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Como Luiz Gama desvendou 'roubo do século' na 'Wall Street brasileira':7 bet net
A trama do assalto, intrincada e surpreendente, ao estilo7 bet netobras7 bet netficção como o filme Um plano perfeito,7 bet netSpike Lee, e a série La Casa7 bet netPapel, foi desvendada por Luiz Gama (1830-1882), advogado negro que se tornou um dos expoentes do abolicionismo brasileiro por libertar centenas7 bet netescravizados usando apenas os recursos da lei.
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Esse crime milionário é apontado por historiadores ouvidos pela BBC News Brasil como o maior roubo conhecido no período imperial do Brasil, que durou7 bet net1822 a 1889.
Gama defendia o principal suspeito do crime, o tesoureiro da alfândega Antonio Eustachio Largacha, um homem branco7 bet netfamília espanhola.
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Ele era o único que tinha a chave do cofre da repartição, cujo dinheiro vinha7 bet nettaxas pagas por cafeicultores, e foi preso sob a acusação7 bet netter se apossado do dinheiro.
O enredo também envolveu acusações e depoimentos falsos, um cofre inglês comprado pelo governo como "impossível7 bet netser arrombado", um telegrama enviado na hora errada, um empreiteiro famoso e uma quadrilha7 bet netimigrantes alemães.
Toda essa história foi redescoberta pelo historiador Bruno Rodrigues7 bet netLima, doutor7 bet netHistória e Teoria do Direito pelo Max Planck Institute,7 bet netFrankfurt, na Alemanha.
Em março, ele lançou mais dois volumes das Obras Completas7 bet netLuiz Gama (editora Hedra), projeto com 11 livros e 900 textos do advogado - mais7 bet net80% deles inéditos.
Um desses textos, republicado no volume Crime das Obras Completas, é um tratado jurídico, mas também uma rica narrativa jornalística sobre como Gama desvendou o mistério do roubo à alfândega.
Além7 bet netanalisar mais7 bet net200 depoimentos, o advogado investigou, escreveu e publicou a história7 bet netum suplemento pago do jornal A Província7 bet netS. Paulo (hoje, O Estado7 bet netS. Paulo), no dia 187 bet netnovembro7 bet net1877. Mas, até recentemente,7 bet netparticipação no caso era desconhecida.
Na época, o impacto da publicação foi quase imediato: 45 dias depois, a Justiça revisou a condenação do tesoureiro pelo crime, que foi inocentado e solto da prisão.
Bruno Lima argumenta que esse texto, além7 bet netoutros 11 menores que Gama publicou no calor dos acontecimentos, deve ser visto como uma obra inédita.
"Muito se fala que o Gama só escreveu um livro7 bet netpoesias. Mas considero que os textos sobre o roubo, com 150 páginas, é um livro completo dele", diz.
O achado vem à luz7 bet netum momento7 bet netcrescente interesse por Luiz Gama, nascido7 bet net217 bet netjunho7 bet net1830, ex-escravizado que se tornou abolicionista, jornalista, poeta, investigador7 bet netpolícia e advogado autodidata.
Ele ganha cada vez mais notoriedade à medida que7 bet nettrajetória, que por décadas sofreu um apagamento histórico, é redescoberta aos poucos.
Para Lígia Fonseca Ferreira, professora da Universidade Federal7 bet netSão Paulo (Unifesp) e pioneira na pesquisa da obra do abolicionista na imprensa, "Luiz Gama foi o primeiro grande jornalista negro do Brasil e deve ser lido como um intérprete do país".
"Ele foi um cronista e repórter jurídico. Tinha uma palavra afiada, sempre marcando7 bet netorigem social", diz Fonseca, organizadora do livro Lições7 bet netresistência: artigos7 bet netLuiz Gama na imprensa7 bet netSão Paulo e do Rio7 bet netJaneiro (Edições Sesc, 2020).
"Como um homem negro, Gama mostrava com a força da palavra o quão ácida era aquela sociedade7 bet netque ele vivia”
O crime
O tesoureiro Largacha foi preso logo após o assalto ser descoberto, no final da tarde7 bet netsegunda-feira. Mas ele jurou ser inocente, além7 bet netvítima7 bet netum complô.
Largacha era bastante conhecido7 bet netSantos, porque havia ocupado vários cargos públicos, como o7 bet netvereador do município, que tinha por volta7 bet net10 mil habitantes na época, segundo um censo7 bet net1872.
Santos vinha ganhando importância no cenário nacional, principalmente como ponto7 bet netescoamento da produção7 bet netcafé, cuja massa7 bet nettrabalhadores era escravizada, segundo o historiador Tâmis Parron, professor7 bet netHistória do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"O Oeste paulista, irradiando7 bet netCampinas a Rio Claro e Ribeirão Preto, emergia como o novo coração da cafeicultura. Sua produção era escoada para o litoral por meio7 bet netferrovias, e Santos se torna, ainda que temporariamente, a Wall Street do café brasileiro. O roubo se dá nesse contexto", aponta Parron, membro do Núcleo7 bet netEstudos7 bet netHistória Comparada Mundial (Commun).
"O valor roubado era altíssimo para a época", diz o historiador Clemente Penna, pesquisador da Universidade Federal7 bet netSanta Catarina (UFSC), que não encontrou7 bet netpesquisas nos jornais da época nenhum roubo com valor superior ao da alfândega.
Ele calcula que os 185 mil contos7 bet netréis seriam o equivalente a R$ 20 milhões, mas ressalta que a conversão7 bet netréis para reais é apenas uma estimativa por conta da dificuldade7 bet netcalcular a diferença7 bet netum longo período7 bet nettempo.
"Era um bocado7 bet netdinheiro, suficiente para comprar 150 trabalhadores escravizados, mais do que suficiente para tocar uma fazenda grande7 bet netcafé", explica Penna, vinculado à Fundação7 bet netAmparo à Pesquisa e Inovação do Estado7 bet netSanta Catarina (Fapesc).
"E o fato7 bet neto roubo ter acontecido na alfândega também é surpreendente, porque era um local com uma boa estrutura7 bet netvigilância."
Neste cenário com muito dinheiro circulando, Largacha virou o principal suspeito do crime, porque, além7 bet netter a única chave do cofre, foi alvo7 bet netuma acusação que o colocava na cena do crime.
Para a polícia, que ouviu mais7 bet net200 depoimentos, o assalto aconteceu assim: horas depois7 bet netguardar o dinheiro e ir embora, Largacha teria retornado ao prédio já vazio da alfândega e tentado abrir o cofre com uma chave micha, mas não conseguiu e usou7 bet netprópria chave para finalmente retirar o dinheiro.
Depois, segundo a acusação, ele teria mexido nas telhas e espalhado uma série7 bet netobjetos pelo local - tudo isso para simular uma invasão por alguém vindo7 bet netfora, situação que o tiraria do rol7 bet netsuspeitos, porque,7 bet nettese, ele não precisaria7 bet nettudo isso para furtar o dinheiro.
Mas nada aconteceu como parecia, descobriu Gama. Os objetos encontrados na sala foram essenciais para entender como Gama resolveu o mistério, como se verá mais adiante.
Bruno Lima acredita que Luiz Gama, que por anos trabalhou na polícia, se convenceu7 bet netque Largacha era inocente ao visitá-lo na cadeia7 bet netSantos, um prédio que existe até hoje na Praça dos Andradas, no Centro da cidade - atualmente, funciona no local um centro cultural.
"Luiz Gama já era um advogado famoso na época. Ele dizia ser um advogado7 bet netporta7 bet netcadeia, era conhecido por ganhar causas, e, provavelmente por isso, foi contratado pelo tesoureiro", diz Lima, que pesquisa a vida e a obra do abolicionista há mais7 bet netdez anos.
O cofre impenetrável
A acusação7 bet netque Largacha seria o autor do assalto acabou prevalecendo7 bet netduas instâncias da Justiça, e o tesoureiro foi condenado a quatro anos7 bet netprisão. Alguns depoimentos apontaram diretamente para ele.
Um deles foi dado pelo serralheiro alemão Adolpho Sydow, ouvido na condição7 bet netperito.
Segundo ele, o modelo7 bet netcofre da empresa britânica Hobbs & Co., comprado pelo Império para guardar o dinheiro recolhido no porto, "era impenetrável", nunca havia sido arrombado e só poderia ser aberto com a chave7 bet netLargacha.
Para Sydow, o ladrão da alfândega teria forçado a fechadura com uma chave micha, deteriorando as partes internas do cofre, mas, ao não conseguir atingir o objetivo, teria utilizado a chave original para acessar o dinheiro.
Luiz Gama contestou o laudo do serralheiro, afirmando que seu depoimento era uma "vergonha judiciária, deformidade legal, disparate forense e eterno atestado7 bet netimbecilidade". E não só: o abolicionista afirmou que Sydow não apenas teria mentido, como estava envolvido no crime.
Meses antes, o serralheiro havia sido contratado para fazer uma manutenção no cofre. Ou seja, segundo Gama, Sydow sabia muito bem como funcionava aquela caixa7 bet netaço7 bet netmais7 bet nettrês metros7 bet netaltura.
Gama também contestou a fama7 bet netque o cofre inglês era impossível7 bet netser arrombado. Para isso, usou uma reportagem da Revista Industrial7 bet netTurim, na Itália, publicada7 bet net1873, que relatou uma divertida história.
Em uma exposição industrial7 bet netLondres, narrou a revista, a fabricante prometeu um prêmio7 bet net200 libras a quem conseguisse abrir o cofre sem a chave original. "A empresa julgava ter descoberto a pedra filosofal", ironizou a revista italiana.
"Apareceu um serralheiro, que pouco se recomendava pelos modos, e menos ainda pelo trajo (roupa). Seguro7 bet netque obteria o prêmio no caso7 bet netêxito, deixou-se revistar. Levava consigo apenas alguns pedaços7 bet netarame", contou a publicação, anexada ao texto7 bet netGama.
Nos 30 minutos seguintes, o serralheiro abriu o cofre inglês com facilidade. "Achei que fosse coisa mais séria", brincou o trabalhador.
"Não se sabe como Gama teve acesso a essa revista, mas ele traduziu e usou a reportagem para provar que não era impossível arrombar o cofre. Pelo contrário, era relativamente simples: bastava um serralheiro habilidoso que produzisse uma chave micha", explica Lima.
O telegrama
Neste ponto da trama, é preciso apresentar outros personagens importantes: o engenheiro Luiz Manoel7 bet netAlbuquerque Galvão, empreiteiro rico e conhecido7 bet netSantos, e seu sócio e amigo íntimo, o imigrante alemão Rodolpho Wursten. Na época, a dupla era responsável por uma obra no prédio da alfândega.
Segundo testemunhas, já na manhã da segunda-feira seguinte ao roubo, Galvão teria espalhado um boato7 bet netque Largacha era o autor do crime.
Em seu depoimento, porém, o engenheiro se defendeu: "Não tenho por costume ocupar-me da reputação alheia, porque fui educado7 bet netprincípios inteiramente opostos a isto".
Foi seu amigo Rodolpho Wursten quem cometeu um erro crucial, notado por Gama, que causou uma reviravolta na história.
Além7 bet netempresário, Wursten era jornalista e correspondente do Jornal do Commercio, do Rio7 bet netJaneiro.
Às 11h daquela segunda-feira, ele enviou um telegrama ao jornal dando detalhes do assalto, como a exata quantia levada. Porém, essas informações só foram descobertas pela polícia depois.
"Como Wursten poderia saber o valor do assalto antes mesmo da própria polícia tomar conhecimento do caso?", questionou Gama em7 bet netnarrativa, notando que o horário do telegrama havia sido publicado no jornal.
Para o advogado, a resposta era simples: Wursten, seu amigo Luiz Galvão e o serralheiro e perito alemão Adolpho Sydow eram parte da quadrilha que havia planejado e executado o roubo. Gama apontou ainda que o trio conhecia muito bem o prédio e como funcionava o cofre.
"Está demonstrado, com incontestável evidência, que entre os boatos espalhados pelo dr. Galvão e aquele celebérrimo telegrama, há uma filiação misteriosa, uma trama sibilina, um plano preconcebido, cujo resultado é: responsabilizar o tesoureiro Largacha pelo roubo da alfândega", escreveu Gama.
A chave micha
Resta uma dúvida: como a quadrilha abriu o cofre? A resposta, a essa altura, parece fácil: com um serralheiro habilidoso. E esse último personagem também era imigrante alemão: Guilherme Kronlsin.
De volta à cena do crime, é importante recordar que ali, na sala do cofre, foram encontrados alguns objetos.
Entre outros7 bet netmenor importância, havia cédulas amassadas7 bet netréis, alicate, arames, pedaços7 bet netferro e um vidro7 bet netóleo7 bet netamêndoas com uma pena7 bet netgalinha dentro.
Analisando laudos e depoimentos, Gama concluiu que a quadrilha tentou abrir o cofre com uma chave micha, mas não teve sucesso, danificando algumas partes da fechadura.
Depois, o serralheiro Guilherme Kronlsin mediu os mecanismos internos da fechadura usando um arame e produziu outra chave ali mesmo, com pedaços7 bet netferro. A pena7 bet netgalinha foi usada para lubrificar a ferragem do cofre com o óleo7 bet netamêndoas, segundo Gama.
Com o dinheiro na mão, os ladrões deixaram tudo como estava e saíram do prédio pelo mesmo buraco no telhado por onde entraram.
O advogado também descobriu que, três dias após o roubo, Kronlsin e o empreiteiro Luiz Galvão "fugiram"7 bet netSantos7 bet netum navio com destino ao Rio7 bet netJaneiro.
Um informante contou que, quando a dupla entrou na embarcação, um funcionário do barco pediu para revistar uma mala que o alemão levava consigo.
Mas o serralheiro não permitiu a vistoria, dizendo que já havia sido inspecionado por um policial antes. Conseguiu passar.
"Gama não entrou7 bet netdetalhes, mas sugeriu que parte do dinheiro estava nessa mala", diz Bruno Lima.
O café
O final dessa história, na verdade, não é definitivo, porque não se sabe muito bem o que aconteceu com os personagens principais.
A imprensa logo mudou7 bet netassunto, e o caso caiu no esquecimento.
O tesoureiro Antonio Eustachio Largacha ficou dez meses na cadeia. Só foi inocentado e solto depois7 bet netLuiz Gama publicar7 bet netinvestigação.
O historiador Bruno Lima não encontrou mais processos relacionados ao caso. Provavelmente, os homens acusados por Gama como autores do crime nunca foram processados.
Segundo Lima, a vitória na Justiça reforçou ainda mais Gama como um advogado vencedor7 bet netprocessos difíceis.
"O caso Largacha deu uma projeção nacional a Gama, pois foi um crime conhecido no Brasil inteiro. A banca dele passou a ser ainda mais procurada, e ele assumiu muito mais processos", diz.
E o dinheiro? "Muito provavelmente, nunca foi recuperado", responde Lima.
Segundo ele, a fortuna era quase integralmente oriunda do sistema escravista que o próprio Gama combatia7 bet netvárias frentes, principalmente na Justiça e na imprensa.
"Nenhum lugar do mundo tinha mais gente negra escravizada do que a Província7 bet netSão Paulo na segunda metade do século 19. O que fazia o porto7 bet netSantos ser relevante no mundo era o escoamento do café, e o café brasileiro só conseguia ser competitivo no mercado internacional por causa da escravidão", diz Lima.
Em seu texto, Luiz Gama falou pouco sobre o dinheiro e não demonstrou qualquer interesse7 bet netrecuperá-lo.
Por outro lado, fez duras críticas à Justiça e ironizou a sociedade abastada da qual a quadrilha7 bet netassaltantes fazia parte.
"Está provado que os roubadores, os principais, são pessoas7 bet netelevada condição civil,7 bet netinteligência pouco vulgar,7 bet nettrato social, dotados7 bet netatividade, amestrados e7 bet netincontestável influência e prestígio."
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