'Paraíso do Diabo': as atrocidades do 'holocausto da borracha' na Amazônia colombiana:bingo betmotion grátis
Foi um período sombrio, ignorado por muitos,bingo betmotion grátisque uma árvore, um empresário, uma casa, um sequestro, uma expedição e um roubo determinaram o destino da Amazônia colombo-peruana ebingo betmotion grátisseu povo.
A BBC News Mundo, serviçobingo betmotion grátisespanhol da BBC, viajou para La Chorrera, na Colômbia, para entender a história e saber como os povos que habitam hoje essa região conseguiram sobreviver.
A árvore
"Em toda esta floresta não há um tronco saudável. Eles estão cheiosbingo betmotion grátisnós, mas se você avançar dois, três ou quatro quilômetros, lá você vê", diz o cacique Calixto Kuiru, enquanto caminha pela selva pertobingo betmotion grátissua maloca, localizada na vilabingo betmotion grátisPuerto Milán.
Ele se refere às seringueiras que cresceram selvagens, durante séculos, na Amazônia.
Elas também são conhecidas como "árvores que choram" porque quando um corte linear é feitobingo betmotion grátisseu tronco, elas soltam gotasbingo betmotion grátisum líquido branco leitoso.
Os povos indígenas foram os primeiros a descobrir esse líquido e o utilizaram para fazer objetos como bolas e bastões.
Mas eles tinham um problema. O material era muito volátil: com o calor derretia e com o frio endurecia.
A solução só apareceubingo betmotion grátis1839 quando, nos Estados Unidos, foi descoberta a vulcanização; um processo químico que transforma a borrachabingo betmotion grátisum material resistente às condições ambientais.
Décadas depois, surgiram os pneus e com eles bicicletas e carros. Foi assim que o líquido leitoso se tornou o tesouro da economia no final do século 19.
E por isso, também, os troncos das árvores estão cobertosbingo betmotion grátiscicatrizesbingo betmotion grátismeio à exploração excessiva.
O empresário
Julio César Arana, empresário e político peruano, assumiu o negóciobingo betmotion grátisexportar borracha da Amazônia e construiu uma espéciebingo betmotion grátismonopólio no coração da selva.
Era como uma grande fábricabingo betmotion grátisdistribuição. A borracha colhida das árvores era transportada pelos rios ebingo betmotion grátislá saía pelos portos da Amazônia: Iquitos no Peru e Manaus no Brasil, a caminho da Europa.
Arana conseguiubingo betmotion grátisfaçanha, principalmente, por três motivos. O primeiro é que se apropriou do Putumayo, uma parte da Amazônia localizada entre a Colômbia e o Peru, que na época não pertencia oficialmente a nenhum dos dois países.
A segunda é que conseguiu capital inglês para financiar a operação. Na Inglaterra, não apenas lhe deram dinheiro, mas também forneceram mãobingo betmotion grátisobrabingo betmotion grátissuas colônias. Enviaram trabalhadoresbingo betmotion grátisBarbados, país insular da América Central, para servirem como capatazes.
E a terceira e mais macabra, é que ele estabeleceu um regimebingo betmotion grátisterror para dobrar os indígenas e forçá-los a serem seus escravos.
O negóciobingo betmotion grátisArana dependia totalmente do trabalho indígena, porque as seringueiras estão espalhadas pela floresta, e eram eles que conseguiam atravessá-la sem se perder e sem morrer pelas condições climáticas ou pelos perigos representados por algumas plantas e animais.
Casa
A Casa Arana foi um dos principais centrosbingo betmotion grátiscoletabingo betmotion grátisborracha e estava localizada às margens do rio Igará Paranábingo betmotion grátisLa Chorrera.
"Essa era a praça onde chegavam os indígenasbingo betmotion grátisvárias partes da floresta, no diabingo betmotion grátisque a carga era pesada, diabingo betmotion grátisque também era embarcada", conta Edwin Teteye, indígena Bora.
Nessa mesma praça, diz Edwin, ocorreram eventos atrozes. "Quando os indígenas não atingiam a quantidade exigidabingo betmotion grátisborracha, eram açoitados. Outros eram pendurados, enforcados e chicoteados para servirbingo betmotion grátisexemplo à população."
Foi um regime que funcionou graças a uma prática conhecida como "endividamento", que a indústria da borracha estabeleceu pela primeira vez na Amazônia.
Era uma espéciebingo betmotion grátistroca onde diziam aos indígenas algo como: "Te dou um facão e você me traz três quilosbingo betmotion grátisborracha".
Funcionava porque ferramentas como o facão eram muito valorizadas na região.
"Os indígenas não tinham acesso a elas e, quando conseguiam, eram muito úteis para seus cultivos e para o dia a dia na floresta", explica Camilo Gómez, doutorbingo betmotion grátisAntropologia pela McGill University (Canadá).
O problema é que quem estabelecia o valor da dívida eram os próprios capatazes.
"Eles inflavam tanto os preços, que um indígena poderia levar anos para pagar por um único facão ou acabar deixando a dívida para seu filho", acrescenta.
O sequestro e a expedição
Em 1907, Walter Hardenburg, um engenheiro americano que trabalhava na construçãobingo betmotion grátisferrovias, chegou ao Putumayo.
Arana ebingo betmotion grátisgente decidiram sequestrá-lo porque temiam que fosse um infiltrado.
Estavam errados, mas não puderam impedir que Hardenburg se tornasse a primeira testemunha a documentar a crueldade excessiva que imperava ali. Quando conseguiu sair, ele decidiu contar ao mundo.
Hardenburg publicou vários artigosbingo betmotion grátisuma revista londrina chamada Truth (Verdade,bingo betmotion grátisinglês) ebingo betmotion grátis1912 publicou um livro intitulado The Devil's Paradise ("O Paraíso do Diabo",bingo betmotion grátistradução livre).
Seus relatos são explícitos e arrepiantes:
"Os pacíficos indígenasbingo betmotion grátisPutumayo são obrigados a trabalhar dia e noite na extraçãobingo betmotion grátisborracha, sem a menor remuneração, exceto os alimentos necessários para se manterem vivos.
Eles são despojadosbingo betmotion grátissuas colheitas, suas esposas e filhos para satisfazer a voracidade, luxúria e ganância desta empresa e seus funcionários, que vivembingo betmotion grátissua comida e estupram suas mulheres.
São espancados desumanamente até que seus ossos ficam expostos e suas peles cobertas por grandes feridasbingo betmotion grátiscarne viva. Não recebem tratamento médico, e são deixados para morrer, comidos por vermes, quando servembingo betmotion grátiscomida para os cães dos chefes.
São castrados e mutilados, e suas orelhas, dedos, braços e pernas são cortados. São torturados com fogo e água, e amarrados, crucificadosbingo betmotion grátiscabeça para baixo."
O escândalo forçou o governo britânico a tomar medidas.
Decidiram enviar o diplomata Roger Casement à Amazônia. Em 1910, ele viajou com um grupobingo betmotion grátispessoasbingo betmotion grátisuma expedição que durou três meses.
Ao seu retorno, Casement entregou um relatório que confirmou as alegaçõesbingo betmotion grátisHardenburg:
"O peso acumulado das provas que reunimosbingo betmotion grátispostobingo betmotion grátisposto, e a condição da população indígena, como tivemos a oportunidadebingo betmotion grátisobservar, não nos deixaram dúvidasbingo betmotion grátisque as piores acusações contra os agentes da empresa eram verdadeiras."
O mais escandaloso é que o que estava acontecendo na Amazônia não era novo.
"Já tinha acontecidobingo betmotion grátisvários lugares, por exemplo na África, no Congo. Então foi ver que isso continuava acontecendo que gerou a indignação das pessoas", explica Gómez.
Mas não foi suficiente. A situação não mudou.
"A guerra começou nos Bálcãs [região sudeste da Europa]bingo betmotion grátis1912 e toda a atenção do povo britânico e do mundo se voltou para lá. Então começou a Primeira Guerra Mundial. No fim, aquela indignação na Inglaterra ebingo betmotion grátisLondres não serviu para nada porque a borracha continuou a ser extraída do Putumayo", acrescenta.
O roubo
Em paralaelo ao diplomata Roger Casement, outro inglês, sem intenção, seria decisivo nessa história.
Seu nome é Henry Wickhman. Ele viajou para a América Latinabingo betmotion grátisbuscabingo betmotion grátisfortuna. Sem dinheiro e sem nada a perder, aventurou-se a plantar seringueiras, mas as condições da floresta o derrotaram e ele não conseguiu habitá-la.
Ele então decidiu exportar as sementes.
Wickham roubou 70 mil sementesbingo betmotion grátisseringueira da Amazônia e conseguiu levá-las para a Inglaterra, dando origem a um dos primeiros casos do que se conhece como biopirataria.
Embora tenham se passado muitos anos até que as árvores produzissem a borracha necessária, até 1930, as colônias asiáticas haviam se tornado as maiores produtoras das "árvores que choram".
Transportar a borracha para a Europa deixoubingo betmotion grátisser lucrativo.
Embora Julio César Arana não pudesse mais competirbingo betmotion grátispreço, ele ebingo betmotion grátisgente sentiam que eram donos da terra e deslocaram para o Peru muitos dos indígenas que restavambingo betmotion grátisLa Chorrera.
A avó da professora Odilia vivenciou isso. "Minha avó me dizia que a levaram criança para o Peru e que viviam no meio do algodão. Que tinham que trabalhar na roça para o dono da terra, que havia muitos porcos e galinhas."
Enquanto isso, Arana ebingo betmotion grátisgente se encarregarambingo betmotion grátisacabar com tudo o que podiam na Colômbia.
"Mandaram arrancar todas as sementes e todas as frutas aqui no território, para quê? Eles diziam: 'Bem, para que eles não queiram voltar'. Ou seja, eram ruins e bastante ruins porque queriam nos deixar sem nada e deixar o território desabitado porque era a fazenda deles", conta a líder Fany Kuiru, enquanto esclarece:
"Eu não estava aqui naquela época, mas meus avôs e avós estavam."
Os antepassadosbingo betmotion grátisFany e daqueles que hoje habitam La Chorrera também viveram a única guerra que a Colômbia teve com outro país.
Foi um conflito que durou um ano. Peru e Colômbia disputaram a soberania do Putumayo que terminou com o estabelecimento das fronteiras que conhecemos hoje.
Os sobreviventes
Paradoxalmente, a guerra também representou uma oportunidadebingo betmotion grátisfuga para os indígenas escravizados no Peru. Com seus patrões distraídos com o conflito, eles tiveram a oportunidadebingo betmotion grátisplanejarbingo betmotion grátisfuga.
"Minha avó tinha 7 anos e fugiu entre pessoas que não erambingo betmotion grátissua família direta. Andaram muito, atravessaram o Putumayo. Muitos morreram no caminho por picadabingo betmotion grátiscobra ou malária", conta a professora Odilia.
Quando a guerra acabou, alguns indígenas conseguiram retornar ao seu território e outros permaneceram no Peru.
"Em outras palavras, nossa família também está no Peru. Os que conseguiram retornar ao território começaram a reconstruir", diz Fany.
Mas era uma reconstrução que carregava um passado sombrio.
"O processobingo betmotion grátisetnocídio, que chamamos, é um processo muito forte. Nossos ancestrais também carregavam muita energia, muito manejo da natureza, então toda essa energia também ficou concentrada neste lugar. E realmente pode-se dizer que era uma referência, como um lugar quase que amaldiçoado porque havia muita dor, havia um imaginário muito negativo", explica Edwin.
Foi um período tão doloroso que por muito tempo os povos indígenas optaram pelo silêncio.
"Minha avó costumava dizer: 'Essa história é muito triste e é bom não lembrar porque é insuportável lembrar disso'", diz Odilia.
Edwin me explica que "muitas pessoas mais velhasbingo betmotion grátisalgum momento disseram: 'É melhor não destampar estes cestos, algo que já está enterrado, que está tranquilo'".
Mas as novas gerações, como a sua, começaram um trabalho para recuperar essa memória.
"No processobingo betmotion grátisorganização, queríamos, mais uma vez, que nossos jovens conhecessem nossa história, que a Colômbia conhecesse a história, que o mundo conhecesse o que aconteceu aqui nesta região, por isso foram feitas várias ações para dar visibilidade. Também perante o governo colombiano foi solicitado que esta casa fosse considerada como um bem cultural da Nação".
Passaram-se muitos anos até que os povos originários pudessem recuperar legalmente seu território.
Quando a guerra terminou, Julio Cesar Arana vendeu a terra ao governo colombiano por US$ 200 mil na época.
E o governo colombiano decidiu entregar a gestão dessas terras a uma instituição financeira.
Fany estava presente. "Em 1985, um dia a Caixa Agrária [instituição financeira estatal colombiana] chegoubingo betmotion grátisum pequeno avião a La Chorrera e então alguns engenheiros, arquitetos e o diretor do projeto chegaram para dizer que isso era deles e que eles tinham vindo para construir um centrobingo betmotion grátispesquisa nas ruínas da Casa Arana."
Os povos amazônicos se opuseram. Eles temiam quebingo betmotion grátiscultura fosse ameaçada novamente e empreenderam um longo processo.
"Foram cercabingo betmotion grátiscinco anos até que finalmente conseguimos que o presidente Virgilio Barco,bingo betmotion grátis1988, nos intitulasse essas terras como reserva indígena para os povos que vivem aqui. Ou seja, recuperamos nosso território", explica Fany.
O presente
Hoje a reserva indígena Predio Putumayo compreende quase 6 milhõesbingo betmotion grátishectares localizados no coração da Amazônia colombiana.
"Há a presençabingo betmotion grátisvários povos, mas principalmente os Uitoto, Bora, Muinane e Okaina, embora estes tenham perdido completamentebingo betmotion grátislíngua porque a última pessoa que a falava morreu", conta Gómez.
E se todas as pessoasbingo betmotion grátisLa Chorrera concordambingo betmotion grátisalgo, é que esses povos são caracterizados por seu poderbingo betmotion grátistransformação. Os Uitoto, Okaina, Muinane e Bora se uniram para resistir, transformar e reconstruir seu território.
Um símbolo disso é o lugar que foi a Casa Arana. Hoje está bem ali, às margens do Rio Igara Paraná, e embora mantenha parte da estrutura original, tem outra finalidade.
Chama-se Casa do Saber e foi transformadabingo betmotion grátisescola secundária que atende 840 jovens indígenasbingo betmotion grátistoda a região do Putumayo. Oferece também a modalidadebingo betmotion grátisinternato para quem morabingo betmotion grátiscomunidades distantes do centro povoado.
Esses jovens recebem uma educação que busca manter a tradição indígena enquanto aprendem sobre a cultura não indígena. Na escola, por exemplo, há aulasbingo betmotion grátisUitoto e Bora, mas também inglês e português.
A professora Odilia é uma das responsáveis pelo ensinobingo betmotion grátislínguas indígenas e criou uma peçabingo betmotion grátisteatro com seus alunos sobre a históriabingo betmotion grátissobrevivênciabingo betmotion grátissua avó.
"Na escola, tentamos manter a história viva, primeiro reconhecer quem somos para manter nossa identidade, saberbingo betmotion grátisonde viemos e para onde vamos. Depois, com essa intenção, trabalhamos com os alunos", afirma.
"Tentamos passar para eles o que sabemosbingo betmotion grátisnossos ancestrais."
De fato, toda vez que os estudantes da Casa do Saber atravessam a escolabingo betmotion grátisuma ponta a outra, passam diantebingo betmotion grátisum imenso mural, pintado pelo artista uitoto Rember Yaguarcan.
"Esse mural chama-se O choro dos filhos do tabaco, da coca e da mandioca doce. É feitobingo betmotion grátistrês fases, a primeira [esquerda] é o tempo inicial, as malocas e a natureza. Depois temos um palco triste [centro], o tempo do genocídio da borracha onde se refletem todas as situações vividas e o terceiro [direita] é a projeção futura, a luta organizacional", explica Teteye.
Essa obrabingo betmotion grátisarte lembra aos mais jovens que seus povos seguem vivos graças ao fatobingo betmotion grátisque, há um século, seus ancestrais resistiram e sobreviveram ao doloroso "holocausto da borracha".
*Imagens de: "Álbumbingo betmotion grátisfotografias Viagem da Comissão Consular ao Rio Putumayo e afluentes" (1912) / Arquivo: Centro Amazônicobingo betmotion grátisAntropologia e Aplicação Prática (CAAAP)
- Este texto foi publicado originalmentebingo betmotion grátishttp://vesser.net/internacional-62770837
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