Omer e Omar: as trágicas mortesisraelense e palestino4 anos negadas como 'fake news' :

Omer Siman-Tov e Omar Bilal al-Banna

Crédito, Arquivo pessoal/BBC

Legenda da foto, Omer Siman-Tov e Omar Bilal al-Banna tinham quatro anos quando foram mortos

Tantoum lado quanto do outro, familiares, amigos e testemunhas que localizei contam uma história trágica.

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O israelense Omer Siman-Tov foi morto quando o Hamas atacou acasa no kibutz Nir Oz,7outubro.

Já o palestino Omar Bilal al-Banna foi morto quatro dias depois,decorrênciaum ataque aéreo israelenseZeitoun, a leste da cidadeGaza.

A forma como as mortes dos meninos foram negadas pelos usuários das redes sociais expõe as dimensões da batalhainformação que ocorreparalelo ao atual conflito.

Temos visto tentativas descaradasminimizar ou negar a violência cometida contra crianças.

Essas falsas alegações chocaram familiares e amigos que lamentam a perda dos seus entes queridos — epessoas que testemunharam o que aconteceu.

Omar Bilal al-Banna

Crédito, Arquivo pessoal/BBC

Legenda da foto, Omar Bilal al-Banna viviaGaza e foi morto por um ataque aéreo israelense

'Não é um bebêverdade, é um boneco'

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"A vela da minha vida" é como a mãeOmar Bilal al-Banna, Yasmeen, descreve seus filhos no Instagram.

Dois fotógrafos me colocaramcontato com ela e comparei seus perfis nas redes sociais com os detalhesque dispunha para confirmaridentidade como mãeOmar.

Omar estava brincando ao ar livre com seu irmão mais velho, Majd, quando foi morto. Vi imagensque Majd confirma isso.

No vídeo, Majd descreve como o ataque atingiu a casa do vizinho e, na sequência, como os escombros caíram sobre Omar. Majd também ficou ferido. Ele aparece na gravação comperna enfaixada e parece estarestadochoque.

A primeira postagem que vi sobre a morteOmar foiuma conta pró-israelense no X (anteriormente conhecido como Twitter). Ela incluía um vídeo mostrando um homemcamisa polo cinza segurando o corpouma criança pequena, enroladoum cobertor ou pano branco. Mais tarde, eu descobriria que essa criança era Omar.

O usuário que compartilhou o clipe escreveu: "O Hamas está desesperado!", para logo depois acrescentar que o grupo extremista — classificado como organização terrorista por Israel, Reino Unido e outras potências ocidentais — tinha "divulgado um vídeo mostrando um bebê palestino morto".

Segundo o autor da postagem, isso "expõe o quão duro trabalha o braçopropaganda mentirosa e caluniosa do Hamas e dos palestinos".

Em seguida, sugeriu que as contas do Hamas compartilharam e excluíram o vídeo porque ele não era real.

CorpoOmar enroladolençol branco

Crédito, Arquivo pessoal/BBC

Legenda da foto, Contas no X, inclusive a do governo israelense, sugeriram que boneco e não Omar estava enroladolençol branco

Segundo o X, o post contendo o vídeo e alegações falsas foi visto 3,8 milhõesvezes.

As alegações foram então amplificadas por um post do governoIsrael na mesma rede social.

Ela incluía o mesmo vídeo da criança no cobertor branco — e depois uma foto da mesma gravação, circulando o rosto dela.

Na legenda, estava escrito: "O Hamas acidentalmente postou um vídeoum boneco (sim, um boneco) sugerindo que ele fazia parte das vítimas causadas por um ataque das ForçasDefesaIsrael".

Nas horas que se seguiram, outras contas oficiais do governo israelense no X — incluindo perfis pertencentes às embaixadasIsrael na França e na Áustria — repostaram o conteúdo.

Em pouco tempo, o post viralizou, e as informações passaram a ser compartilhadas por contas pró-Israel e anti-Hamas baseadasIsrael, bem como por várias outras que pareciam estar baseadas na Índia.

As postagens repetiam a alegação falsaque a criança era um boneco. Eu assisti à gravação mais longa, e fica claro que se tratauma pessoa real.

Rastreei, então, a procedência do vídeo original, o que me levou ao perfilum fotógrafo palestino, Moamen El Halabi, no Instagram.

Foi ele quem filmou o homemcamisa cinza segurando Omar.

Liguei, então, para El Halabi.

Também fiz contato com outro fotojornalista, Mohammed Abed — que trabalha para a agêncianotícias AFP — que estava lá na mesma hora.

Ele tirou uma fotografia do mesmo homem segurando o que parece ser a mesma criança, embrulhada no cobertor branco. A imagem podia ser acessada pelo bancodados da agência Getty Images que tem, entre seus principais clientes, veículoscomunicação ao redor do mundo, como a BBC.

A legenda que acompanha a fotoAbed descreve a cena "fora do necrotério do Hospital Al-Shifa, na cidadeGaza".

A data é12outubro2023 — mesmo diaque o clipe foi compartilhado no Instagram por Moamen El Halabi.

Outras organizaçõesverificaçãofatos, como a Alt News, também rastrearam a origem das fotos e vídeos originais.

Ambos os fotojornalistas me forneceram mais detalhes para corroborar que o vídeo e a foto foram feitos no hospital Al-Shifa, fora do necrotério.

Os detalhes incluíam informações sobre a situação do hospital naquele dia e o homemcamisa cinza, que era parenteOmar.

Os dois me disseram, categoricamente, que a criança retratada não era um boneco, mas um meninoverdade — Omar Bilal al-Banna.

Eles também compartilharam comigo imagens adicionais, que comparei com o vídeo originalMoamen El Halabi para verificar a identidade da criança.

Desde que conversamos, Mohammed Abed postou uma história no Instagram com a foto que tirou. Ele escreveu na legenda: "Esta foto [não é] um boneco, é [uma] que tirei no hospital Al-Shifa e é a pura verdade".

Parece que parte do que fez as pessoas pensarem que o que viram era um boneco, e não uma criança, foi a cor da peleOmar na fotografia. Mas Abed disse que fotografou várias crianças mortasataquesGaza e que a cor da peleOmar era semelhante à delas.

A mãeOmar, Yasmeen, confirmou que o seu filho foi morto num ataque aéreo israelense, acrescentando que as mentiras sobre a "matançacrianças e pessoas inocentes são falsas".

"Eles não têm o direitodizer que ele é um boneco", disse ela.

"Eles [o governo israelense] estão mentindo e se esquivandoseus crimes e massacres", acrescentou ela.

Um porta-voz da embaixadaIsrael no Reino Unido não comentou diretamente estas publicações nas redes sociais ou as circunstâncias da morteOmar. Ele disse que "é muito importante analisar os casosdesinformação", mas também acusou a BBCespalhar desinformação.

O X não respondeu aos pedidoscomentários da BBC.

'Ator pago'

Família Siman-Tov

Crédito, Arquivo pessoal/BBC

Legenda da foto, Família Siman-Tov foi morta pelo Hamasataque7outubro

"Omer era apenas um anjo. Ele era tão, tão lindo, fofo e puro. Ele era muito próximosuas irmãs. Elas sempre brincavam juntas e eram muito gentis com ele", me contou Mor Lacob, amiga da família Siman-Tov.

Ela enviou aos Siman-Tovs mensagens no WhatsApp na ensolarada manhã do sábado 7outubro, quando homens armados do Hamas romperam a cerca entre Gaza e Israel e atacaram o kibutz onde a família vivia.

Segundo Mor, eles lhe confirmaram que haviam conseguido entrar no abrigo, mas essa foi a última vez que ela teve notícias deles.

Outras mensagens enviadas aos amigos não foram lidas.

Mor descobriu mais tarde que Tamar e Yonatan, os paisOmer, foram mortos a tiros. Seus três filhos — Omer e suas irmãs mais velhas, Shachar e Arbel — foram mortos quandocasa foi incendiada. Suas mortes viraram notícia nos principais meioscomunicação.

A imagem foi compartilhada pela conta do governo israelense no X, que escreveu: "uma família inteira exterminada pelos terroristas do Hamas. Não há palavras. Que amemória seja uma bênção".

O post também foi compartilhado pelo ex-primeiro-ministroIsrael, Naftali Bennett.

Mas quando li os comentários — embora muitos falavam do terrível choque e ofereciam apoio — outros me surpreenderam.

Várias contas que apoiavam o Hamas alegaram que Omer era um "ator pago" porque o Hamas "não matava crianças".

Outras disseram que se tratava"propaganda judaica no seu melhor", declarando que nem Omer, nem suas irmãs haviam sido mortos.

Um usuário escreveu "não há evidências"que eles estavam mortos e pediu para "parar com a mentira".

Ao analisar várias outras postagens e vídeos mostrando a família Siman-Tovdiferentes redes sociais, encontrei dezenascomentários semelhantes.

Alguns sugeriam que ele e suas irmãs tinham sido "atorescrise”" — pessoas pagas para representar uma tragédia.

Verifiquei os perfis por trás dos comentários. Muitos deles pareciam ser pessoas reais baseadaspaíses diferentes. Vários apoiavam o Hamas e alguns pareciam estar baseados na Cisjordânia ocupada.

Estas não eram contas com muitos seguidores. No entanto, o efeito cumulativo das suas publicações pareceu reforçar narrativas que viralizaram nos meioscomunicação social tentando sugerir que o Hamas não tinha matado ou atacado nenhuma criança, apesar das provas generalizadastal violência.

Outros comentários falsos que descobri sugeriam que os assassinatos tinham sido reais, mas que os homens armados do Hamas não tinham sido responsáveis por eles.

Um usuário escreveu: "Acho que foi o próprio governoIsrael" quem matou essas crianças e os israelenses estavam "tentando culpar o Hamas".

Falando comigosua casaSydney, na Austrália, Mor Lacob disse que os comentários nas redes sociais lhe causaram angústiaum momentoque ela estavaluto por seus amigos.

"Só quero que o mundo se lembre e saiba o que aconteceu. Lidar com a morte deles já é bastante difícil, e todos esses comentários tornam tudo ainda pior".

"Como posso reagir a isso? Preciso provar que eles morreram? Por que cinco túmulos precisaram ser preenchidos com seus belos corpos?"

Ela descreveu esse tipodesinformação online como “má e cruel”.

Quando lhe contei como crianças palestinas, como Omar, também tiveram as suas mortes negadas e questionadas nas redes sociais, ela ficou novamente desapontada.

"Meu coração está com cada [pessoa] inocente que foi assassinada e morta por causa das ações do Hamas", disse ela. "Não é justo."