O que a morteum poeta aos 32 anos ensina sobre a piora da saúde mental pós Primavera Árabe:
Os números da pesquisa não se referem a casosdepressão comprovados clinicamente, mas simpessoas que dizem se sentir deprimidas. Mas a pergunta que foi feita aos entrevistados trataum desespero duradouro, não apenasuma sensação passageira.
"A vida, às vezes, é exaustiva. Nos últimos seis meses, com que frequência você se sentiu tão deprimido que nada era capazfazer você se sentir melhor?", foi a pergunta. Aqueles que responderam "frequentemente" ou "na maior parte do tempo" foram classificados como "deprimidos" pelo instituto Arab Barometer, responsável pela pesquisa.
Não se fala muito sobre bem-estar mental no mundo árabe, uma região frequentemente analisada sob o ângulo geopolítico: o conflito Israel-Palestina, o petróleo, a religião, o terrorismo e a guerra. Raramente, fala-se do indivíduo e como ele enxerga seu lugar no mundo.
Mas foi a colisão das esferas política e pessoal que deram início à Primavera Árabe, justamente, com um suicídio na Tunísia,2011.
O efeito Bouazizi
Mohamed Bouazizi, um vendedorfrutas, ateou fogo ao próprio corpo após um confronto com autoridades que confiscaram acarrocinha. Ele morreujaneiro2011, dando início a protestos pela Tunísia e diversos outros países do mundo árabe.
Desde então, o númerosuicídios – muitos deles com fogo – aumentaram na Tunísia.
"Bouazizi ateou fogo a si mesmo e, depois desse caso, muitas pessoas o copiaram", afirma o psicólogo clínico Aymen Daboussi. "Isso significa que tirar a própria vidaprotesto se tornou algo integrado coletivamente nas mentes das pessoas".
O númerosuicídios consumados ou tentados alcançaram o pico8572016,acordo com Najla Arfa, do Fórum pela Economia e pelos Direitos Sociais da Tunísia.
"Após a revolução, os problemas entre os jovens aumentaram. Quando (a revolução) começou, ficamos felizes, pensávamos que o mundo iria mudar", diz ela. Porém, essa expectativa positiva desapareceu.
"Entre 2013 e 2014, os jovens começaram a entender o que estava acontecendo, quando políticos antigos voltaram ao poder", explica Najla Arfa. "Eles não sabem mais onde se posicionam na sociedade e na economia. Eles se sentem sem espaço."
Gharibi estava preocupado com a situaçãoseu país e tentou ajudar pessoas mais jovens nacidade natal, segundo a ex-namorada Olfa. Sua frustração era evidente no Facebook. "A vida é mais do que apenas sobreviver", comentou Gharibium post.
"Ele era único, uma pessoa rara. Alguns podem achar que 32 anos é ainda muito jovem", diz Olfa. "Mas acho que ele veioum tempo diferente".
Na poesiaGharibi, há uma misturaafastamento e rebeldia. "Sou livre e vivo dentrovocê e sem você", escreveu. "Mesmo se a paixão do seu amor me matar, mesmo na morte ainda apreciaria você. Sou livre e vivo dentrovocê e sem você. Enquanto o meu nome flertar com as lágrimas nos seus olhos".
O estigma dos problemassaúde mental
Mais25 mil pessoas foram entrevistadas pelo Arab Barometer para a pesquisa da BBC News Arabic. De um modo geral, um terço dos entrevistados na região disse estar deprimido.
Parece muito. Mas chega a ser maior queoutras partes do mundo? É difícildizer. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que o Mediterrâneo Oriental – uma região muito próxima do mundo árabe, onde foi feita a pesquisa – tem a menor taxadepressão do mundo e poucos suicídios.
Na Holanda, uma a cada três pessoas irá enfrentar depressão ou ansiedadealgum momento da vida,acordo com um estudo nacional conhecido como NESDA. Já a pesquisa da BBC News Arabic lida com outra dimensãotempo: a saúde mental dos últimos seis meses.
"A pesquisa mostra que uma grande parte da população do Oriente Médio enfrenta altos níveissofrimento", diz Swaran Sing, diretorsaúde mental e bem-estar da UniversidadeWarwick. "Em geral, são números maiores do que as médias ocidentais".
Por que guerra e depressão não são a mesma coisa
Cercametade (43%) das pessoas entrevistadas no Iraque dizem que estão deprimidas. Já no Sudão, são 15%.
Por que o Sudão – que, durante a pesquisa vivia sob um regime político brutal – tem níveisdepressão tão inferiores aos iraquianos? E por que o Iêmen, que estáguerra há quatro anos, é menos deprimido do que Jordânia e Tunísia, que são países relativamente mais estáveis?
Guerra e colapso econômico não causam, necessariamente, depressão. É o que diz Rasjid Skinner, palestrante no Cambridge Muslim College, na Inglaterra, e professor visitante na Universidade Internacional IslâmicaIslamabad, no Paquistão.
Na verdade, explica Skinner, a existênciaum conflito pode reduzir a sensaçãoalienação, ao dar às pessoas o sentimentoterem um propósito compartilhado. Na Irlanda do Norte, por exemplo, as taxassuicídio eram menores nas épocasconflito do que após os acordos que visaram acabar com as hostilidades.
"O que gera bem estar é a sensaçãopertencimento", fala Skinner. E o Sudão é uma das sociedades mais tribais do mundo árabe, gerando fortes laços sociais, continua o especialista.
"Já o que gera sentimentos ruins é não se sentir conectado,uma forma que não vê saída para as dificuldades. É aí que a pessoa entradesespero". No Sudão, também existe uma tradiçãoestudar psicologia, o que pode ter produzido mais conhecimento a respeitotemas ligados à saúde mental, opina Skinner.
Na Tunísia, a esperança desapareceu. E, no Iraque, a remoçãoSaddam Hussein, apesarter gerado uma euforia inicial, parece ter aberto uma caixaPandorainstabilidade e violência sectária.
"As pessoas podem aguentar as circunstâncias desde que exista esperança. Quando você não consegue enxergar esperança, você fica desesperado e esse desespero leva ao suicídio", fala Skinner.
Já faz maisum ano que o poeta Gharibi tirou a própria vida. Para os seus amigos, foi preciso tempo para entender o que se passou.
"Eu não posso dizer que aceitei, mas entendi o que aconteceu", diz Olfa. "Felizmente, ele não morreu como muitas pessoas, porque ele deixou muito. As ideias não morrem, elas continuam aqui. Ele era incrível, verdadeiramente incrível".
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