'Meu pai tinha demência, casou-senovo, emulher sumiu com ele da minha vida':

Em 2014, Vincent vendeucasa,uma vila no CondadoSuffolk, na Inglaterra, onde morava desde a aposentadoria, e comprou uma nova casa a 48 kmdistância,Norfolk, para ficar pertoIris.

Carolyn suspeitava que Iris tentava separá-losua família, bem como da redeamizades que ele construra lao ongo dos anosSuffolk.

"Na verdade, foi muito angustiante para meu pai", diz ela.

"Lembro-meuma conversaque ela gritava com ele dizendo que meu pai não me amava. E ele dizia 'sim, claro que amo, ela é minha filha – claro que a amo'."

Vincent disse à filha que não conseguia entender por que ela e Iris não se davam bem.

O cunhadoVincent, Brian, diz que Vincent parecia feliz com Iris quando eles começaram a ficar juntos, mas que ficou preocupado ao ver como Carolyn estava sendo expulsa da vida do pai.

"Ele amava tantofilha, então, como ele se sentiu quando eles perderam contato, eu não sei, mas vi como Carolyn estava preocupada com isso", diz Brian.

A cunhadaVincent, Sheila, também tinha dúvidas sobre Iris.

"Ela não era muito simptica e não sei se ela pensava que [a famíliaVincent] competia com ela pela atenção dele", diz

“Mas ela parecia ter muito ciúme do relacionamentoCarolyn com o pai."

Carolyn também estava preocupada com a deterioração do estado mental do pai e com o fatoele apresentar sinais precocesdemência.

"Papai ficou mais frágil. Ele estava se esquecendofazer o seguro do carro, faltando a compromissos."

O preocupante declínio mentalVincent

Em 2018, Carolyn acompanhou Vincent a uma consulta com o médico da família, que avaliou um possível declínio cognitivo.

O teste foi inconclusivo, mas havia motivospreocupação, e o médico recomendou uma investigação mais aprofundada.

Mas Vincent não compareceu para a segunda consulta, e os acompanhamentos seguintes foram cancelados.

James Warner, médico especialista na área, diz que este é um problema comum.

"A maioria das pessoas com demência não sabe que tem demência", diz ele.

"Então, elas não vão ao médico dizer que algo está errado."

Enquanto isso, uma rápida sequênciaacontecimentos causava um temor crescenteCarolyn.

Vincent foi morar com Iris e, algumas semanas depois, ela o levou a um cartório para se casarem.

No entanto, a cerimônia não aconteceu porque o escrivão estava muito preocupado com a saúde mentalVincent.

"Ele não conseguia responder nem mesmo a perguntas básicas sobre seu próprio endereço, a datanascimento da noiva, onde ou quando deveria se casar", diz Carolyn.

Mesmo assim, naquela mesma semana, Carolyn soube que Iris havia conseguido uma procuração para representar Vincent.

Ela agora tinha o direito legalagirseu nome tantoassuntos financeiros e patrimoniais, comoquestõessaúde e bem-estar.

Qualquer pessoa que cede uma procuração deve ter capacidade mental suficiente para compreender as consequências do que está fazendo e não deve ser coagida a assinar. Mas o sistema é passívelabusos, diz Warner.

"Tive um casoque me pediram para avaliar a capacidadealguém para assinar uma procuração duradoura para propriedades e finanças", conta o médico.

"Minha conclusão foi que a pessoa não tinha capacidade mental. E a família disse: 'Não se preocupe, vamos conseguir outra pessoa para autorizar'."

Em poucos dias, a casaVincent foi posta à venda. Mas o pior estava por vir – algo que Carolyn nunca havia previsto.

Iris reclamou à polícia que Carolyn estava assediando Vincent e que ele não queria mais nada com a filha.

"A polícia [me disse] que eu não poderia entrarcontato com meu pai novamente, porque estava abusando dele", diz Carolyn.

"Ligueivolta e perguntei: vocês podem me dizer exatamente o que eu supostamente fiz? E eles não sabiam."

Carolyn estava preocupada com o bem-estar do pai, mas a ligação da polícia – e a ameaçanovas medidas contra ela – a deixou receosaligar para ele.

No início2019, ela recebeu um email do pai informando que ele havia sido hospitalizado após uma queda.

Nem Carolyn nem qualquer outro parente foram informados sobre o acidente.

Durante uma visita a Vincent no hospital, ela testemunhou Iris lhe dizendo que ele tinha que escolher entre a família e ela.

'Fiquei sem saber se ele estava vivo por anos'

Pouco depois, Carolyn foi informadaque – apesarter sido diagnosticado com demência enquanto estava no hospital – o pai havia assinado um documento impedindo que qualquer informação fosse compartilhada com a filha.

Alguns meses depois, ela foi informadaque a casa dele havia sido vendida, e seus bens retirados dali.

Nos anos seguintes, a família e os amigosCarolyn tentaram ligar para a casaIris para falar com Vincent.

Ouviam sempre que ele havia saído, estava dormindo ou que não queria conversar – e, então, o telefone era geralmente desligado na cara deles.

"Enviamos cartõesaniversário eNatal, na esperançaque chegassem a ele", diz Carolyn.

"Soubemos mais tarde que nenhum desses cartões jamais chegou até ele. Ele não tinha ideiaque as pessoas ainda tentavam contactá-lo."

Carolyn não viu nem teve notícias do pai por quase quatro anos. Durante algum tempo nem sabia se ele estava vivo.

Em maio2022, Carolyn descobriu que Iris havia morrido. Os parentes tentaram, sem sucesso, entrarcontato com a família dela para descobrir onde Vincent estava.

Quando o escrivão confirmou a morteIris para Carolyn, ela viu que seu pai não estava mais listado como morando no endereço dela. Mas onde ele estava?

Sheila ligou novamente para a casaIris, e um homem disse que "não poderia ajudá-la".

A família alertou a Unidade NacionalPessoas Desaparecidas do Reino Unido, e Carolyn iniciouprópria busca por Vincent.

A cada três meses, ela verificava a nova atualização do registro nacionalóbitos na esperançanão ver ali o nomeseu pai. "Foi angustiante", diz ela.

"Mas eu tinha que continuar procurando. Precisava saber se meu pai havia morrido, pelo menos isso seria um desfecho para essa história."

Carolyn também começou a consultar o registro eleitoral.

Ela não conseguiu encontrar os dados do pai na internet, então, recorreu ao registro completo mais detalhado, mantidopapel na Biblioteca Britânica,Londres.

Carolyn e seu marido começaram a vasculhar os nomes e endereçostodosNorfolk – onde Vincent havia moradoseu último domicílio conhecido.

Com 700 mil eleitores registrados ali2022, não foi uma tarefa fácil.

O reencontropai e filha

Por quase uma semana, eles verificaram cada página dos registros, e, então, Carolyn viu finalmente o nome do pai associado a "uma pequena casarepouso no meio do nada".

Carolyn diz que foi um dos momentos mais felizessua vida: "Os bibliotecários tiveram que me dizer para ficar quieta... porque eu estava correndo e gritando: 'Eu o encontrei, eu o encontrei!'"

Ela descobriu que Vincent havia sido levado a uma casarepouso assim que as restriçõescirculação por conta da pandemiacovid-19 começaram.

Mais tarde, ele foi transferido para outro laridosos.

Quando Carolyn chegou, ela quase não viu nenhum objeto pessoal no quarto dele, e a equipe disse que ele recebia poucas visitas.

"Restava apenas uma única pintura vinda da casa dele, não tinha uma única foto da família", diz ela.

"Os funcionários da casarepouso não sabiamseu amor pela ópera, não faziam ideiaque ele tinha uma filha e uma enorme redepessoas que o amavam e estavam muito preocupadas com ele."

Quando o pai dela a viu, ele agitou os braços no ar e gritou: "Surpresa!" – foi tudo o que ele conseguiu dizer.

Sua demência estava tão avançada que ele não conseguia se comunicaroutra forma. Mas foi o suficiente para Carolyn, que correu até a cama e o abraçou.

"Nunca vou esquecer aquilo. Eu estava muito nervosa porque pensei que ele poderia não me reconhecer depoistodo aquele tempo", diz ela.

"Mas ele não conseguia pararsorrir, ele tinha um sorriso enorme, sabe. Foi simplesmente adorável. Foi inacreditável, realmente."

Carolyn continua tentando entender o que aconteceutodos aqueles anos.

Em 2012, Vincent tinha uma poupança50 mil libras (R$ 308 mil) e uma casa no valor250 mil libras (R$ 1,5 milhão).

Quando foi encontrado2022, ele não tinha casa, tinha poucos bens e 83 mil libras (R$ 512 mil) no banco.

A BBC procurou a famíliaIris para comentar sobre o caso, mas não recebeu resposta.

A experiência do que aconteceu com o pai levou Carolyn a acreditar que são necessárias maiores proteções legais para idosos vulneráveis.

Carolyn diz que, se seu pai tivesse sido capazantecipar e planejar o que poderia acontecer com ele ou se tivesse sido diagnosticadoforma precoce e talvez feito uma procuração antecipadaseu favor para protegê-lo, teria sido mais difícil afastá-lo dela e da família.

Ela também está preocupadaque uma nova Lei do PoderProcuração, que visa agilizar o processo na Inglaterra e PaísGales, possa tornar os idosos britânicos mais vulneráveis.

Vincent morreujunho deste ano, seis meses após se reencontrar com a filha.

"Conseguimos fazer um memorial muito simples no mesmo local onde mamãe está enterrada", diz Carolyn.

"Quase parecia que estes últimos cinco anos não tinham acontecido."

Ela diz que as pessoas perguntam como ela seguiufrente ao longo desse período. Ela diz que foi porque Vincent era seu pai.

"Eu não iria deixá-lo morrer pensando que eu tinha paradoquerer vê-lo eme preocupar com ele", diz ela.

"Ele cuidoumim durante toda minha vida, e eu nunca quis que ele pensasse que o abandonei."