Por que as multinacionais não deixam a Venezuela?:

Loja na Venezuela forçada pelo governo a cortar preços50% (Reuters)

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Governo venezuelano tem tabelado preços e limitado margemlucro das empresas
  • Author, Daniel Pardo
  • Role, BBC Mundo, Caracas

Na última década, a relação entre o governo e as empresas privadas foi marcada pela turbulência na Venezuela. Mas nem a hostilidade chavista foi capazprovocar uma fugamassamultinacionais do país.

Nos 15 anos da chamada "revolução bolivariana" do falecido Hugo Chávez, os capitais privados têm sido objetoexpropriações, controlestodo tipo e inúmeros obstáculos burocráticos.

O conflito ficou mais uma vez aparente nesta semanaoutro discurso do atual presidente Nicolás Maduro.

"Não me subestimem, setores da burguesia. Se tivermosexpropriar, vamos expropriar!", disse.

Recentemente, o governo decretou que a margemlucros não pode ser maior que 30%. Além disso, o país tem uma das mais altas taxasinflação do mundo e as empresas têm problemas para retirar suas divisas do país. Isso tudo faz a Venezuela parecer um dos piores lugares do mundo para se fazer negócios.

Mesmo assim, várias multinacionais das indústrias alimentícia, bancária e petroleira, entre outras, não só optaram por ficar na Venezuela, como por manter no país algumas das maiores operações da América Latina.

Centenasmultinacionais ainda operam na Venezuela, incluindo a Procter & Gamble, a Chevron e a Telefónica. Perante esse cenário, por que elas ainda continuam no país?

Dificuldades

O relatório Doing Business, do Banco Mundial, que classifica os países onde é mais rentável fazer negócios, colocou2014 a Venezuela no posto 181, entre as 189 economias que entram na lista.

Segundo o relatório, a Venezuela não protege suficientemente os investimentos, tem problemas tributários e dificulta o comércio por meiosuas fronteiras.

As principais agênciasclassificaçãorisco já baixaram,maisuma ocasião, as notas da Venezuela.

O controle cambial imposto2003 por Chávez também faz com que as multinacionais dependam do Estado para repatriar seus lucrosdólares.

Nos últimos anos, o Estado não foi capaztransferir esses dólares às multinacionais. O governo agora tem uma dívidaaproximadamente US$ 13 bilhões com o setor privado.

Nesse grupo estão as farmacêuticas e as companhias aéreas, o que explica a escassezmedicamentos e o funcionamento precárioalgumas companhias.

A renda do petróleo

A maior diferença entre a Venezuela e outros países consideradosrisco é que o país é um dos maiores produtorespetróleo do mundo.

A Venezuela exporta mais2 milhõesbarrispetróleo por dia. Produzir um barril custa US$ 15. Na venda, ele alcança até US$ 105.

Os US$ 90lucro por barril compõem a chamada "renda do petróleo", que não apenas permite ao governo expandir os gastos públicos, como servefiador dos empréstimos da Venezuela no exterior.

Nicolás Maduro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Nicolás Maduro vem ameaçando setor privado com expropriações

"Todo esse dinheiro o governo gasta como quer, porque não há instituições para regulá-lo. Ele acaba entrando na economia real", diz Ángel García Banchs, diretor do centropesquisas Econométrica.

Com tanto dinheiro injetado constantemente na economia, acaba não sendo tão difícil ter um empreendimento rentável.

"Isso permite às empresas levantar uma renda que não é produtosua estratégia, que não existe graças aeficiência ou produtividade, mas apenas resultado da liquidez monetária."

As multinacionais acabam não se queixando publicamente das restrições e controles do governo. Segundo Waleska Miguel, executiva da Coca-Cola, a companhiabebidas tem uma operação "extraordinária" no país.

'Corridaresistência'

Quem dá voz às queixas é a Fedecámaras, organismo que agrupa o setor privado na Venezuela e que o governo classifica como órgão opositor.

Por definição, uma empresa tem chanceobter lucros maiores se estiver mais exposta ao risco.

"Aqui te expropriam, há o risco cambial, mas se você consegue se estabelecer, a alta marcação dos preços (inflação) permite que você compense o risco", afirma García Banchs.

E, diz o economista Maxim Ross, depois dos investimentos iniciaisinfraestrutura e publicidade, "nenhuma empresa está disposta a abandonar um mercado a não ser que esteja a pontocolapso,expropriação ou conflito final. A Venezuela tem uma economia rentável demais para que uma empresa deixe um vácuo e (seja substituída) por outra".

Mas Ross agrega que "as empresas sempre estão na expectativaque haja uma trocagoverno que as favoreça e justifique a espera".

Essa opinião é compartilhada pela consultora política Anabella Abadi, do grupo ODH. "As empresas estãouma corridaresistência, mais do quevelocidade", diz.