufts,Massachusetts, nos EUA.
"Algumas são anatômicas, como órgãos como o coração, o estômago e o fígado, queindivíduos normais estão localizados apenasum lado do corpo. Outras assimetrias, menos óbvias, ocorrem no cérebro, que é ligeiramente diferenteum lado para o outro. Também há assimetrias funcionais ou fisiológicas interessantes; por exemplo, certas doenças ocorrem com mais frequênciaum lado do corpo, como o câncermama, que tende a ser mais comumum lado."
"Essas assimetrias ocultas revelam que as células realmente sabem que não são iguais."
A razão para essa assimetrianossos órgãos internos, com o fígado ou o baçoum lado e nossos intestinos enroscados para trás, pode ser simplesmente a forma mais eficienteorganizar tudo.
"Mas a forma incontestável como os embriões determinamque lado do corpo devem ficar o coração, o intestino, etc., é uma questão fascinante", comenta Levin.
A assimetria como quebra-cabeça
A assimetria é um enigma, pois é algo difícilestabelecer para sistemas biológicos. É possível usar a gravidade para determinar a posição vertical, mas calcular esquerda e direita é muito mais complexo. Como as células fazem isso? Realmente não sabemos.
"Em que momento do desenvolvimento embrionário as células descobremque lado do corpo estão? Se você é uma bolacélulas, como sabe onde estálinha média e quais os mecanismos que permitem distinguir a esquerda da direita?"
Essas são algumas das perguntas. Uma resposta pode estar relacionada ao modo como as moléculas das células se auto-organizamespirais, criando uma assimetria que depois é amplificada durante o desenvolvimento. Mas, independentementecomo ocorre, segundo Levin, a assimetria pode ser fundamental para a vida.
"A assimetria permeia toda a biologia, desde eventos quânticos que quebram a simetria até o desenvolvimento, comportamento e até nossas obrasarte. É surpreendente como se conecta desde as sutis propriedades moleculares do mundo quântico até o impacto cultural e social."
Embora a assimetria continue sendo um mistério, as razões para a simetria, pelo menoshumanos eoutros animais bilaterais, são claras.
É um formato muito vantajoso, como ressalta Frankie Dunn: "Os bilaterais estavam destinados a triunfar porque seu plano corporal é muito adequado para muitas atividades, como voar, nadar e caminhar, alémser altamente suscetível à inovação."