Covid: 5 motivos que explicam por que Índia recebe mais ajuda do mundo que Brasil:

Pessoa carregando cilindooxigênio

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Uma pessoa esperando para reabastecer seu cilindrooxigênio vazioGurgaon, Índia; cena aconteceu tanto no Brasil quanto no pais asiático

Nos mesesque foi o epicentro da crise, o Brasil chegou a receber ajudavizinhos como Venezuela e recursos mais discretos do governo americano, mas parou por aí. Qual é a razão deste contraste?

Especialistas apontam cinco fatores que explicam essa diferença: a escala da crise na Índia e o que isso pode significar para o mundo, a importância econômica e geopolítica do país, a diferençapostura entre os líderes da Índia e do Brasil, a importância da diáspora indiana global e o timing da crise.

Escala da crise na Índia

A escalada da crise na Índia começouabril, com o númerocasos aumentando rapidamente. Mais222 mil pessoas já morreram vítimas da covid-19 no paísquase 1,3 bilhãopessoas.

CrematórioDélhi

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Legenda da foto, O verdadeiro númeromortes na Índia provavelmente é muito maior do que o número fornecido pelas autoridades

Proporcionalmente, morreram mais pessoas no Brasil - um país211 milhõespessoas com quase 410 mil mortes. Mas uma explosãocasosum país1,3 bilhãopessoas - que chegou a bater o recorde mundial400 mil novos casoscovid-1924 horas - não é pouca coisa.

"A Índia é o segundo país mais populoso do mundo. Estamos falandoum país onde é extremamente difícil fazer o isolamento. Uma grande parte da população vive abaixo da linhapobreza, com dificuldadetestagem", diz à BBC News Brasil a professora associadarelações internacionais da PUC Minas Rashmi Singh, que é indiana. "A gravidade da crise, apenas por causa do tamanho da população indiana, já supera a crise brasileira."

O que acontecer na Índia, diz ela, vai se espalhar para os países do entorno, como Nepal, Bangladesh e Paquistão, alémpossivelmente afetar o resto do mundo. "Quanto maior for a explosão, mais chances teremosver variantes. Então o mundo está preocupado, e com bastante razão."

Para Singh, os países também se preocupam porque pensam que esse pode ser só o começo da crise. Temem que o que está acontecendo na Índia possa aconteceroutros países pobres. "Estamos vendo faltaoxigênio, medicamentos. Sabemos que isso aconteceu no Norte do Brasil ecidades como Nova York, onde o sistema ficou completamente sufocado. Exceto que o Norte do Brasil agora é toda a nação da Índia. Isso vai para alémsuas fronteiras."

De fato, na Índia há escassezvagasUTIs, que vêm recusando novos pacientes, eoxigênio. Médicos descrevem como as pessoas estão morrendo nas ruas. Há cremaçõesmassa, e crematórios da capital construíram piras funerárias para dar conta da demanda.

Um pacientecovid-19 usando uma máscaraoxigênio médica sendo carregadouma maca para um hospital antes da internaçãoCalcutá, na Índia,24abril2021

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Legenda da foto, A Índia tem a segunda maior população do mundo, quebreve deve se tornar a primeira, e bateu recordenovos casoscovid-19um dia

Cilindros com oxigênio são essenciais para manter e estabilizar os pacientes com covid-19 grave — alémpacientes com outras enfermidades. Sem esse insumo básico, muitos indivíduos hospitalizados acabam morrendo. Isso tem acontecido na Índia, assim como ocorreu no Brasil.

No Amazonas, faltaram cilindrosoxigênio, fazendo com que equipessaúde tivessemrecorrer à ventilação manual. A SecretariaSaúde do Amazonas determinou a requisição administrativaestoqueoxigênio17 empresas. A criseoxigênioManaus fez o governo federal virar alvoinvestigação e será um dos focos da CPI da Covid que começou nesta semana.

Outros Estados do Brasil também sofreram - a Fiocruz divulgou um documento dizendo que o país passava pela maior crise sanitária e hospitalar da história. Todos os Estados ficaramzonaalerta críticorelação à ocupaçãoleitosUTI e, assim como na Índia, pessoas morreram por faltaleito.

Importância geopolítica, econômica evacinas

A Índia tem a segunda maior população do mundo, quebreve deve se tornar a primeira, e com maioriajovens. É a sexta maior economia do mundo considerando o PIB nominal. E previsões econômicas apontam que o país se tornará a principal economia do mundo na segunda parte do século 21.

Ou seja, "é importante ter uma boa relação com o país", diz Oliver Stuenkel, professorRelações Internacionais da FGVSão Paulo.

Nas palavras do diplomata aposentado e professorRelações Internacionais da ESPM, Fausto Godoy, a Índia é "um monumentocultura e civilização", com muito poder político, econômico e soft power por causasua cultura e história.

Por isso, os países do "ocidente central" - como ele chama os Estados Unidos e países da Europa - "olham muito mais para a Índia do que para o Brasil". Godoy foi embaixador do Brasil no Paquistão e no Afeganistão e morou11 países da Ásia, incluindo duas passagens pela Índia (de 1984 a 1987Nova Delhi e 2009 a 2010 como cônsul geralMumbai).

Parentes ao lado das piras funerárias daqueles que morreram devido à COVID-19, no crematórioGhazipur,Nova Delhi.

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Legenda da foto, Uma explosãocasosum país1,3 bilhãopessoas - que chegou a bater o recorde mundial400 mil novos casoscovid-1924 horas - não é pouca coisa

Para os Estados Unidos, é um parceiro estratégico muito importante, observa Stuenkel, "não apenas no quesito contenção da China, mas do pontovista econômico".

"A Índia é um poderio econômico. Qualquer crise que acontece na Índia afeta o mundo inteiro", opina Singh.

Além disso, no contexto da pandemia, talvez o fato mais importante seja oque a Índia é a maior produtoravacinas do mundo - suas duas maiores fabricantes têm a capacidadeproduzir 90 milhõesdoses por mês. "No fimtudo, o mundo está muito preocupado porque a Índia é um elemento crítico na cadeiaabastecimento da vacina", diz Singh. "É uma crise do mundo inteiro, que vai impactar países que já estavam recebendo vacinas."

Além da ajuda do Reino Unido epaíses da União Europeia que ofereceram ventiladores e oxigênio para a Índia, os Estados Unidos também informaram que fornecerão equipamentos médicos eproteção ao país. Também vão suspender a proibiçãoenviomatérias-primas ao exterior, permitindo que a Índia produza mais da vacina AstraZeneca, algo que o país reivindicava.

Além disso, diante da crise na Índia, o governo norte-americano anunciou que deve doar 60 milhõesdoses da AstraZeneca a outros países, algo que o Brasil havia pedido.

Um homem carrega um cilindrooxigênio enquanto pessoas fazem fila para comprá-lovendedores particulares para tratarparentes doentesManaus, 15janeiro2021

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Em Manaus, familiares tiveramcomprar oxigêniovendedores particulares para tratarparentes doentes

"Pode ser tarde demais", diz Singh. "Já há algum tempo que o governo e organizações da sociedade civil pedem ajuda, que tem demorado muito a chegar." Para ela, não há altruísmo ou filantropia por parte dos países que estão oferecendo ajuda, só uma conclusão tardiaque é preciso haver distribuição igualitáriainsumos e vacinas.

O Brasil havia feito apelos aos Estados Unidos para o envioum estoquevacinas excedentes. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), enviou uma carta à vice-presidente americana Kamala Harris pedindo que os americanos vendessem ao Brasil parteseu suprimentovacinas AstraZeneca que ainda não tinha aval para uso interno. Segundo um post do Itamaraty no Twitter no dia 21março, o governo brasileiro estava negociando com os EUA a importaçãoparte do estoque.

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A BBC News Brasil procurou o Itamaraty para saber qual havia sido o resultado das negociações. "O diálogo bilateral entre Brasil e EUA é constante e fluido. O Itamaraty estácontato com a unidade recém-criada pelo DepartamentoEstado norte-americano dedicada à alocaçãovacinas para parceiros internacionais dos EUA. Trabalhamos para que o Brasil possa disporaporte daquelas vacinas, à medida que evolua a parcela já imunizada da população norte-americana", respondeu a instituição.

No auge da crise brasileira, quem ajudou o país foi a Venezuela, enviando cilindros comoxigênio a Manaus.

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E, segundo a Embaixada americana no Brasil, o governo dos EUA doou US$ 19,7 milhões (R$ 108 milhões) para combater a covid-19 no Brasil.

Bolsonaro x Modi

Não é só o poderio político e econômico. Também importa a postura dos líderes da Índia e do Brasil.

"Nós não temos uma boa cara perante a opinião pública internacional", resume Godoy. A imagem externa do governo Bolsonaro e"um ministro das Relações Exteriores que só fez desastre" contribuiu para um desgaste perante a opinião pública.

Em entrevista à BBC News Brasil nesta semana, o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero atribuiu a diferença entre a ajuda à Índia e a ajuda ao Brasil à "rejeição do Brasil pelo mundo". "O Brasil hoje já se converteu numa espécie'pária' do mundo. Isso se vê agora na pandemia", afirmou. "Então, é óbvio que, na hora que o Brasil precisa, não existe da parte do mundo exterior, uma reaçãosolidariedade."

Na semana passada, reportagem do jornal Washington Post apontou como "a imagem internacional que [o Brasil] passou décadas cultivando - com foco ambiental, amigável, multilateral - foi minada por um presidente cujo governo insultou grande parte do mundo no momentoque o Brasil mais precisavasua ajuda".

Para Stuenkel, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, foi "muito mais pragmático" que o Bolsonaro quando Biden venceu a eleição nos Estados Unidos. "A Índia deixou bem claro que apesaro Modi ter sido um grande amigo do Trump, que gostariamanter essa relação privilegiada com os EUA, enquanto o Bolsonaro demorou muito para parabenizar o Biden."

Por isso, para ele, "o Brasil complicou muito, atrapalhou muito uma possível iniciativa internacionalenviar ajuda por meiouma postura muito radicalizada não só na pandemia, mas também no âmbito ambiental, como na retórica contra o multilateralismo".

Profissionaissaúde examinando corpomulher que morreu com suspeitacovidManaus

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Em janeiro, Manaus viveu tragédia da faltaoxigênio medicinal. Caso se tornou alvoinvestigação

Já na opinião da professora da PUC-MG, a personalidadeBolsonaro pode exercer algum papel na situação, mas é "marginal". "Relações exteriores são uma composiçãoestratégia e interesse próprio. Pode haver antipatiarelação ao Bolsonaro no mundo, mas não acho que seja suficiente para que os países não prestassem atenção e ajudassem o Brasil se fosseseu interesse."

De qualquer forma, diz ela, ignorar o que acontece no Brasil é um erro. "O Brasil é, sim, um dos epicentros da crise. Não tem a população que a Índia tem nem exerce um papel importante na cadeiaproduçãovacinas e outros produtos, mas as variantes desenvolvidas no Brasil são extremamente problemáticas. É um sinal claro que o mundo precisa ouvir."

Diáspora indiana

Para Stuenkel e Godoy, a poderosa diáspora indiana também faz com que o mundo se volte mais à Índia do que ao Brasil. "A diáspora indiana estávários setores, liderando grandes empresas transnacionais. Ajudam a elevar o conceito da Índia no mundo", diz Godoy.

Nos Estados Unidos, a presença indiana é "enorme,longuíssima data, muito bem-sucedida e integrada socialmente e economicamente também", avalia Stuenkel. A diáspora faz parte da elite da sociedade americana, observa ele, com descendentes no Congresso, vários políticos relevantes e CEOsgrandes empresas. Por isso, o debate sobre a Índia ganhou um destaque nos Estados Unidos muito maior que a crise brasileira.

Paciente com oxigenio na India

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Os EUA vão suspender a proibiçãoenviomatérias-primas ao exterior, permitindo que a Índia produza mais da vacina AstraZeneca, algo que o país reivindicava

Timing

Por fim, Stuenkel destaca que a diferençatimingquando o Brasil começou a virar o epicentro da pandemiarelação ao momento da crise na Índia pode ser fundamental.

Naquela época, diz ele, os Estados Unidos não tinham vacinado tanta gente. "Agora, aos poucos a decisãoenviar as vacinas para fora se torna politicamente menos arriscada. A Índia pedindo ajuda agora aos EUA é mais fácil do que era dois, três meses atrás", diz Stuenkel.

"Já há mais segurançarelação às vacinas, então o Biden pode abrir mão das vacinas da AstraZeneca sem ser acusadose esquecer ounão se importar com a vida dos americanos."

Línea

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