A cidade que garante guardar o verdadeiro Santo Graal:
No entanto, dentre todos da lista que pesquisei, o cáliceValência invariavelmente ocupa o primeiro lugar. Ele atrai peregrinostodo o mundo e foi usadocerimônias pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Ansioso pela oportunidadeseguir os passosSir Galahadminha própria busca pelo Graal, vim até aqui para descobrir o que torna este cálice tão especial entre tantos outros.
Entrei na Capilla del Santo Cáliz (a capela do cálice sagrado), que estava vazia. Embora não tenha planejado, cheguei à catedral no meio da missa do SábadoAleluia, o dia antes ao DomingoPáscoa. Por isso todos os visitantes estavam preocupados com a cerimônia no cômodo ao lado. Um único feixeluz vinhaum vitral acima do altar. O distante sussurrar do coro gregoriano era o único som na capela. Embora eu tenha vindo ao local mais como um pesquisador do que como um peregrino, foi difícil não ser levado pelo solene silêncio do momento.
Cálice simples
Quando me aproximei do altar para observar o cálice maisperto, notei que ele era bem mais elaborado do que pensara. Com duas enormes alçasouro e uma base incrustadapérolas, esmeraldas e rubis, o cálice imediatamente me encheuincredulidade. Pois qualquer um que tenha visto "Indiana Jones e a Última Cruzada" deve lembrar que o Santo Graal seria algo bem simples - um cáliceum carpinteiro.
Fui informado depois por uma das atendentes fora da sala que a relíquia verdadeira é meramente a peça no topo, uma taça lavrada com ágata e polida com mirra. As alças e a base, que têm marcas do artesanato medieval, foram adicionadas muito mais tarde. Com meu ceticismo temporariamente amenizado, voltei-me para a tarefadescobrir como essa taça supostamente fez a viagemJerusalém, onde se acredita que a Última Ceia ocorreu, até a costa leste da Espanha.
Comotodas as histórias dos pretendentes do Graal, essa também é complicada. Uma atendente da catedral deu uma explicação básica sobre como o cálice fez a viagem há 2 mil anos:
"São Pedro, o primeiro papa, levou-o para Roma", ela explicou. "Os papas eram os únicos que podiam celebrar as missas, então São Pedro e o resto dos papas usavam o Graal na eucaristia, considerando-o como aquele usado por Cristo. Depois, quando o Imperador Valeriano começou a perseguir os cristãos (a partir257 aC), ele foi enviado a Huesca, Espanha, porque Roma não era mais segura".
Ela continuou explicando que o cálice supostamente ficouHuesca por algumas centenasanos. No século 8, durante a conquista árabe na Península Ibérica, ele foi levado, por medoser roubado, para um mosteiro ao na beiraum penhascoSan Juanla Peña, no norte da Espanha.
Pagamentodívida
As contas desses primeiros mil anosjornadas do Graal estão além da capacidadeverificaçãoqualquer um. Os registros mais confiáveis aparecem1399, quando o cálice se tornou parte do relicário real do rei MartinhoAragão. De acordo com os registros da catedral, depois que Afonso, o Magnânimo, assumiu o trono1416, o relicário foi transferido para Valência e depois entregue à catedral como pagamentouma dívida. Embora o cálice tenha sumido outras vezes por conta da guerra, ele acabou voltando à CatedralValência1939 - desta vez para sempre.
Embora seja um relato elaborado, a história por si só não foi suficiente para me convencerque aquele era o verdadeiro graal. Afinalcontas, quase todos os pretendentes ao Graal apresentam histórias complexas sobre como a relíquia foi transportada atravésmares e montanhas. Como nenhuma delas pode ser verificada, o que fez tantos acreditarem que esse é o único?
O principal detalhe que distancia o cáliceValência dos demais é seu estilo e formato. O arqueólogo espanhol Antonio Beltrán, que estudou o cálice1960, explica que seus traços remetem a um período entre os séculos 2 aC e 1 dC, provavelmenteuma oficina do Oriente Médio. A avaliação arqueológica sugere que a taça se encaixa nos parâmetros, pelo menos geográfica e cronologicamente. Embora isso esteja longeser uma prova definitiva, a descoberta certamente conta a seu favor.
Artefato lendário
Enquanto olhava para a taçaágata emproteçãovidro, um pensamento continuava a ocupar minha cabeça. Se este erafato o Santo Graal, um dos artefatos mais lendáriostodos os tempos, seria assim tão fácil? Esta era supostamente a taça procurada,tempostempos, pelos heróis e só encontrada por aquelescoração mais puro. No entanto, aqui estava, não enterrada nas profundezasalguma caverna distante, e sim repousando no centro da cidade, cercado por cafés cheiospessoas casualmente tomando expressos.
Quando me dirigia para a saída, perguntei a uma das assistentesopinião. Afinal, será que as histórias das incessantes buscas pelo Santo Graal não tinham sido manchadas pelo fatoque ele estava aqui simplesmente para todo o mundo ver?
"Eu acho que o mistério continua", ela disse com um sorriso que me fez sentir que não era a primeira vez que ela ouvia a pergunta. "Afinal, este não é o único Santo Graal na Espanha. Você tem que escolher qual é o real para você".
Depois, enquanto pesquisava sobre o assunto, entendi o que ela queria dizer. Em 2014, dois historiadores publicaram "Kings of the Grail" (Reis do Graal,tradução livre), um livro no qual afirmam terem encontrado o verdadeiro Graal na BasílicaSan IsidoroLeón, no norte da Espanha. A dupla citou como fontesua descoberta dois manuscritos egípcios achados na época. Assim como o cáliceValência, o novo pretendente tinha uma história detalhada por trás e também foi cientificamente datado no prazo apropriado.
Embora a nova descoberta ponhadúvida o cáliceValência, não pude deixarsentir uma estranha sensaçãoconfiança. Para mim, a verdadeira maravilha do Santo Graal nunca esteve na descoberta, mas na busca. O tesouro não é o cálice, mas as histórias que criamos ao longo do tempo. Senti-me felizsaber que, enquanto novos competidores continuarem a aparecer, o mistério irá perdurar, a lenda sobreviverá e a busca pelo Santo Graal continuará.