Os animais sabem dançarverdade?:
Não há apenas uma maneiradefinir o que é dança. Isso torna mais difícil comparar nossos tangos e sambas aos movimentos dos animais. Mas quando você divide a dançapartes separadas, fica mais fácil perceber semelhanças.
Há algumas capacidades básicas envolvidas. Uma delas é se mover no ritmo, o que humanos normalmente fazem diantealguma música ou batida. Outra é sincronizar movimentos com outro indivíduo. Imitar os outros também é fundamental, pois permite aos dançarinos aprender passos mais complexos.
Mas até esses comportamentos isolados dependemvárias coisas ao mesmo tempo. Por exemplo: o som é processado pela porção auditiva do cérebro, enquanto o movimento envolve o córtex motor.
De qualquer maneira, está ficando mais fácil estudar esses componentes da dança no reino animal. Isso levou pesquisadores a investigar como a dança pode ter evoluído.
'Dançarinos' do reino animal
Quando um vídeo da cacatua Snowball apareceu na internet2007, pesquisadores ficaram surpresos. Um animal aparentemente dançavasintonia com uma batida, algo que até então se pensava ser um dom apenas humano.
Eles concluíram que Snowball podia dançar porque essa ave é uma espécieexpressão vocal. Essa habilidade ajudaria a perceber as batidas.
Em artigo publicado2016, que analisou a última décadaestudos sobre o assunto, pesquisadores sugerem que a capacidadeimitação é um componente fundamental da dança.
"Os casos mais significativosimitação motoraanimais vêmhumanos fazendo coisas como balé e dança contemporânea. Você não tem apenas que copiar a imagem, mas traduzi-laseu corpo. A chave são os movimentos precisos", afirma Nicky Clayton, da UniversidadeCambridge, no Reino Unido. Uma das autoras do estudo2016, ela estuda pássaros e também é dançarina.
Por isso, Clayton e seus colegas argumentam que o aprendizado vocal, que requer capacidadeaprender músicas ou falas usando a imitação, tem ligação direta com nossa habilidadedançar. Essa é a chamada "hipótese do aprendizado vocal", que surgiu2006.
Essa teoria propõe que apenas outros animais com capacidadeaprendizado vocal podem "se moversincronia rítmica com uma batida musical".
Um estudo2008 do cérebropássaros ajuda a entender a possível razão disso. Áreas do cérebro relacionadas ao movimento e aprendizado local são vizinhas, e a última se desenvolveu como uma "especializaçãoum caminho pré-existente" das funçõesmovimento.
Se essa hipótese estiver correta, a habilidadese mover com uma pulsação rítmica seria limitada à maioriaespéciesexpressão vocal, como papagaios e pássaros cantores; cetáceos, como baleias e golfinhos; e pinípedes, como leões marinhos e morsas.
Em outras palavras, concluem Clayton e seus colegas, a dança seria apenas um subproduto da imitação.
Hipóteses para a dança dos bichos
Há, contudo, outras ideias sobre como a dança pode ter evoluído.
Peter Cook, do New College of Florida (EUA), e Andrea Ravignani, da UniversidadeBruxelas (Bélgica), dizem acreditar que a hipótese do aprendizado vocal não conta toda a história.
Contrariando a teoriaClayton, eles afirmam,um artigo publicadooutubro2016, que a imitação é um fator importante, mas a dança vai além disso.
Para iniciantes, a habilidadebater o pé no ritmo pode ser aprendida sem imitar ninguém.
O mesmo pode ocorrer ao inventar um novo movimentodança, como dançarinos que improvisam normalmente fazem.
Para Cook, as "mudanças no cérebro que permitiram aos humanos dançar" devem ter vindouma capacidade básica"acompanhar o ritmoum contexto social".
Essa habilidade - "não a dança por si, mas a capacidadeperceber o ritmo e usá-lo socialmente" - está amplamente presente no reino animal.
O criador da teoria da Evolução, Charles Darwin, pensou algo parecido.
Em seu livro1871 "A Origem do Homem", ele escreveu que "a percepçãocadências musicais eritmo provavelmente é comum a todos os animais e sem dúvida depende da natureza fisiológica comumseus sistemas nervosos."
Agora começam a surgir provasque Darwin estava no caminho certo nesse tema.
Em artigo2013, Cook relatou o casoum leão marinho da Califórnia que mostrava habilidades rítmicas mesmo sem aprender vocalizações. Também se tratavaum ótimo dançarino, que podia mexer a cabeçadiferentes ritmos, mais do que simplesmente copiar um treinador.
Entre nossos parentes mais próximos, os primatas, diversas espécies apresentam habilidades rítmicas. Macacos conseguem batucarpedaçosmadeira, e também gritam juntos.
Até animais bem diferentes possuem habilidades rítmicas inatas, como certas espéciescaranguejo, que balançam as patascoreografias conjuntas, e sapos que balançam os pés com cadência.
Cook afirma que esses e muitos outros animais usam o ritmo para vários tiposcomportamento que pouco têm a ver com dança.
"Pode ser um comportamentoacasalamento, ou rituaiscompetição por parceiros", afirma ele. "Existe essa habilidade básicaser sensível ao ritmo no ambiente eempregá-lomodo social", completa.
Para o pesquisador, o ritmo é a capacidade básica necessária para dançar, e está espalhado pelo reino animal.
Ocorre apenas que diferentes animais usam o ritmoformas diferentes, para o que é mais importante para cada um.
Sintetizando as ideias
É uma ideia fascinante, mas evidências acumuladas nos últimos anos mostram que provavelmente nenhuma hipótese tem todas as respostas.
Ocorre, por exemplo, que alguns animais bonsaprendizado vocal são surpreendentemente ruinsritmo. Isso enfraquece a hipótese do aprendizado vocal, e também parece contradizer a ideiaCookque o ritmo é universal.
Um estudo2016, por exemplo, descobriu que mandarins (Taeniopygia guttata) ─ uma espéciepássaro nativa da Austrália ─ têm dificuldade para detectar padrões rítmicos e que não conseguem diferenciar ritmos simples.
"Muitos animais podem se moverforma coordenada e rítmica, mas isso não significa que tenham sensibilidade a ritmosgeral, ou que consigam sincronizar outros comportamentos com um ritmo externo", afirma Carel ten Cate, da UniversidadeLeiden, na Holanda.
Os macacos-rhesus (Macaca mulatta), por exemplo, são muito mais parecidos conosco do que os mandarins. Mas não chegam nem perto dos humanos ao identificar uma batida,acordo com um estudo sobre seus cérebros publicado2012.
Como explicar, portanto, esses "ritmos atravessados"?
Uma possibilidade é que não tenhamos desenvolvido os experimentos certos para estudar as capacidades desses animais. Macacos apresentam algumas habilidades rítmicas, mas talvez não reconheçam as batidas como nós.
Dançar também requer movimentos bem controlados do corpo, e humanos possuem cérebros bem maiores do que os dos primatas para lidar com isso. Talvez as ligações entre os sistemas motores e auditivos dos macacos sejam mais fracas do que as nossas, afirma Henkjan Honing, da UniversidadeAmsterdã.
Chimpanzés, nossos parentes próximos, têm performance melhor. Uma pesquisacurso sobre suas capacidades rítmicas indicou2015 que eles conseguem acompanhar o ritmouma pessoa batendo o dedo.
Há ainda uma última possibilidade.
Talvez a dança humana e do resto dos animais não seja tão parecida como pensamos inicialmente.
Em humanos, a dança está mesclada com a música. Alguns pesquisadores até sugerem que uma coisa quase não ocorre sem a outra; algumas culturas humanas possuem apenas uma palavra para os dois conceitos.
Mas isso não é verdade, por exemplo, para todos os pássaros que dançam. Muitas espéciesaves-do-paraíso apresentam suas performances sem cantar, enquanto outros cantam e dançam. Outras espécies, como o Lyre Bird australiano, dançam sem cantar e cantam sem dançar.
Isso mostra que música e dança são atos voluntários, afirma Anastasia Dalziell, da Universidade Cornell (EUA), cuja pesquisa identificou uma "desconexão entre manifestações vocais edançapássaros".
No caso dos pássaros estudados, música e dança não pareceram estar mesclados como são para nós. Isso sugere que as bases neurais da dança são diferentespássaros ehumanos.
Considerando as amplas diferenças entre humanos e aves, isso não é surpresa. Mas é uma pistaque a dança pode evoluirdistintas maneiras, possivelmente a partirvários pontospartida. Talvez algumas espécies comecem com ritmo e adicionem outros elementos depois, enquanto outras partemuma facilidade para imitação e sigam a partir dali.
Em outras palavras, talvez não haja uma única explicação para a dança dos animais. Em vez disso, as razões pelas quais animais dançam podem ser tão diversas como as danças criadas pelos humanos.
- Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Earth .