A história da jornalista branca que viveu um ano como uma mulher negra nos anos 1960:aposta menos de 0.5 gols

Grace Halsell

Crédito, Mary Couts Burnett Lib Special Cols/Texas C. U.

Legenda da foto, A jornalista Grace Halsell decidiu que se tornaria negra por um ano
Grace Halsell puxando um riquixáaposta menos de 0.5 golsHong Kong com o puxadoraposta menos de 0.5 golsriquixá, Lau Kwei, no bancoaposta menos de 0.5 golstrás

Crédito, Mary Couts Burnett Lib Special Cols/Texas C. U.

Legenda da foto, Grace Halsell puxando um riquixáaposta menos de 0.5 golsHong Kong com o puxador, Lau Kwei, no bancoaposta menos de 0.5 golstrás

Assim como Griffin, o método escolhido foi a medicação para vitiligo, uma doença que causa despigmentação da pele pela falta ou diminuiçãoaposta menos de 0.5 golsmelaninaaposta menos de 0.5 golsdeterminadas áreas. A ideia era tomar as pílulas para "potencializar" a exposição ao sol, adquirindo um tomaposta menos de 0.5 golspele mais escuro, o que finalmente alcançou após uma viagem para Porto Rico. "Para ter certeza, coloquei o meu braço junto ao dele [de umaposta menos de 0.5 golsseus médicos]. Ele é negro, mas eu estava mais escura", descreveu no livro.

Naquele outono, embarcou para o Harlem, bairro da cidadeaposta menos de 0.5 golsNova York com uma grande comunidade afro-americana. Com um vestidoaposta menos de 0.5 golsalgodão simples e sapatilhas, um lenço sujo amarrado no cabelo, lentesaposta menos de 0.5 golscontato pretas e US$ 20 no bolso, entrou no ônibus rumo aaposta menos de 0.5 golsnova vida, porque "parecia bobo voar para um gueto", escreveu.

Seus medos eram muitos: que descobrissem que era branca e a castigassem por isso, que os homens negros a estuprassem ou roubassem (como acreditava a população branca), e que encontrasse algo parecido com o infernoaposta menos de 0.5 golsDante. "Abandone toda esperança aquele que por aqui entrar", pensava enquanto o ônibus se aproximava do bairro.

As capasaposta menos de 0.5 gols'Black Like Me', escrito por um homem branco que se passou por negro e viajou pelo sul dos EUA; eaposta menos de 0.5 gols'Soul Sister',aposta menos de 0.5 golsque a jornalista Grace Halsell faz o mesmo

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, As capasaposta menos de 0.5 gols'Black Like Me', escrito por um homem branco que se passou por negro e viajou pelo sul dos EUA; eaposta menos de 0.5 gols'Soul Sister',aposta menos de 0.5 golsque a jornalista Grace Halsell faz o mesmo

Transformações como nicho

Mas nada disso aconteceu. Na verdade, o Harlem era tão diferente do que ela havia esperado, que alguns meses depois ela decidiu ir para o Mississippi, no sul do país, trabalhar como empregada doméstica na casaaposta menos de 0.5 golsuma família branca.

"Sempre que encontrava alguém que não se enquadravaaposta menos de 0.5 golsum padrão que ela tinhaaposta menos de 0.5 golsmente, ela os descartava", explica a professoraaposta menos de 0.5 golsestudos afro-americanos Alisha Gaines, da Universidade do Estado da Flórida, autora do livro Black for a Day: Fantasies of Race and Empathy (Preto por um Dia: Fantasiasaposta menos de 0.5 golsRaça e Empatia,aposta menos de 0.5 golstradução livre, publicadoaposta menos de 0.5 gols2017). "Ela aplicava estereótipos e enxergava a negritude somente como sofrimento, dor e vulnerabilidade."

Foi na casa da família branca, porém, que ela chegou pertoaposta menos de 0.5 golster uma das experiências que tanto a atemorizavam. Um dia, o homem (branco) da família tentou estuprá-la, e ela conseguiu se livrar quebrando um retrato da família na cabeça dele. Halsell interrompeu a experiência ali, faltando alguns meses para completar o ano a que se havia proposto. E concluiu, no livro, que "o problema é maior que branco ou preto. É a desumanidade do homem com o homem (e mulher) sempre e por toda a parte".

Grace Halsell

Crédito, Mary Couts Burnett Lib Special Cols/Texas C. U.

Legenda da foto, Halsell, que morreu aos 77 anosaposta menos de 0.5 golsmielomaaposta menos de 0.5 golssetembroaposta menos de 0.5 gols2000, encontrou nas transformações raciais um "nicho"aposta menos de 0.5 golscarreira; nesta foto, Halsell está no México

Onde começa e termina o romantismoaposta menos de 0.5 golsseus relatos, é difícil saber. Halsell, que morreu aos 77 anosaposta menos de 0.5 golsmielomaaposta menos de 0.5 golssetembroaposta menos de 0.5 gols2000, encontrou nas transformações raciais um "nicho"aposta menos de 0.5 golscarreira. Depoisaposta menos de 0.5 golsviver como mulher negra, passou uma temporada entre os índios Navajo, conviveu com imigrantes mexicanos ilegais e viveu com famílias israelitas, palestinas e judaicasaposta menos de 0.5 golsJerusalém.

"Soul Sister éaposta menos de 0.5 golsmuitas formas um livro irritante, mas também muito poderoso dependendo da parte que você lê, e ela cita [o romancista negro James] Baldwin", disse o historiador Robin Kelley, professor da Universidade da Califórniaaposta menos de 0.5 golsLos Angeles,aposta menos de 0.5 golsuma apresentação na Universidadeaposta menos de 0.5 golsIllinoisaposta menos de 0.5 golsChicago.

Kelley está trabalhandoaposta menos de 0.5 golsum livro sobre a jornalista que deve ser lançado neste ano. "Baldwin nos ensinou que não precisamos ser como os outros para construir solidariedade. E ela fala algo parecido com isso, sobre encontrar o que haviaaposta menos de 0.5 golsdiferente e entender como as pessoas sofrem, sairaposta menos de 0.5 golsdentroaposta menos de 0.5 golsnós mesmos. É por isso que ela fez o experimento, não porque queria ser uma mulher negra."

Solidariedade versus empatia

Embora se abstenhaaposta menos de 0.5 golsemitir opinião sobre seu objetoaposta menos de 0.5 golspesquisa — "eu não preciso gostar do meu sujeito", explicou na apresentação —, Kelley reconhece que os experimentosaposta menos de 0.5 golsHalsell são delicados. E um dos problemas é a linha tênue entre falar sobre solidariedade e empatia: a primeira leva a uma ação concreta, enquanto a segunda tende a ser considerada o suficiente.

"A minha definição favoritaaposta menos de 0.5 golsempatia vemaposta menos de 0.5 golsLeslie Jamison, que diz que a empatia está sempre empoleirada entre presente e invasão. O gestoaposta menos de 0.5 golsempatiaaposta menos de 0.5 golsquerer entender o outro é bom, mas quando esse entendimento se torna invasão, ou o peso dele é colocado nas pessoasaposta menos de 0.5 golscor, isso não é empatia", diz Gaines.

"Outro problema é quando ela é considerada o suficiente, aquela coisa do 'oh, eu sinto tanto, sinto profundamente, estou chorando, mas enfim…' Se não te propulsiona para solidariedade, construçãoaposta menos de 0.5 golscoalizão e ação, qual o sentido?"

Rachel Dolezal

Crédito, Creative Commons

Legenda da foto, Rachel Dolezal ficou conhecidaaposta menos de 0.5 gols2015 por ter escondidoaposta menos de 0.5 golsverdadeira raça: branca, ela se passava por negra

Para muita gente, gestos como oaposta menos de 0.5 golsHalsell e Griffin são considerados o ápice da empatia pelo outro — nada poderia demonstrar maior vontadeaposta menos de 0.5 golscompreender outra pessoa do que literalmente se colocar no lugar dele. Em seu obituário no New York Times, por exemplo, Halsell é descrita como "a jornalista que buscou a verdade no disfarce". O livroaposta menos de 0.5 golsGriffin é, até hoje, incluído na listaaposta menos de 0.5 golsleitura nas escolas estadunidenses.

Além deles, há outros casosaposta menos de 0.5 golspessoas brancas que se fingiram negras. O mais recente e amplamente divulgado na mídia é oaposta menos de 0.5 golsRachel Dolezal, queaposta menos de 0.5 gols2015 acendeu um debate ao mentir sobreaposta menos de 0.5 golsverdadeira raça. Ela, uma mulher brancaaposta menos de 0.5 golsMontana, declarou-se negra e chegou a ser presidente da Associação Nacional para o Progressoaposta menos de 0.5 golsPessoasaposta menos de 0.5 golsCor (NAACP)aposta menos de 0.5 golsSpokane, no estadoaposta menos de 0.5 golsWashington, até teraposta menos de 0.5 golsverdadeira identidade revelada e se declarar "transracial": embora tenha nascido e sido criada como branca, ela disseaposta menos de 0.5 golsdiversas entrevista, sentia-se e se identificava como uma mulher negra. A controvérsia virou o documentário "The Rachel Divide", lançadoaposta menos de 0.5 gols2018 pela Netflix.

"A luta antirracista não é ter empatia pelo outro, e sim lutar por uma sociedade melhor. Quando um branco faz algo pelo negro, ele precisa se colocar como dever cívico, e nãoaposta menos de 0.5 golssuperioridade moral", explica a professora Lia Vainer Schucman, da Universidade Federalaposta menos de 0.5 golsSanta Catarina (UFSC), especialistaaposta menos de 0.5 golsracismo, branquitude e relações raciais. "E a tentativaaposta menos de 0.5 golsse parecer negro é a pior coisa que alguém pode fazer na luta antirracista, porque mesmo que viva por um dia como negro, ele pode tirar aquela roupa, e ser negro é o acúmuloaposta menos de 0.5 golsdias, é uma continuidade histórica."

Lugaraposta menos de 0.5 golsescuta

Na visão das especialistas, a empatia pode acabar reforçando os privilégios da população branca. "Por exemplo, o que está acontecendo agora, com George Floyd. Tenho visto muitas pessoas brancas dizendo 'imagine se ele fosse branco'", diz Gaines. "O fatoaposta menos de 0.5 golsque pessoas brancas têm que fazer esse exercício imaginativo para entender que não está certo ajoelhar no pescoçoaposta menos de 0.5 golsalguém por 8 minutos, isso é privilégioaposta menos de 0.5 golsseu auge."

No fim, o que deveria ser uma demonstraçãoaposta menos de 0.5 golsempatia ou um atoaposta menos de 0.5 golssolidariedade, coloca o branco no centro da questão. "Algumas pessoas brancas não conseguem olhar para uma pessoa negra e enxergar uma pessoa, elas têm que torná-la seus próprios filhos brancos e reimaginar todo o cenário para sentir raiva", conclui a professora.

Grace Halsell

Crédito, Mary Couts Burnett Lib Special Cols/Texas C. U.

Legenda da foto, "Quando um branco faz algo pelo negro, ele precisa se colocar como dever cívico, e nãoaposta menos de 0.5 golssuperioridade moral", diz a professora Lia Vainer Schucman, da Universidade Federalaposta menos de 0.5 golsSanta Catarina (UFSC)

E é esse o maior problemaaposta menos de 0.5 golsexperiências como aaposta menos de 0.5 golsHalsell, Griffin ou casos como oaposta menos de 0.5 golsDolezal:aposta menos de 0.5 golsvezaposta menos de 0.5 golsouvir o que pessoas negras ou outras minorias têm a dizer, eles acreditam que precisam falar por elas. "Assim como tem o lugaraposta menos de 0.5 golsfala, tem o lugaraposta menos de 0.5 golsescuta. As pessoas brancas escutam melhor outras pessoas brancas, porque na própria ideiaaposta menos de 0.5 golsbranquitude, há a ideiaaposta menos de 0.5 golsque o branco é neutro eaposta menos de 0.5 golsque o negro fala com viés, o que é um engano, porque não existe um lugar sem viés", diz a pesquisadora brasileira. "Mas a branquitude pauta a ideiaaposta menos de 0.5 golsuma pseudo neutralidade para o branco, então se ele fala, ele está sendo acadêmico, se o negro fala, ele está sendo militante, vitimista. Então é um lugaraposta menos de 0.5 golsque brancos escutam melhor os brancos, e que faz parte da própria lógica racista."

"A Grace não amplificou as vozesaposta menos de 0.5 golspessoas negras, ela se enfiou no meio e falou por eles. Ela dizia 'estou falando por minhas irmãs mais escuras', como se essas irmãs não tivessem voz", diz Gaines. "As pessoas não são mudas, elas só precisamaposta menos de 0.5 golsamplificação. Chamo Graceaposta menos de 0.5 golsuma aliada que falhou, porque ela estava no centroaposta menos de 0.5 golstudo, o tempo todo."

As obras assinadas por autores negros no período evidenciam isso. No mesmo anoaposta menos de 0.5 golsque Halsell publicou Soul Sister, Maya Angelou lançou o primeiro volumeaposta menos de 0.5 golssua autobiografia, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, editado pela primeira vez no Brasilaposta menos de 0.5 gols2009. Em 1970, Toni Morrison publicou o aclamado O Olho Mais Azul — quatro livros depois,aposta menos de 0.5 gols1993, foi reconhecida com um Nobelaposta menos de 0.5 golsLiteratura.

O próprio James Baldwin, que teria inspirado Halsell, publicouaposta menos de 0.5 golsmais importante coletâneaaposta menos de 0.5 golsensaios sobre racismo entre 1955 e 1963. Isso sem falar nos que vieram antes, entre eles Ralph Ellison, que lançou O Homem Invisívelaposta menos de 0.5 gols1952, e Langston Hughes, mortoaposta menos de 0.5 gols1967, que deixou uma prolífica bibliografiaaposta menos de 0.5 golspoesias, romances, contos, teatro e dramaturgia. Não faltavam autores negros para falarem do próprio sofrimento e experiências. Faltavam pessoas brancas dispostas a ouvi-los.

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