A cidade canadense que tenta enterrar seu passado tóxico:
O fechamento da mina Jeffrey marcou o fimuma indústria que proporcionou emprego estável e seguro por gerações, mas também prejudicou a saúde e o bem-estar da população local.
A mina também deixou outro legado quase tão controverso quanto o mineral que extraía - o nome da própria cidade. As empresas locais, por exemplo, encontravam dificuldades ao tentar cruzar a fronteira dos EUA com produtos ou veículos que estampavam a palavra "asbestos".
Mesmo assim,2006, a Câmara Municipal votou,forma unânime, para manter o nome da cidade.
Para um lugar que deveexistência a uma substância tóxica, sair da sombra da mina requer imaginação, alémassumir certos riscos. Mas Asbestos pode finalmente estar deixando para trás seu passado.
Mineral mágico
Asbesto ou amianto é o nome dado à ocorrência naturalminerais à basesilicato que apresentam forma cristalina longa e fibrosa. Desde os tempos antigos, ele é extraído no mundo todo devido a suas propriedades resistentes ao fogo.
Durante o século 19, colonos descobriram que o sudesteQuebec tinha uma reserva significativaamianto. Perto da fronteira entre os EUA e o Canadá, as jazidas eram grandes o suficiente para justificar a mineraçãolarga escala.
A maior operaçãomineração aconteceu na cidadeAsbestos e nos arredoresThetford Mines.
A mina Jeffrey,Asbestos, era responsável pelo fornecimentometade do suprimento mundialamianto. E ajudou a tornar o Canadá o maior exportador do mineral do mundo na década1970.
Conhecido na época como "mineral mágico", o amianto se tornou um recurso utilizadodiversas indústrias, principalmente na construção civil - onde costumava ser usado como isolante - e na construção naval.
Até 2008, a Índia ainda importava amiantograndes quantidades das minas canadenses.
No entanto, nas últimas décadas, surgiram sucessivas evidências da letalidade do amianto. A exposição à substância, sabe-se hoje, está intimamente associada ao desenvolvimentodoenças pulmonares e mesotelioma, uma forma agressivacâncer.
Atualmente, a enorme mina a céu abertoAsbestos repousasilêncio, mas deixou uma cicatrizcerca350 metrosprofundidade e mais6 quilômetros quadrados.
O Canadá ainda luta contra o legado mortífero da substância que era extraída desta cavidade. Anos após o fim da mineração, Quebec ainda é líder no númeronotificaçõesmesotelioma no país.
Neste ano, o governo canadense finalmente proibirá "fabricação, uso, importação e exportação"amianto e produtos que contenham a substância.
O fatoo mineral letal só estar sendo completamente banido neste ano, décadas após outros países terem tomado a mesma decisão, indica como o amianto era importante para a economiaexportação do Canadá.
Privadasua principal fonterenda, a cidadeAsbestos teveencontrar outras formassustentar a população.
Cerveja da mina
Mas esse é um desafio que os moradores da cidade estão dispostos a vencer.
A históriaDanick Pellerin representa amuitos jovensAsbestos. Integranteuma geração que testemunhou os últimos anos da indústria na cidade, ele partiubuscatrabalho.
Mas,2014, a cerveja o levouvolta a Asbestos, assim como a vontadeajudar a revitalizar a cidade. Em parceria com Yan St-Hilaire, outro nativo, ele fundou a microcervejaria Moulin 7 com ajudafinanciamento público.
"Sempre trabalhamos foraAsbestos, por isso nossa prioridade era fazer uma cerveja boa e fabricá-la localmente", conta Pellerin.
"Algumas pessoas podem ter uma visão obscura da nossa comunidade, achar entediante, ou que não tem muita coisa acontecendo. Mas é óbvio que há muita coisa acontecendo. Tem um clima novo aqui."
A princípio, montar uma cervejariauma cidade chamada "amianto" pode não parecer um negócio muito inteligente.
Especialmente porque o empreendimento está localizado a pouco mais100 metros da bordaentrada da mina.
Masvezesconder o fato, Pellerin e St-Hilaire comemoram a conexão com o patrimôniomineração da cidade.
O paiSt-Hilaire, Normand, trabalhou na mina Jeffrey, e os dois tentaram evocar a história da cidade por meio dos rótulos das cervejas. Entre os produtos, há cervejas chamadas Mineur (Minerador) e Spello (termo que indica uma pequena pausa na mineração), por exemplo.
A dupla fabrica, inclusive, uma cerveja chamada La Ciel Ouvert (Céu Aberto), usando a água retirada do lago que se formou no fundo da mina.
Quando a cerveja foi lançada, surgiram algumas críticas, mas Pellerin não se deixou abalar.
"Nós analisamos a água e estava perfeita", diz ele.
"As pessoas queriam provar isso."
A cervejaria premiada atrai agora muitos ciclistasQuebec que paramAsbestos quando pedalam pela região.
"Não estamos na rota turística principal, mas as pessoas vêmqualquer maneira", explica Pellerin.
"Atualmente, empregamos cerca19 funcionários, no bar e na cervejaria. Tivemos um bom crescimento e esperamos aumentar a produção30% no próximo ano."
Pellerin está confianteque a cidade está encontrando seu eixo novamente, apesarmanter o nome tóxico.
"As pessoas estão voltando, trazendoexperiência das cidades eoutros lugares", diz ele.
"Acho que estão voltando para um lugar que mudou, e que é muito mais aberto, com uma mentalidade menos fechada."
À altura do desafio
Hugues Grimard, prefeitoAsbestos, reconhece que os cerca7 mil habitantes da cidade enfrentaram um grande desafio quando um controverso empréstimo do governo central para apoiar a mina foi cancelado2012, levando ao seu fechamento.
A cidade viveu um êxododécadas à medida que a indústria esmorecia. Sua população caiumais10 mil habitantes no auge da mineração, na década1970, para pouco mais6 mil1999, anoque o Reino Unido proibiu totalmente as importaçõesamianto.
O fechamento da mina foi o golpe derradeiro, mas não resultouuma nova ondaemigração.
"Para nós, o importante era ser otimista", diz Grimard. "Para vencer o desafio que o governo nos deixou. Trabalhamos para manter todos (na comunidade) unidos - indústria, parceiros econômicos e autoridades - para formar uma base sólida ".
E têm surgido notícias animadoras desde o último censo2011 - o desemprego na cidade caiu12,4% para 7,6%2016.
A cidade contava com outros ativos além da mina que ajudaram a dar início à recuperação - a proximidade da fronteira com os EUA permitia abrigar várias empresastransporte, enquanto a agricultura representava uma fonteemprego.
A capacidaderesposta também faz parte da estratégia da cidade agora.
"Dessa forma, se a oportunidade surgir, podemos responder como uma prioridade", diz Grimard.
"Atualmente, posso dizer que enfrentamos esse desafio ao diversificar nossa economia."
Uma grande vitória desde o fechamento da mina foi o estabelecimentoum centroprocessamento regional para um dos produtos alimentícios mais gourmet do Canadá: o pato.
A unidade emprega maiscem funcionários e uma placa"estamos contratando" ainda está pendurada do ladofora da fábrica, apesar da inauguração ter sido2016.
A associação da cidade com o amianto não impediu a Brome Lake Ducks, dona do empreendimento,abrir a unidade.
Com a crescente demanda dos consumidores canadenses e o acesso a um novo mercado para as vendascarnepato no México, a empresa pretende produzir quatro milhõespatos por ano até 2020.
Neve, uma aliada
Mas o esforço para reconstruir a economia da cidade não está restrito à comida e à bebida. Nas montanhas que cercam Asbestos, há outro recurso, além do outrora valioso mineral: a neve.
Poucos minutos ao norte da cidade, está a estaçãoesqui Mont Gleason, um importante empregador sazonal da região durante o invernoQuebec. Em operação desde 1968, o resort vai completar 100 anosdezembro.
A Mont Gleason difereoutras estaçõesesqui comerciais europeias, por ser uma iniciativa sem fins lucrativos, com raízes profundas nas comunidades próximas, incluindo Asbestos. Tem quatro teleféricos e quase 10 kmpistas.
Enquanto os empregosMont Gleason tendem a sumir na primavera, assim como a neve, a estação oferece trabalho regular durante o inverno.
"Temos mais250 pessoas trabalhando na temporadainverno", explica Maryse Gingras, da cidade vizinha Victoriaville, que lidera o desenvolvimento sustentável na estaçãoesqui.
"Muitos são funcionários recorrentes, mas também empregamos estudantes e aposentados. Eles atuamdiversas funções - tem gente trabalhando nos teleféricos, nas escolasesqui, no restaurante. Estamos muito ocupadosdezembro a março."
Gingras aponta o constante reinvestimento como a principal razão pela qual a Mont Gleason se manteve rentável, mesmo durante períodos econômicos difíceis e invernos rigorosos.
"[Este ano] tivemos um bom crescimentonúmeros", observa.
"Estamos planejando adquirir um novo teleférico e reformar os chalés nos próximos dois anos. Você precisa reinvestir todos os anos."
Resíduos reaproveitáveis
Ao passear por Asbestos e seus arredores, é difícil não notar as marcas do passado que se misturam à paisagem - principalmente as imensas pilhasdetritos deixados pela atividademineração. Os amontoadosrochas e minerais estão aglomerados pertocasas e prédios.
Houve tentativas no passadoreutilizar os resíduos da mineração. Os rejeitos foram usados, por exemplo, na cidadeThetford Mines para proporcionar maior aderência às estradas durante o inverno.
Mas a prática foi rapidamente interrompidameio a preocupações sobre seu impacto na qualidade do ar.
Há, no entanto, um interesse renovado das indústrias por esses rejeitos - a ideia é "minerá-los" para aproveitar outras substâncias químicas valiosas.
Os resíduosamianto contêm um alto teormagnésio, usado na fabricaçãobensconsumo, como celulares e carros elétricos. E, por isso, há uma alta demanda.
Diante da guerra comercial entre os EUA e a China - principal fornecedoramagnésio do mundo atualmente -, Asbestos poderia encontrar um novo mercado lucrativo para os resíduos deixados porantiga indústria.
Um projeto novo foi desenvolvido pela empresa Alliance Magnesium (AMI), que instalou uma unidade piloto perto da cidade, para testar a viabilidadeextrair magnésiorejeitos da região.
A companhia espera criar 70 postostrabalho se houver produção comercial.
Se vai realmente resultar na geraçãoempregoslongo prazo, ainda não dá para saber.
Um projeto semelhante, criado antes do fechamento da mina Jeffrey, acabou ficando sem dinheiro. Mas a Alliance Magnesium insiste que tecnologiasextração aperfeiçoadas e mais ecológicas a diferenciam dos empreendimentos anteriores.
Mineraçãocriptomoedas
Outro tipo muito diferentemineração também tem potencial para beneficiar Asbestos.
Na cidade universitáriaSherbrooke, a uma horaviagemAsbestos, surgiu uma das maiores operaçõesmineraçãoBitcoin da província, avaliada250 milhõesdólares canadenses. E a empresacriptomoedas BitFarms está se expandindo para o sulQuebec.
Em março, a imprensa local divulgou a existênciapossíveis planos para a inauguraçãouma operaçãocriptomoedas nas minas abandonadasThetford Mines. Eletricidade barata, aléminstalações amplas e conexões elétricas pré-existentes, a tornam um local atraente.
Mas o prefeitoAsbestos, Hugues Grimard, é cauteloso:
"Se um desenvolvedor nos abordar, analisaremos o projeto", diz ele, acrescentando que a prioridade precisa ser dada a iniciativas que estimulem a economia local.
Enquanto isso, Philippe Couillard, primeiro-ministroQuebec, expressou ceticismorelação à proliferaçãoinstalaçõesmineraçãocriptomoedas ao redor da província, duvidando do benefício real para as comunidades.
Mas, mesmo sem indústriastecnologiaponta como essa, não há dúvidaque Asbestos está passando por uma transformação, que pode fazer a cidade emergir do rastropoeira deixado pelo amianto.
Para os moradores, o nome da cidade é algoque eles pretendem se orgulhar, e não mais ter vergonha.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital .