A ameaça invisível à vida das baleias nos oceanos:

Uma das espécies animais mais ameaçadas do mundo: orca residente do sul nada no litoral da ilha San Juan, no EstadoWashington (Estados Unidos)

Crédito, M. Malleson/Getty Images

Legenda da foto, Uma das espécies animais mais ameaçadas do mundo: orca residente do sul nada no litoral da ilha San Juan, no Estado americanoWashington

Animais marinhos como as baleias usam o som para fazertudo, desde comunicar-se e viajar até procurar alimento e encontrar ambientes seguros.

"O som viaja mais rápido e mais longe na água que no ar e os animais marinhos se aproveitam disso", afirma Lucille Chapuis, ecologista sensorial da UniversidadeExeter, no Reino Unido.

Mas isso também significa que o zumbido quase constante da poluição sonora subaquática, como o causado pelo tráfego dos navios, pode prejudicar muito o seu modovida. "Nos últimos 50 anos, o aumento da navegação fez crescer30 vezes o ruídobaixa frequência existente ao longo das principais rotas marítimas", afirma Chapuis.

Imagine seu vizinho no andarcima reformando seu apartamento e vocêuma importante apresentação profissionaluma chamadavídeo. Você terá muita dificuldade para ouvir e comunicar-se com seus colegas para fazer um trabalho adequado.

É isso que os animais marinhos que vivem ou migram perto dos ruídos humanos precisam suportar na maior parte do tempo.

Há décadas, cientistastodo o mundo vêm estudando o impacto que esses ruídos podem causar sobre os animais marinhos. Agora, eles estão começando a identificar medidas que, se forem amplamente adotadas, poderão salvar muitas espécies dos impactos dessa poluição menosprezada.

Problema ressonante

O ruído oceânico causado pelos seres humanos vemuma enorme variedadefontes, que vão desde os sonares militares e o pousoaeronaves até a construçãofazendas eólicasalto-mar e pesquisas sísmicas para exploraçãopetróleo e gás. Mas a fonteruídos mais comum são os navios, especificamente suas hélices.

Quando as hélices dos navios — especialmente dos mais antigos — giramalta velocidade, elas podem criar quedapressão no lado oposto, atrás da hélice, o que resultauma grande quantidadebolhas e ruídosbaixa frequência. Este efeito é conhecido como cavitação.

A cavitação também reduz a eficiência dos navios, já que a hélice consome muita energia e parte dela não ajuda a impulsionar o navio para frente.

O sombaixa frequência tem longo alcance e pode prejudicar as comunicações entre os animais marinhosuma área muito grande. Os golfinhos-nariz-de-garrafa, por exemplo, usam todo tiposons para comunicar-se entre si.

Alguns desses sons podem ser detectados por outros golfinhos a mais20 kmdistância e são frequentemente prejudicados pelos ruídosorigem humana.

Pesquisador instala um hidrofone sobre um recifecoral na ilhaSulawesi, na Indonésia

Crédito, Tim Lamont/UniversidadeExeter

Legenda da foto, Pesquisador instala um hidrofone sobre um recifecoral na ilhaSulawesi, na Indonésia

"Descobrimos que os golfinhos ajustam seus chamados quando há ruídos na água, muito provavelmente para poderem ser ouvidos com mais clareza por outros golfinhos", explica Helen Bailey, professorapesquisa do CentroCiências Ambientais da UniversidadeMaryland, nos Estados Unidos. "Parece quando gritamos mais alto para falarum bar barulhento."

"Ajustar", para ela, significa amplificar, como qualquer pessoa tentaria fazer para transmitir uma mensagem com muito ruído ambiente.

Em um estudo sobre o assunto liderado por Bailey2018, pesquisadores gravaram, no oeste do Atlântico Norte, os ruídos subaquáticos com até 130 decibéis (o mesmo níveluma autoestrada movimentada), causados principalmente pelo tráfegonavios. Se os golfinhos estiverem tentando comunicar-se frequentemente com essa interferência, podemos concluir com segurança que grande parte dessas comunicações é perdida.

Sonsbaixa frequência crônicos também prejudicam a capacidade dos jovens peixesencontrar suas casas. Os peixes jovens usam o som para escolher seu ecossistema marinho ideal. Eles buscam encontrar um conjuntosons diversificado, que indique abundânciarecursos com muitas espéciesvida diferentes. Mas, quando os ruídosorigem humana bloqueiam esses sons naturais, os peixes podem acabarambientes inóspitos.

E, ao mesmo tempo, a descoloraçãomassa dos corais está matando os frágeis sistemasrecifes, o que reduz a quantidadevida e a produçãosons naqueles locais para atrair os peixes jovens — um ciclo prejudicial que se retroalimenta e pode perturbar ainda mais a capacidaderecuperação dos recifes.

Sons que vibram por todo o corpo

A poluição sonora é um problema particular para as baleias, que usam regularmente os sons para comunicar-se entre si. Um estudo2012 envolvendo baleias-azuis concluiu que os sonsmédio alcance dos sonares dos navios sobrepõem-se aos seus chamados, forçando-as a repeti-los como se estivessem perdendo a conexãoum telefone celular.

"[Isso] realmente agita o mundo das baleias", explica Rob Williams, biólogo marinho e fundador da ONG Oceans Initiative, que trabalha para promover a vida marinha. Williams acredita que o ruído oceânicoorigem humana é uma ameaça tão grande para as baleias quanto o desmatamento para o urso-cinzento. Ele ataca fundamentalmente todos os aspectos do seu modovida.

"Acho que o som é tão importante para as baleias quanto todos os nossos sentidos somados", afirma ele. "[Elas] podem senti-lo vibrando por todo o corpo."

Cantobaleias gravado no litoral da Califórnia, nos Estados Unidos. (Crédito: John Hildebrand)

Ruídonavio cargueiro gravado no litoral da Califórnia, nos Estados Unidos (Crédito: John Hildebrand)

Ruídonavio gravado na Grande BarreiraCorais, na Austrália. (Crédito: Lucille Chapuis)

Williams passou décadas estudando as orcas, incluindo as orcas residentes do sul, no nordeste do Oceano Pacífico, que estão entre as espécies animais mais ameaçadas do mundo, devido ao declínio das fontesalimento, à poluição e aos ruídos oceânicos.

Ele foi um dos autoresum estudo2017, que concluiu que os ruídos oceânicosorigem humana podem fazer com que as orcas se alimentem menos que o normal (sem a presença dos ruídos).

"Estamos demonstrando que, quando os barcos estão muito perto e fazem barulho, as orcas passam 18-25% menos tempo se alimentando do que sem a presença deles", explica ele. Williams afirma também que a equipe concluiu que os chamados das orcas atingiam apenas cerca62% da distância que alcançariamum ambiente marinho sem barcos e navios.

O ruído oceânico também prejudica a capacidade das orcaspescar o salmão-rei e o arenque, suas principais fontesalimento. Um estudo recente avaliou o comportamento dessas duas espéciespeixe e concluiu que eles muitas vezes reagem ao ruído dos navios como se fossem predadores, fugindo ou mudando seus padrõesmigração, o que dificultapesca pelas orcas.

Golfinhos-nariz-de-garrafa

Crédito, A. Rosenfeld/Getty Images

Legenda da foto, Os sons dos golfinhos-nariz-de-garrafa podem ser detectados por outros golfinhos a mais20 kmdistância, mas são afetados pela poluição sonora oceânica

Os ruídos produzidos pelo ser humano também afetam outros peixesformas diferentes.

Um estudo2016 concluiu que os peixes-donzela ouvem menos a aproximação dos seus predadores na presençaruídosbarcos a motor, o que aumenta a possibilidadeserem comidos. De fato, predadores comeram mais que o dobropeixes durante a passagembarcos a motor do que naausência, o que sugere que o ruídoorigem humana está diretamente relacionado a um aumento da mortalidade dos peixes.

É difícil determinar exatamente o tamanho do prejuízo causado pelos ruídosorigem humana a toda a vida oceânica, pois aparentemente ele afeta algumas espécies mais do que outras. Mas a maior parte dos estudos sobre o assunto indica que a interferência auditiva inibe a capacidade dos animais marinhosouvir e reagir a sons biológicos — o que, porvez, reduzcapacidadesobrevivência.

E, no casoespécies ameaçadas, como a orca residente do sul, especialistas como Williams acreditam que esse impedimento poderá acabar causando a rápida extinção da espécie.

Fácil solução?

Felizmente, o problema do ruído oceânico é uma das poucas fontespoluiçãoorigem humana que apresentam diversas soluções relativamente simples.

O som emitido pelos navios é,longe, o principal culpado. Por isso, os conservacionistas acreditam que ele deve ser resolvidoprimeiro lugar.

Uma das soluções mais fáceis é simplesmente reduzir a velocidade do tráfegobarcos e navios ao atravessar áreas ricasvida marinha. E essa mesma estratégia pode também ajudar a reduzir as emissõescarbono dos navios.

Os principais portos do noroeste do Pacífico, nos Estados Unidos, e Vancouver, no Canadá, já estabeleceram programasredução da velocidade dos navios. E um estudo recente concluiu que esse esforço está trazendo diferenças significativas.

"Algo simples como reduzir a velocidadealguns nós traz uma queda importante do nívelruído. E demonstramos recentemente que não apenas reduz o nívelruído, mas, quando os navios diminuem a velocidade, as orcas se alimentam mais", afirma Williams.

Ao contráriooutros esforçosconservação, que podem exigir anosdesenvolvimento, programasreduçãoruídos como este são relativamente simples e seu impacto pode ser verificado rapidamente.

"Não precisamos esperar décadas para resolver isso", ressalta Williams. "A belezatrabalhar com o ruído oceânico é que, se reduzirmos a fonte, [os benefícios] surgem imediatamente."

Williams acrescenta que afastar as rotasnavegação das áreas povoadas por espécies sensíveis, como as orcas, também pode trazer benefícios. Mas, para que os esforçosredução dos ruídos tenham maior efeito sobre a vida marinha, eles precisarão ser apoiados por políticas públicas abrangentes.

Reduzir a velocidade dos navios é um bom começo, mas os cientistas concordam que os navios, na verdade, precisam ser construídos e reequipados com a redução do ruídomente. Uma primeira etapa nessa direção pode ser a mudança das exigências para a construçãonavios, fazendo com que as partes que fazem mais barulho, como o motor e a hélice, sejam projetadas para que se tornem mais silenciosas.

"A Marinha, por exemplo, aprendeu como fazer, mas isso [ainda] não foi exigido dos navios comerciais", afirma Hildebrand.

Peixe-donzela

Crédito, E. R. Degginger/Alamy

Legenda da foto, Estudos demonstraram que o peixe-donzela fica mais sujeito a virar alimento na presençaruídosmotoresbarcos, que o impedemouvir os predadores

A Organização Marítima Internacional (OMI) também assumiu como parte damissão a construçãonavios mais silenciosos — e,2014, publicou orientações simples a serem seguidas pelos engenheiros e fabricantes.

Porém, ONGs como a WWF observaram que as orientações voluntárias estabelecidas pela OMI tiveram pouca eficiência na redução do ruído oceânicoorigem humana e estão pedindo limitações obrigatórias.

A porta-voz da OMI Natasha Brown afirma que as orientações da organização estão atualmente sendo revisadas, o que oferece uma oportunidade para que os Estados-membros e as ONGs apresentem propostas para ações e esforços adicionais sobre o ruído subaquático. "Já medidas obrigatórias precisariam viruma propostaum ou mais Estados-membros [da OMI]", segundo ela.

A reconfiguraçãonavios já existentes também ajudaria a reduzir o ruído oceânico. Seus custos tendem a ser mais altos que o ajusteprojetos e partes para navios novos, mas pode valer a pena se forem examinados apenas os navios mais problemáticos.

Um dos estudosWilliams sobre os ruídos emitidos por uma frota1.500 navios concluiu que 50% dos ruídos vinhamapenas 15% das embarcações. Por isso, reconfigurar apenas esses navios com novas hélices redutorasruído faria uma diferença significativa no impacto sonoro geral da frota.

A criaçãoincentivos financeiros para que as companhias privadas construam, comprem e operem navios mais silenciosos pode ser outra medida útil. Ajustesdesign já disponíveis no mercado, como hélices que reduzem a cavitação, podem também tornar os navios mais eficientes e reduzir as emissõescarbono, segundo Williams. Para empresas que desejarem ser mais verdes, esse benefício adicional pode influenciar as decisões.

Promoção do silêncio

Embora o ruído dos navios seja a forma mais comumruído oceânicoorigem humana, outras fontes também criam problemas.

Uma delas é a construção e operaçãofazendas eólicasalto-mar. Muitas dessas estruturasgrande porte são construídas com bate-estacas, que podem causar altos pulsos ou estrondos subaquáticos.

Sons mais intensos oufrequência mais alta como esses podem causar mais danos imediatos à vida marinha próxima que os sons mais crônicos,frequência mais baixa, segundo John Hildebrand, professoroceanografia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ele afirma que "em intensidades mais altas, o ruído pode criar danos fisiológicos".

Uma formareduzir esses ruídos é criar uma cortinabolhasvolta desses locais. É exatamente o que parece, "um conjuntobolhas que formam quase uma parede e bloqueiam parte do som emitido por uma fonte", explica Helen Bailey.

Mas Lucille Chapuis ressalta que a operação das fazendas eólicas também produz "um som constantebaixa frequência, que pode representar uma fonte crônicaruído, mesmo se os níveis não forem tão altos". Alguns pesquisadores argumentam que esse ruído deve ser considerado no planejamento dos locais onde as turbinas eólicas serão instaladas e também nas avaliaçõesimpacto ambientalprojetos específicos.

Os aviões também podem produzir ruídos subaquáticos significativos, especialmente durante decolagens e aterrissagens frequentesaeroportos pertocorpos d'água. Mudar as pistas dos aeroportos para mais longe das áreas que abrigam vida marinha sensível pode ajudar a reduzir esse problema.

Os sonares militares são outra fonteruídos oceânicosorigem humana que podem ser tão parecidos com os chamados das baleias que as confundem, levando-as a perder seu sensodireção. Acredita-se que esta seja uma das razões que levam as baleias a encalhar nas praias.

Uma possível solução é que os militares reduzam a necessidadeusosonares, interceptando sons naturaisanimais marinhos como formadetectar possíveis ameaças subaquáticas.

A mineração subaquáticabuscacombustíveis, como petróleo e gás, também pode gerar estrondos no oceano. Às vezes, as equipesescavação detonam grandes explosões ou usam canhõesar sísmicos com grandes estrondos para perfurar o leito oceânico.

John Hildebrand argumenta que são necessárias restrições para a exposiçãoanimais marinhos a ruídos, "mais ou menos da mesma forma que a OSHA [a AdministraçãoSegurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos] limita a exposição humana a altos níveisruído".

Essas restrições podem incluir limitaçõesdecibéiscertos pontoscorpos d'água onde existem habitats marinhos vulneráveis, regulamentadas pelas agências ambientais dos governos, como a AgênciaProteção Ambiental (EPA, na siglainglês) dos Estados Unidos.

Essas agências poderão também fornecer guias para que diferentes setores possam reduzir suas emissões sonoras. O ruído das pesquisas sísmicas, por exemplo, pode ser reduzido liberando o arimpulsos mais contínuos efrequência mais baixa, por maiores períodostempo. Esse processo é chamadovibroseis marinho.

Hidrofone capta sonscachalotes perto da ilha do Pico, nos Açores

Crédito, wildestanimal/Getty Images

Legenda da foto, Hidrofone capta sonscachalotes perto da ilha do Pico, nos Açores

Concentrar-seuma fontepoluição sonora oceânica ouuma espécie prejudicadacada vez não fará muita diferençaescala global. Mas levarconta o impacto ambiental mais amplo, criando um planoação multidisciplinar, pode trazer grandes benefícios.

E, para melhor determinar quais progressos estão sendo alcançados e onde ainda é preciso ampliar esse trabalho, é preciso monitorar os sons ao redor do mundo. Hildebrand defende um sistema globalmonitoramento permanente dos ruídos oceânicos, que seja acessível a qualquer pessoa,qualquer lugar.

Esse sistema permitiria que os pesquisadores rastreassem melhor cada alteração — e os políticos ou ativistas que desejassem defender mudanças das normas vigentes também poderiam facilmente fazer referência a áreas problemáticas,tempo real.

A pesquisa dos sons ambiente do oceano ainda é um campo relativamente novo, mas os cientistas que se dedicam a ela estão sempre procurando formasconseguir mais dados e, o que é melhor, tecnologiaescuta mais acessível.

"Nós desenvolvemos este kitprospecção acústica e podemos dar a uma pessoa uma maleta durável à prova d'água que custa US$ 1 mil (cercaR$ 5,3 mil) para fazer gravações locaispartes remotas do mundo", explica Williams.

Chapuis afirma que os cientistas também estão incentivando ativamente o desenvolvimentogravadores subaquáticosbaixo custo para novas pesquisas,forma que mais pessoas possam descobrir "os sons fascinantes que podem ser ouvidos debaixo d'água".

Enquanto os seres humanos viverem, os ruídos que eles causam provavelmente serão parte do ambiente sonoro dos oceanos. Mas, como qualquer outro tipopoluição, o ruído oceânico precisa ter regulamentações significativas, se quisermos evitar a retração do mundo regido pelo som dos animais marinhos.

- Este texto foi publicadohttp://vesser.net/vert-fut-62346037

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