'Argentina, 1985': como foi o julgamento histórico que revelou horrores da ditadura :slots dinheiro real grátis

O contextoslots dinheiro real grátisque o julgamento ocorreu não foi muito propício a nível local — a democracia argentina recém-recuperada ocupava há um ano e meio a Casa Rosada —, nem na região, como lembra o promotor Luis Moreno Ocampo à BBC News Mundo, serviçoslots dinheiro real grátisnotíciasslots dinheiro real grátisespanhol da BBC.

"No Chile, (Augusto) Pinochet tinha todo o poder; o Uruguai, por referendo popular, se recusou a investigar seus militares; havia oficiais militaresslots dinheiro real grátismuitos governos da região, e a Argentina — como sempre oscila entre o abismo e o topo — fez algo totalmente inesperado."

Por isso, nem sequer os seis juízes que iriam presidir as audiências tinham certezaslots dinheiro real grátisque conseguiriam finalizar o processo:

"No próprio Palácio da Justiça, nos olhavam como aberrações, e isso nos gerava uma grande incerteza, não sabíamos se conseguiríamos realizar o julgamento", conta Gil Lavedra, que tinha 36 anos na época e era o mais jovem dos seis magistrados.

Os depoimentos

Moreno Ocampo lembra que o julgamento fez parteslots dinheiro real grátisum processo que havia começado nas eleiçõesslots dinheiro real grátis1983, quando a questão dos "desaparecidos", as vítimas da ditadura cujos corpos não apareciam, se tornou parte da campanha eleitoral que levou Raúl Alfonsín à presidência.

Alfonsín criou a Comissão Nacional sobre o Desaparecimentoslots dinheiro real grátisPessoas (Conadep), que compilou os depoimentosslots dinheiro real grátissobreviventes e familiaresslots dinheiro real grátisvítimas da ditadura, e tentou fazer que os próprios militares julgassem os ex-comandantes, mas acabou sendo a justiça civil — aplicando o Códigoslots dinheiro real grátisJustiça Militar — o cenário do julgamento.

"Optamos pelo Códigoslots dinheiro real grátisJustiça Militar porque possibilitava um julgamento oral e isso também dava a melhor proteção para o tribunal, ou seja, todos podiam ver o que estava acontecendo", diz Gil Lavedra.

E o que aconteceu é que a crueza dos depoimentosslots dinheiro real grátismaisslots dinheiro real grátis800 testemunhas foi registrada todos os dias pelos maisslots dinheiro real grátis500 jornalistas que cobriram o julgamento, e isso — nas palavras dos protagonistas — permitiu o apoio da opinião pública que havia se mostrado reticente.

Moreno Ocampo, cuja família tinha uma parte civil e uma parte militar, lembra comoslots dinheiro real grátismãe, que havia apoiado a ditadura, ligou para ele um dia depoisslots dinheiro real grátisouvir vários depoimentos e disse: "Ainda gosto (do ex-presidente militar Rafael) Videla, mas você está certo: ele tem que ser preso".

"Os testemunhos para nós que cobrimos o julgamento foram tremendos", diz o jornalista Marcelo Pichel.

"Todos os dias era como se um prédio tivesse caídoslots dinheiro real grátiscimaslots dinheiro real grátisvocê. Você saíaslots dinheiro real grátislá meio destruído, não havia risadas, não havia nada. Em um velório, por exemplo, se conta uma piada, ali não havia chanceslots dinheiro real grátispiada alguma. Tudo o que foi dito era tomado pelo que era... terrível."

Cada um que teve acesso às audiências se lembra do depoimento que mais o marcou. Para Pichel, jornalista da publicação "El Diario del Juicio", criada especificamente para cobrir o julgamento, as declarações às vezes eram impactantes porque se referiam a pessoas que ele conhecia pessoalmente, outras pela aberração das torturas: "Me lembro do caso do depoimento da famíliaslots dinheiro real grátisFloreal Avellaneda. Tudo o que aconteceu com crianças e mulheres doía mais. O caso dele falaslots dinheiro real grátisuma crueldade que superou tudo o que se poderia esperar, que se imaginava na Argélia dos franceses ou na Nicaráguaslots dinheiro real grátis(Anastasio) Somoza: eram bestas, nem sequer animais, e ainda me dói lembrar disso".

León Arslanián, o juiz que presidiu o tribunal e, portanto, leu a sentença, ainda guarda emslots dinheiro real grátismemória o depoimentoslots dinheiro real grátisAdriana Calvoslots dinheiro real grátisLaborde, que havia sido sequestrada quando estava grávida e prestes a dar à luz:

"Ela teve o filho, foi tratada da pior maneira, arrancaram a placenta dela, a jogaram no chão, forçaram ela nua a lavar todo o lugar", diz ele à BBC News Mundo.

"Nunca nos acostumamosslots dinheiro real grátisouvir histórias horríveis, não importa o númeroslots dinheiro real grátisdepoimentos", observa Gil Lavedra.

"Por exemplo, no final das audiências,slots dinheiro real grátisagosto, quando já achávamos que tínhamos uma certa couraça, veio um (depoimento) terrível do Hospital Posadasslots dinheiro real grátisGladys Cuervo, uma enfermeira que foi brutalmente torturada, e voltamos a nos comover como no primeiro dia."

Mas como foi para as testemunhas prestarem depoimento no julgamento?

Para Marcelo Pichel, os juízes fizeram o seu trabalho, os promotores foram uma espécieslots dinheiro real grátis"missionários" encarregados da parte mais sensível do processo, mas "quem deu valor foram as testemunhas".

Miriam Lewin, que foi sequestrada aos 19 anos e passou por dois centrosslots dinheiro real grátisdetenção clandestinos — o centro Virrey Cevallos e a Escolaslots dinheiro real grátisMecânica da Marinha (ESMA) — lembra que nem todos achavam que as condições eram adequadas para testemunhar no tribunal.

"Não sabíamos se haveria represálias contra nós, nós que sobrevivemos aos centros clandestinos havíamos sido fichados e identificados pela inteligência militar, e a verdade é que a Justiça não nos ofereceu segurança, nenhum tiposlots dinheiro real grátiscustódia, por isso alguns não testemunharam."

Ela conta que foi aconselhada a não ficar emslots dinheiro real grátiscasa e a deixar temporariamente o trabalho nos dias anteriores e posteriores ao depoimento — "e isso mostrou que a própria promotoria entendeu que estávamos vulneráveis".

O filme Argentina, 1985 giraslots dinheiro real grátistorno do trabalho do Ministério Público. O promotor principal era Julio César Strassera, seu vice era Luis Moreno Ocampo, e — nas palavras deste último — eles foram apoiados por um grupo muito particular.

"Era uma equipeslots dinheiro real grátisjovens, porque eu tinha 32 anos, mas na equipeslots dinheiro real grátisassistentes, o mais velho tinha 27 e os outros 20, 21 anos. Sete rapazes, dos quais dois eram advogados. Ainda hoje quando nos reunimos, nos perguntamos como fizemos isso."

Para Miriam Lewin, o Ministério Público forneceu o isolamento que as testemunhas precisavam antes e depoisslots dinheiro real grátisdepor, porque — como ela mesma descreve — o cenário do tribunal no Palácio da Justiça era assustador.

"Era muito imponente, a plataforma sobre a qual os juízes estavam, a sala inteira cheiaslots dinheiro real grátisgente, a área da imprensa, o fatoslots dinheiro real grátisque nas minhas costas estavam os nove comandantes-em-chefe, os principais responsáveis daquele governo ilegítimo que havia assassinado milharesslots dinheiro real grátispessoas, a verdade não contribuía para a estabilidade emocional, apesarslots dinheiro real grátisque obviamente o Ministério Público havia tentado tranquilizar as testemunhas que finalmente decidiram falar."

Embora nem sempre, como lembra Moreno Ocampo, os interessesslots dinheiro real grátisalguns coincidiam com a dorslots dinheiro real grátisoutros:

"Lembroslots dinheiro real grátisum dos rapazes da promotoria recebendo uma senhora que explica a ele que o oficial que levou seu filho devolveu a ela os restos mortais numa sacola, alguns ossos e um documento que confirmava que haviam sequestrado aquela pessoa, o que era muito raro, e enquanto ela chorava, o rapaz dizia a ela: 'Senhora, seu caso é ótimo', porque estávamos obcecadosslots dinheiro real grátisprovar os fatos."

'Nunca mais'

Após os depoimentos das testemunhasslots dinheiro real grátisagosto, setembro e outubro, vieram os meses das argumentações da promotoria e dos advogadosslots dinheiro real grátisdefesa.

Na memória dos protagonistas do julgamento, assim como no filme, a figuraslots dinheiro real grátisJulio César Strassera e seu discurso final ocupam um lugarslots dinheiro real grátisdestaque.

"Eu tinha o general Videla a um metro e meioslots dinheiro real grátisdistância e (Emilio) Massera a três metros, então foi um momento único porque senti que estávamos falandoslots dinheiro real grátisnome da sociedade argentina e poderíamos dizer na cara dessas pessoas o que haviam feito", diz Moreno Ocampo.

"E depois Julio, que realmente se transformava no tribunal, , encerrouslots dinheiro real grátisargumentaçãoslots dinheiro real grátisuma forma que foi maravilhosa e que emocionou a todos, quando ele disse: 'Senhores juízes, nunca mais', o tribunal vibrava, e as pessoas choravam. Foi incrível."

Para Arslanián, o promotor Julio Strassera — interpretado pelo ator Ricardo Darín no filme — teve, como dizem os franceses, o physique du role para assumir a função que desempenhou nesse julgamento oral:

"Era um homem culto, e o cigarro havia dado a ele um tomslots dinheiro real grátisvoz que era extraordinariamente propício ao que ele estava fazendo."

Santiago Mitre, diretor do filme Argentina, 1985, disse à BBC News Mundo que quando começou a pesquisar sobre Strassera, "começaram a aparecer muitos ingredientes porque ele era uma pessoa muito particular e poderia se transformarslots dinheiro real grátisum personagem muito atraenteslots dinheiro real grátisum filme, essa personalidade um pouco explosiva que ele tinha com seu humor meio estranho."

Além das características do promotor, falecidoslots dinheiro real grátisfevereiroslots dinheiro real grátis2015, o cineasta considerou outro aspecto ao focar nos jovens integrantes do Ministério Público:slots dinheiro real grátisaudiência.

O filme e a memória

"Há gerações na Argentina que nasceram dando a democracia como algo certo. E eles não se lembram, não só do julgamento, como mal se lembram da ditadura, e acham que é algo pré-histórico", afirma Mitre à BBC News Mundo.

Para o diretor, no país sul-americano se vê — comoslots dinheiro real grátisoutras partes do mundo — muitos jovens reproduzindo discursos bastante reacionários e quase reivindicadoresslots dinheiro real grátisgovernos ditatoriais.

"A imagemslots dinheiro real grátisStrassera comslots dinheiro real grátisequipeslots dinheiro real grátisjovens, a forma como organizou a investigação tendo que recorrer aos jovens porque a maioria dos oficiais da Justiça não acreditava ou não queria o julgamento por apatia ou por medo ou por adscriçãoslots dinheiro real grátisalgum caso, me pareceu muito inspiradora, principalmente considerando que esse filme tinha que falar com esses jovens que lembram pouco da ditadura."

"Se alguém vê este filme e ouve o testemunhoslots dinheiro real grátisAdriana Calvoslots dinheiro real grátisLaborde, me parece que é difícil que volte a relativizar a democracia", conclui o diretor.

Para Marcelo Pichel, "o filme pode ajudar, mas não basta, o fundamental é a educação".

"Há uma batalha cultural que está se perdendo com o tempo. A sociedade não consegue responder. A Alemanha continua falandoslots dinheiro real grátisnazismo nas escolas. E acredito que aqui a educação deve explicar o que aconteceu durante a ditadura porque é a única maneiraslots dinheiro real grátisnão repetir", avalia o jornalista.

Em 9slots dinheiro real grátisdezembroslots dinheiro real grátis1985, os juízes leram a sentençaslots dinheiro real grátis709 casos apresentados durante o julgamento. Videla e Massera foram condenados à prisão perpétua; Orlando Agosti foi condenado a quatro anos e seis mesesslots dinheiro real grátisprisão; Roberto Viola, a 17 anos; e Armando Lambruschini, a oito anos; Omar Graffigna, Fortunato Galtieri, Jorge Anaya e Basilio Lami Dozo foram absolvidos.

Anos depois, alguns dos condenados receberam indultos, e alguns dos absolvidos foram condenados,slots dinheiro real grátiscasosslots dinheiro real grátisviolaçõesslots dinheiro real grátisdireitos humanos que continuam até hoje na Argentina.

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