Moeda do Fora do Eixo ilustra desafiosgoogle betano'alternativas' ao dinheiro:google betano

Cubo cards e outras moedas sociais do coletivo Fora do Eixo / Divulgação
Legenda da foto, Cubo cards e outras moedas sociais do Fora do Eixo foram criadas seguindo princípios da economia solidária

O propósito era que a moeda substituísse as transações realizadasgoogle betanoreal, promovendo a economia solidária entre os participantes do grupo ─ formado,google betanogrande parte, por artistas da cena cultural independente.

O meiogoogle betanopagamento também se destinava a suprir uma deficiência interna do coletivo. Alegando não ter dinheirogoogle betanocaixa para remunerar seus parceirosgoogle betanomoeda corrente, a rede acenava com uma proposta: pagariagoogle betanocubo cards o valor equivalentegoogle betanoreais, na paridadegoogle betano1 para 1. Os cubo cards poderiam, então, ser trocados por produtos ou serviços do próprio coletivo ougoogle betanodemais associados.

Para dar fôlego ao sistema, os coletivos que compunham o Fora do Eixo também tinham liberdade para emitir suas próprias moedas. Por exemplo, o braço do grupogoogle betanoSão Carlos, no interior paulista, criou uma moeda chamada marciano.

"Nessa hipótese, uma banda que viesse tocar aqui (na casa que funciona como sede do coletivo), não seria remuneradagoogle betanoreais, masgoogle betanocubo cards ougoogle betanomarcianos, que poderiam ser convertidosgoogle betanooutros serviços, prestados por nós ou por nossos parceiros, a partirgoogle betanouma tabelagoogle betanoequivalências", explica à BBC Brasil o músico Juliano Parreira, responsável pela áreagoogle betanoplanejamento do Fora do Eixogoogle betanoSão Carlos e que mora na casa coletiva.

"Imagine uma banda que ganhe 400 cubo cards por um show feitogoogle betanonosso espaço. Ela poderia trocar esse montante pela gravaçãogoogle betanoum videoclipe, que seria realizado por nós ou por demais parceiros. No primeiro caso, o crédito que a banda tinha conosco seria zerado. No segundo, a "dívida" passariagoogle betanomãos, e o novo credor (o prestador do serviçogoogle betanogravação, que receberia os 400 cubo cards) daria continuidade ao sistemagoogle betanotrocas", exemplifica.

Parreira acrescenta que a negociaçãogoogle betanomoeda alternativa ocorre normalmente apenas nos casosgoogle betanoque a remuneraçãogoogle betanoreal não é possível. "Sempre que conseguimos dinheirogoogle betanopatrocínio, tentamos pagar as bandasgoogle betanomoeda corrente."

Ele conta ainda que os credores do Fora do Eixo poderiam optar por ficar com o dinheiro alternativogoogle betanocédulasgoogle betanopapel, impressas pelo próprio coletivo, ou com um "crédito" no sistemagoogle betanoplanilhas financeiras da rede. Nesse caso, a movimentação da dívida é acompanhada por ambas as partes por meiogoogle betanoum arquivo compartilhado na internet.

Por fim, quem já tem cubo cards pode tentar posteriormente trocar a moeda por reais, caso não se interesse pelo sistemagoogle betanotrocas por serviços.

Críticas

Mas os críticos do sistema dizem que não é assim que ele funciona na prática. Desde a entrevistagoogle betanoPablo Capilé, fundador do Fora do Eixo, ao programa Roda Viva, da TV Culturagoogle betanoSão Paulo, multiplicaram-se na internet queixasgoogle betanoantigos parceiros do grupo, que afirmam não ter conseguido trocar a moeda alternativa por reais ou por serviços prestados pelo coletivo e seus associados.

A reportagem da BBC ouviu ex-associados do Fora do Eixo sobre o funcionamento dos cubo cards. Eles disseram que não foram vítimasgoogle betanocalote, mas afirmaram que tinham dificuldadegoogle betanotrocar a moeda complementar por reais ou por outros serviços oferecidos pelo grupo.

Questionado sobre as críticas, Parreira reconhece que a moeda não tem lastro (ou seja, para cada cubo card emitido, não há o equivalentegoogle betanoreais guardado), mas afirma que "tudo era feito às claras, com o consentimentogoogle betanotodos os envolvidos".

"A troca por reais não é nossa primeira opção, pois, do contrário, não haveria motivo para a criaçãogoogle betanouma moeda complementar. Mas nunca deixamosgoogle betanopagar ninguém", diz.

Escambo

Fernando Nogueira da Costa, professorgoogle betanoEconomia da Unicamp, ressalta que o sistema adotado pelo Fora do Eixo não é novo.

"Trata-segoogle betanouma evolução dos clubesgoogle betanotroca ou feirasgoogle betanotroca solidária. Nesses mercados, os pequenos empreendedores locais disponibilizavam seus produtos para o comércio, utilizando para isso as moedas sociais", afirma.

"Dessa forma, gera-se um exclusivismo comercial que beneficia o desenvolvimento local e a inclusão social, pois os envolvidos só poderão gastar a moeda dentrogoogle betanolimites preestabelecidos."

A economista brasileira Heloisa Primavera defende a iniciativa do Fora do Eixo, que classifica como um "projetogoogle betanosoberania política". Primavera esteve envolvida na criaçãogoogle betanovárias moedas sociais e tem ligações estreitas com o grupo fundado por Pablo Capilé.

"O objetivo desses jovens é redefinir o papel que o dinheiro possuigoogle betanonossa sociedade. Eles conhecem a fundo os riscos dessa iniciativa. O cubo card é uma ferramenta para construir um sistemagoogle betanovida que desafia o capitalismo e a economiagoogle betanoescassez que vivemos", diz Primavera.

Os especialistas concordam, no entanto, que a premissa básica desse tipogoogle betanosistema é a confiança entre os envolvidos.

"Sem ela, a moeda não dá certo. Em primeiro lugar, é preciso que ambas as partes estejamgoogle betanoacordo com a formagoogle betanoque a transação acontecerá, ou seja, sem reais. Além disso, a tabelagoogle betanoequivalências, isto é, como os créditos poderão ser trocados, precisar estar visível e acessível a todos", afirma Nogueira da Costa.

Bancos comunitários

Cinco palmas / Instituto Palmas
Legenda da foto, A moeda social Palmas foi criada para desenvolver uma comunidade pobre na periferiagoogle betanoFortaleza

No Brasil, o Banco Central (BC) não se responsabiliza pela emissãogoogle betanomoedas sociais.

Porém, o BC dá especial atenção àquelas emitidas por bancos comunitários espalhados pelo Brasil. Hoje, há 103 deles, cada qual com agoogle betanorespectiva moeda. Juntas, elas movimentam R$ 6,5 milhões por ano, dos quais R$ 6 milhõesgoogle betanocrédito produtivo e R$ 500 milgoogle betanomoedas sociais.

O acompanhamento é feito por relatórios enviados pelo Instituto Palmas, com sedegoogle betanoFortaleza, à autoridade monetária.

O instituto foi criadogoogle betano2003 a partirgoogle betanouma experiência bem sucedida – e pioneira no Brasil -google betanouma comunidade pobre na periferia da capital cearense, o Conjunto Palmeira, que decidiu substituir o real por uma moeda social, a palmas.

Diferentemente dos cubo cards, as moedas negociadas por essas instituições têm lastro, ou seja, podem ser trocadas por reais a qualquer momento nos bancos comunitários. A reservagoogle betanovalor é mantida a partirgoogle betanorecursos públicos.

O sistema também segue uma lógica diferente da do coletivo, como explica Joaquimgoogle betanoMelo Neto, coordenador do Instituto Palmas.

"Emprestamosgoogle betanoreais aos comerciantes e aos consumidoresgoogle betanopalmas. As pessoas se beneficiam ao receberem descontos dos comerciantes ao usarem a moeda social para fazerem compras", explica.

"Como as palmas só podem ser usadas dentro da comunidade, os donos dos estabelecimentos aumentam suas receitas, gerando mais emprego, o que cria um ciclo virtuoso que favorece o desenvolvimento local", acrescenta.

Embora apresentem maiores garantias, as moedas sociais emitidas por bancos comunitários tampouco estão imunes a riscos.

Muito populares na Argentina durante a décadagoogle betano90, elas praticamente sumiram do país após a crise econômicagoogle betano2001.

"O bom funcionamento desse sistema alternativo dependegoogle betanomuitos fatores. Como não há garantia financeira do BC, regras do jogo têmgoogle betanoser muito claras. Do contrário, a chancegoogle betanoos envolvidos se frustrarem é grande", conclui Nogueira da Costa.