Covid-19: Anthony Fauci diz que Brasil deve considerar seriamente fazer lockdown:
"Não há dúvidaque medidas severassaúde pública, incluindo lockdowns, têm se mostrado muito bem-sucedidasdiminuir a expansão dos casos. Então, essa é uma das coisas que o Brasil deveria pensar e considerar seriamente dado o período tão difícil que está passando", argumentou Fauci.
Há três dias, no entanto, o ministro da Saúde do Brasil, Marcelo Queiroga, praticamente descartou essa medida ao dizer que "a ordem é evitar lockdown".
Na outra frente, a das vacinas, a situação também não é confortável: apenas 20 milhõesbrasileiros (pouco mais9% da população) já receberam ao menos uma doseimunizante, e no ritmo atual não chegaria à metade da população neste semestre.
Depoisrecusar ofertasvacinas da Pfizer, ameaçar boicotar a CoronaVac e não buscar outros fornecedores além da AstraZeneca-Oxford, cuja fabricação pela Fiocruz vem sofrendo sucessivos atrasos, o governo Bolsonaro se viu sem muitas opções para acelerar a chegada das vacinas aos braços brasileiros.
Desde março deste ano, o governo federal tenta negociar a compraalguns milhõesdoses da vacina AstraZeneca-Oxford que estão sem uso nos Estados Unidos atualmente e não devem ser necessárias ao país, que conta com estoquesPfizer, Moderna e Janssen suficientes para a população.
Fauci, no entanto, indica que os Estados Unidos não devem repassar essas doses ao Brasiluma negociação bilateral.
"Os Estados Unidos já desempenham um papel importante na tentativalevar vacinas para outros países que precisam. Nós retornamos à Organização MundialSaúde (OMS), estamos nos juntando ao Covax", afirmou Fauci,referêcia ao consórciopaíses lderado pela OMS para distribuir vacinas aos países mais pobres.
O médico completou: "E já deixamos bem claro que assim que levarmos as vacinas para a esmagadora maioria das pessoas nos EUA, alémtermos o suficiente para reforços, colocaremos o excessovacina à disposição dos paísestodo o mundo que precisarem".
Segundo ele, isso seria feito via Covax, que, no entanto, não deve trazer grande alívio à condição do Brasil, já que o governo federal optou por participar da iniciativa apenas com a cota mínima,42 milhõesdoses (e até agora só recebeu 1 milhão delas).
Fauci, que chefia o Instituto NacionalAlergia e Doenças Infecciosas (NIAID) desde 1984, não quis comentar sobre a responsabilidadeBolsonaro no agravamento da pandemia.
Ele disse, no entanto, que o exemplo dos Estados Unidos, onde mais550 mil morreramcovid-19, mostra ao Brasil que "negar a gravidade do surto nunca ajuda. Na verdade, muitas vezes piora a situação".
"Para controlar uma epidemia, você precisa admitir que tem um problema sério. Depoisadmitir que tem um problema sério, você pode começar a fazer as coisas para resolvê-lo", afirmou Fauci.
Para ele, os países que tiveram mais eficiêncialidar com a covid-19, como Austrália e Nova Zelândia, devem seu sucesso ao acertoum comando central que contou com a cooperação da população. "Quando você tem conflitos, sejam eles políticos ou não, isso sempre diminui a eficácia do controle do vírus."
Leia a seguir os principais trechos da entrevistaAnthony Fauci à BBC News Brasil.
BBC News Brasil - Umcada três mortos por covid-19 no mundo hoje é do Brasil. No país, as pessoas estão morrendo sem acessos a UTIs, há faltaoxigênio e sedativoshospitais e uma desproporção no númeromortesjovens. Como avalia o que está acontecendo?
Anthony Fauci - O Brasil está passando por uma situação muito infeliz. A variante P1, que parece estar dominando o país, tem a característicaser muito eficiente na propagaçãopessoa para pessoa. Não temos certeza se causa uma doença mais séria (do que o vírus da covid-19 original), mas muito provavelmente pode.
E, dadoque o Brasil ainda não vacinou uma grande proporçãosua população, é bastante compreensível que o sistemasaúde no Brasil esteja sobrecarregado. Está tendo um grande aumentocasos que teve um impacto muito negativo sobre o sistemasaúde, que,muitos aspectos, não tem sido capazlidar com o fluxopacientes que chega agora. Então, todos reconhecem que é uma situação muito grave no Brasil.
BBC News Brasil - A vacinação contra covid-19 no Brasil segueritmo lento por faltadoses, e o presidente brasileiro foi à Justiça lutar contra a adoção lockdown , que ele diz que não funciona. Considerando isso, que medidas o Brasil poderia tomar para combater a pandemia?
Fauci - Não há dúvidaque medidas severassaúde pública, incluindo lockdowns, têm se mostrado muito bem-sucedidasdiminuir a expansão dos casos. Você não precisa fazer um lockdown sem prazo pra acabar, mas, se restringir a circulação e garantir que todos usem máscara, você não terá pessoas se reunindoambientes fechados comorestaurantes e bares, e isso diminui o númerocasos.
Portanto, acho importante ressaltar que esses tiposrestriçõessaúde pública são cruciais para se obter controle sobre epidemias. Vimosmuitos outros países onde houve uma grande quantidadecasos que, quando as medidassaúde pública foram implementadas, o númerocasos diminuiu drasticamente. Então, essa é uma das coisas que o Brasil deveria pensar e considerar seriamente dado o período tão difícil que está passando.
BBC News Brasil - O jornal americano The Washington Post mostrou que a variante P1, surgida no Brasil, se espalhou pela América do Sul. Ela já foi identificada25 países. O mesmo jornal afirmou que a pandemia no Brasil faz do país uma ameaça global. O senhor vê o Brasil como ameaça, não só pela P1 como pela possibilidadesurgimentooutras variantes?
Fauci - Não vou fazer uma declaraçãoque o Brasil é uma ameaça, porque isso poderia ser tirado do contexto e seria uma fraseefeito infeliz. O que estou dizendo é que o Brasil estáuma situação grave que está se espalhando para outros países da América do Sul, o que é lamentável. E esse é um dos motivos pelos quais é muito importante para a América do Sul e o Brasil,particular, tentar vacinar o máximopessoas o mais rápido possível.
BBC News Brasil - Existem doses extras da vacina AstraZeneca-Oxford nos Estados Unidos que não estão sendo usadas. Alguns cientistas do país argumentam que as doses devem ser enviadas ao Brasil o mais rápido possível. Qualopinião?
Fauci - Os Estados Unidos já desempenham um papel importante na tentativalevar vacinas para outros países que precisam. Como você provavelmente sabe, nós retornamos à Organização MundialSaúde, estamos nos juntando ao Covax, que é um consórcioorganizações e países cuja finalidade é levar dosesvacina para aquelas partes do mundo que não têm acesso às vacinas. Demos ou já prometemos US$ 4 bilhões (R$ 22,4 bilhões)recursos para fazer isso. E já deixamos bem claro que assim que levarmos as vacinas para a esmagadora maioria das pessoas nos Estados Unidos, alémtermos o suficiente para reforços, colocaremos o excessovacina à disposição dos paísestodo o mundo que precisam delas.
BBC News Brasil - E isso vai ser feito por meio do Covax?
Fauci - Sim, por meio do Covax.
BBC News Brasil - Os Estados Unidos parecem já ter deixado para trás o maior picoinfecções. Que lições o Brasil pode tirar da experiência dos americanos?
Fauci - Acho que a lição é sempre seguir a ciência da maneira que venho tentando dizer há maisum ano, porque, se você seguir a ciência, provavelmente terá um melhor controle sobre o vírus e será capazseguir as evidências que surgirem.
Às vezes, é necessário impor restrições mais duras que são diretrizessaúde pública para controlar a epidemia. Negar a gravidade do surto nunca ajuda. Na verdade, muitas vezes piora a situação. Para controlar um surto, você precisa admitir que tem um problema sério.
Depoisadmitir que tem um problema sério, você pode começar a fazer as coisas para resolvê-lo.
BBC News Brasil - É possível determinar o que fazum país um exemplosucesso na pandemia? Poderia dar bons e maus exemplos disso e explicar o porquê?
Fauci - Não vou dar maus exemplos. Vou te dar bons exemplos. Uma das coisas que é importante é que um país tem que se unir, e as pessoas têm que agirforma uniforme, reconhecendo que o inimigo comum é o vírus e não ter conflitos sobre qual é a melhor abordagem. É preciso ter uma direção e garantir que a população seja cooperativa no cumprimento das ordens do poder central.
Vemospaíses como Austrália, Nova Zelândia, Taiwan e Cingapura, nos quais uma das decisões tomada foi afazer lockdown, e o país seguiu isso e entroulockdown. Quando foi a horaabrir, houve a reabertura. Mas quando se tomou essa decisãorestringir certas coisas, todos cooperaram.
É realmente uma situaçãoque é importante que haja cooperação, que as pessoas tenham o objetivo comumcombater o vírus. Quando você tem conflitos, sejam eles políticos ou não, isso sempre diminui a eficácia do controle do vírus.
BBC News Brasil - Deveríamos já ter uma vacina focada especificamente na variante P1?
Fauci - As vacinas funcionam muito bem contra a maioria das variantes. Acho que o importante é levar a vacina ao povo brasileiro o mais rápido possível. Não precisa ser específica contra a P1. A P1 diminui um pouco a eficácia (dos imunizantes), mas não a elimina. Portanto, é possível obter um grande benefício com a vacina padrão.
BBC News Brasil - O senhor vê dias difíceis pela frente para o Brasil?
Fauci - Acho que se você levar as vacinas ao povo brasileiro, as coisas vão melhorar com certeza. Isso é o que importa. Você tem que conseguir controlar (o contágio) com medidassaúde pública, alémlevar o máximovacina o mais rápido possível para o povo brasileiro.
BBC News Brasil - Existe uma disputa no Brasil agora porque as pessoas querem ir à igreja. Nós vimos isso nos Estados Unidos. O que diria sobre isso nesse momento difícil da pandemia?
Fauci - Diria que as pessoas precisam evitar ambientes fechados e cheiosgente. Sei que todo mundo quer ir à igreja, e isso é muito importante, mas é preciso ter cuidado ao lidar com lugares lotados. Geralmente, é um localdisseminação do vírus.
Minha mensagem ao povo brasileiro é tentar ao máximo evitar aquelas coisas que levam à propagação do vírus, usar máscaras, evitar ir a ambientes lotados, manter distância física, lavar as mãos. Sempre que você puder. Esses são os elementos básicossaúde que, se os brasileiros seguirem, poderão controlar a pandemia.
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