A megausinaenergia solar encravada no deserto que pretende abastecer a Europa:
Alémsuprir as demandas domésticasenergia, o Marrocos espera um dia poder exportar energia solar à Europa. Essa usina tem o potencial para ajudar a definir o futuro energético da África e do mundo.
No dia da visita da reportagem da BBC, porém, o céu estava cobertonuvens. "Nenhuma eletricidade será produzida hoje", disse Rachid Bayed, da Agência MarroquinaEnergia Solar (Masen, na siglainglês), responsável por implementar o projeto.
Um dia"folga" não os preocupa. Atualmente, a energia solar está sendo adotada por vários países que passaram a vê-la como a mais abundante fonteenergia limpa.
Essa usina marroquina é apenas uma entre várias outras na África, e outras parecidas estão sendo construídas no Oriente Médio, na Jordânia, nos Emirados Árabes Unidos e na Arábia Saudita. O custo cada vez menor da energia solar a tornou uma alternativa viável mesmo nas regiões mais ricaspetróleo do mundo.
Noor 1, a primeira fase da usina marroquina, já ultrapassou expectativastermosquantidadeenergia produzida. É um resultado encorajador para o objetivo do Marrocosreduzir a produçãocombustíveis fósseis ao focarenergias renováveis e ainda assim atender às necessidades domésticas, que crescem7% todos os anos.
A estabilidade do governo e da economia do Marrocos ajudou o país a conseguir investimento da União Europeia, que financiou 60% dos custos do projeto Ouarzazate.
O país planeja gerar 14%sua energia através do sol até 2020 e acrescentar outras fontes renováveis como vento e água ao plano com o objetivoproduzir 52%sua própria energia até 2030.
Isso torna o Marrocos mais ou menos alinhado com países como o Reino Unido, que quer gerar 30%sua eletricidade atravésenergias renováveis até o fim da década, e os Estados Unidos, onde o ex-presidente Barack Obama havia determinado índice20% até 2030.
Donald Trump ameaçou cortar o financiamento às energias renováveis, mas talvez suas ações não tenham grande impacto, já que muitas políticas são controladas por Estados e que grandes companhias já começaram a adotar fontes mais limpas e baratas.
Os refletores da usina geralmente podem ser ouvidos enquanto eles se movem para seguir o sol como um campo gigantescogirassóis. Os espelhos filtram a energia do sol e esquenta um óleo sintético que segue por uma redecanos.
As temperaturas podem chegar a 350ºC e o óleo quente é usado para produzir vaporeságuaalta temperatura, alimentando um gerador movido a turbinas. "É o mesmo processo dos combustíveis fósseis, só que usamos o calor do sol como fonte", diz Bayed.
A usina continua gerando energia mesmo após o pôr do sol, quando a demanda chega ao pico. Parte dessa energia é guardadareservatórios feitosnitratosódio e potássio, o que mantém a produção por até mais três horas. Na próxima fase da usina, a produção continuará por até oito horas após o sol se pôr.
Alémaumentar a produçãoenergia do Marrocos, o projeto Ouarzazate está ajudando a economia local. Cerca2 mil funcionários foram contratados durante os dois anos iniciais da construção, sendo que muitos deles são marroquinos.
Estradas foram construídas para criar acesso à planta e conectá-la às cidades mais próximas, ajudando as crianças a chegar até a escola. Além disso, uma grande quantidadeágua foi levada ao complexo atravésencanamentos, dando acesso a água para mais 33 vilarejos.
Masen também ensinou práticas sustentáveis a fazendeiros da área. No pequeno vilarejoAsseghmou, a 48 km da cidadeOuarzazate, a forma como ovelhas são criadas mudou.
A maioria dos fazendeiros ali dependiamm apenassua experiência, mas agora estão entrandocontato com técnicas mais confiáveis, como simplesmente separar os animaissuas gaiolas, o que está aumentando a produtividade.
A Masen também doou ovelhas para criação a 25 fazendas. "Agora eu tenho mais segurança nos alimentos", diz Chaoui, donouma fazenda local. Eamendoeira está prosperando graças às dicascultivo.
Ainda assim, alguns locais se preocupam com a usina. Abdellatif, que viva na cidadeZagora, 120 quilômetros ao sul dali, onde há taxas mais altasdesemprego, acha que Masen deveria se concentrarcriar empregos permanentes.
Ele tem amigos que foram contratados para trabalhar lá, mas apenas por alguns meses. Uma vez que entraroperação total, a usina empregará entre 50 e 100 funcionários, apenas. "Os componentes da usina são feitos no exterior, mas seria melhor produzi-los aqui para gerar trabalho contínuo para os moradores locais", diz.
Um problema maior é a enorme quantidadeágua que a usina utiliza da represaEl Mansour Eddahbi. Nos últimos anos, a escassezágua tem sido um problema na região semidesértica e houve cortes no fornecimento.
A agricultura ao sul do Vale Draa depende da água da represa - ocasionalmente despejada no rio local, que geralmente é seco. O coordenador da usina, Mustapha Sellam, diz que a água usada pelo complexo representa 0,05% do abastecimento, pouco comparado àcapacidade.
Ainda assim, o consumo da usina é o bastante para fazer uma diferença na vida dos fazendeiros locais, que já enfrentam dificuldades. É por isso que a usina está tentando reduzir a quantidadeágua que consome, utilizando ar pressurizado para limpar os espelhos.
Além disso, a água usada para resfriar o vapor produzido pelos geradores é reutilizada para produzir mais eletricidade.
Há novas sessões da usinaconstrução no momento. A Noor 2 será parecida com a 1, mas a 3 terá um design diferente. Em vezespelhos enfileirados, ela vai capturar e guardar a energia solar atravésuma torre única, que acredita-se ser mais eficiente.
Sete milharesespelhos retos serão dispostos ao redor da torre para capturar e refletir os raiossoldireção a um capturador no topo dela, usando menos espaço do que as filasespelhos exigem hoje. Sais derretidos no interior da torre vão capturar e armazenar o calor diretamente, sem a necessidade do óleo quente.
Sistemas parecidos já estãouso na África do Sul, na Espanha ealguns lugares nos Estados Unidos, como no deserto Mojave, na Califórnia eNevada. Mas, com uma altura26 metros, a estruturaOuarzazate será a mais alta do tipo no mundo inteiro.
Outras usinas similares estãoconstrução no Marrocos. O sucesso dessas usinas no Marrocos e na África do Sul podem incentivar outros países africanos a adotar a energia solar.
A África do Sul já entrou na lista dos dez maiores produtoresenergia solar do mundo, e Ruanda tem a primeira usina do tipo no leste africano, criada2014. Há também planosconstruçãousinas solaresGana e Uganda.
O sol da África pode um dia transformar o continenteum exportadorenergia para o resto do mundo. Ao menos Sellam tem grandes expectativasrelação a Noor. "Nosso principal objetivo é a independência energética, mas, se um dia estivermos produzindo a mais, podemos suprir outros países", diz.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site da BBC Future .