Plantar a Lua: o polêmico ritual com sanguekkpokermenstruação:kkpoker
O ato também é apresentado como formakkpokercombate a preconceitos.
"Nojo"
"Eu acho que aqui no Brasil a maior formakkpokerpreconceito é o nojo (do sangue) por parte da sociedade e na vergonha ou desconforto que as mulheres ainda sentem ao estarem menstruadas ou ao mostrarem seu sangue menstrual", observa Laura.
A empresária Ana Oliveira,kkpoker28 anos, diz que tal preconceito fica evidente no nojo que alguns homens expressam pelas parceiras menstruadas, no sexo, mas também "na faltakkpokercompreensão no mercadokkpokertrabalho sobre a cólica;kkpokerbrincadeiraskkpokermau gostokkpokerhomens e mulheres com o tema ou na forma como a Tensão Pré-Menstrual (TPM) chega a ser tratada, como se a mulher estivesse 'louca' nesse período".
"Eu e muitas mulheres já vivemos essas experiências e o que o movimento faz é tentar mostrar como menstruar é algo biológico. É um processo pelo qual o corpo passa mensalmente que não é sujo e que devemos tratar com mais leveza", diz Ana.
Ela planta a lua desde agostokkpoker2018.
Plantar a Lua
Discussões sobre menstruação e Plantar a Lua se espalhamkkpokerposts, comentários e hashtags no Brasil, com traçoskkpoker movimentos feministas que emergiram no passado e até da arte.
Estudos antropológicos mostram que o sangue menstrual é visto como sujo, impuro e até "perigoso" na históriakkpokerdiversas sociedades.
Também existem, no entanto, registroskkpokerculto a esse período.
"Diversas tradições ancestrais narram ritos e mencionam a importância da menstruação", diz a terapeuta corporal e escritora Morena Cardoso, que pesquisa o tema. Ela testemunhou rituais e compartilha o que aprendeu com 32 mil seguidores no Facebook e 68 mil no Instagram - onde aparece com sangue no rosto.
Aos 34 anos, ela é fundadora do projeto DanzaMedicina - que define comokkpokerempoderamento feminino - e criadora do Dia Mundial do Plante Sua Lua, quekkpoker2018 reuniu cercakkpoker2 mil participantes ekkpoker2019 terá nova ediçãokkpoker4kkpokeragosto.
O objetivo, diz, é "fomentar a ideiakkpokerque o sangue menstrual, assim como o ser mulher, não deve ser motivokkpokervergonha, nojo ou insatisfação, mas simkkpokerorgulho, poder e magia!". As participantes do evento plantam a lua juntas,kkpokerespaços públicos.
Como exemploskkpokertradições incorporadas ao movimento Morena cita práticas identificadas entre indígenas da América do Norte ekkpokerpaíses como México e Peru.
Segundo essas tradições, diz ela, o sangue menstrual era depositado na terra para torná-la mais fértil, era celebrado como períodokkpokerconfraternização e trabalho espiritual das mulheres, ou aindakkpokerritoskkpokerpassagemkkpokermeninas na primeira menstruação - "com uma simbologia sobre a honrakkpokerse tornar mulher".
No Chile e no Brasil, essas tradições também são difundidas atualmente a partirkkpokerestudos da Ginecologia Natural, que defende o autoconhecimento e tratamentos alternativos para a mulher.
As adeptas têm encontrado diferentes formaskkpokerfazer o ritual - nem todas, por exemplo, passam o sangue no corpo.
Elas chamam menstruaçãokkpoker"lua" por ser um processo com fases e cíclos e enxergam nele diferentes significados.
No casokkpokerLaura, o sangue que usa é retirado do "copinho" coletor menstrual, uma alternativa que escolheu a absorventes descartáveis.
Ao jogar o fluido nas plantas, ela repete 'sinto muito, me perdoe, te amo, sou grata' - um momento que define comokkpokerconexão com o próprio corpo e com a natureza. "Eu mentalizo que as plantas vão crescer lindas, e recebendo muitos nutrientes".
Já quando usa o sanguekkpokersi, ela apenas fecha os olhos, agradece e diz sentir a energia.
Alvoroço
A gaúcha explica que, para ela, o fluido na pele simboliza "o resgate do feminino".
É assim que aparece na página do Instagram que mantém. E foi assim que, no iníciokkpokerjunho, um post seu no Twitter provocou "um alvoroço".
Era uma selfie, com o rosto e parte do colo cobertoskkpokermenstruação.
"Como tinha 300 seguidores, esperava que fosse mais um post comum e apenas que pudesse ajudar alguma mulher que já estivesse interessada no assunto e que quisesse desconstruí-lo dentrokkpokersi".
Quatro dias depois, entretanto, recebeu o printkkpokerum perfil "de memes" do Instagram comkkpokerfoto e a pergunta: "quanto tempo falta para essa galera começar a passar merda na cara?".
O apresentador e comediante Danilo Gentili, com maiskkpoker17 milhõeskkpokerseguidores no Twitter, também compartilhou a imagem e afirmou: "Sangue menstrual é normal (...) o anormal é passar ele na cara".
A maioria dos 2,3 mil comentários no post do apresentador e outros mais enviados diretamente à Laura concordavam com a visãokkpokerGentili. Outros, falavamkkpokernojo; diziam que ela deveria "procurar um psiquiatra" ou simplesmente a xingavam e ofendiam.
Poucos defenderam a gaúcha dizendo que ela tem direitokkpokerfazer o que bem entende com seu corpo. Poucos também acharam que a foto é uma maneirakkpoker"causar reflexão".
"As pessoas pensam que o que não é comum para elas é aberração, não têm conhecimento da fisiologia do corpo e pensam que podem usar palavraskkpokeródio para ferir qualquer um atrás da tela do celular", disse ela à BBC News Brasil.
"Esse é um fluido do meu corpo e eu decido o que é anormal ou não já que não estou interferindo diretamente na vidakkpokerninguém", acrescenta. "Anormal deveria ser difamar pessoas, propagar energias negativas e ódio".
A BBC News Brasil tentou entrevistar Danilo Gentili, mas ele não respondeu ao contato.
Laura diz que o episódio "só comprova o tabu que ainda existekkpokertorno da menstruação".
Tabus
Tabu é definido no dicionário como algo "proibido por crença supersticiosa, censurado por crença ou pudor ou, por exemplo,kkpokercaráter sagrado".
Um estudo global com 1,5 mil entrevistadaskkpoker14 a 24 anos - 300 delas do Brasil e as demais da Índia, África do Sul, Filipinas e Argentina - mostra um retrato disso no caso da menstruação: "preocupação na horakkpokerdescartar o absorvente usado no lixo, porque outras pessoas podem ver; medokkpokerlevantar da cadeira durante a aula; o absorvente escondido a caminho do banheiro e pedir um absorvente emprestado como se fosse um segredo".
Tais preocupações foram manifestadas pela maioria das entrevistadas brasileiras,kkpokernível maior que nos outros países.
Os dados foram levantados pela linhakkpokerprodutos femininos Sempre Livre, da marca Johnson & Johnson,kkpokerparceria com a KYRA Pesquisa & Consultoria. Eles foram colhidoskkpokermarçokkpoker2018 e lançados, segundo a empresa, "para reforçar seu novo posicionamento baseadokkpokerum diálogo que reforça a naturalidade deste assunto".
O documentário Absorvendo o Tabu, que ganhou o Oscarkkpoker2019, ressalta que o estigma da menstruação persiste, usando uma região da Índia como exemplo.
O filme mostra a visãokkpokeruma mulher sobre a menstruação como sendo algo impuro do qual o corpo se livra: "o sangue impuro que sai". Um homem define o sangramento como um tipokkpokerdoença feminina e mulheres menstruadas são proibidaskkpokerentrar no templo para rezar por serem vistas como sujas.
Nesse contexto e com difícil acesso a absorventes, elas têm vergonhakkpokerfalar a respeito e uma admite que até largou a escola.
Brasil
Nas sociedades ocidentais, como é o caso da brasileira, a "visão eminentemente negativa" sobre menstruação também existe, segundo a antropóloga e pesquisadora da Universidade EstadualkkpokerCampinas (Unicamp), Daniela Tonelli Manica, que estuda o tema há 20 anos.
"Existe a visão da menstruação como sangria inútil e também da alocação dela na mesma categoriakkpokerexcrementos como fezes e urina - como algo com que você tem que lidar no banheiro, algo que temkkpokerestar absolutamente forakkpokervista", diz.
Movimentos feministas do final dos anos 60 são apontados como cruciais para lançar luz sobre a questão.
É nesse período que a menstruação começa a aparecerkkpokerespaços públicos "de forma mais incisiva e com um efeito político importante", diz a antropóloga, citando gruposkkpokermulheres que se juntavam já nessa época para fazer o que ganha força agora online: falar sobre os próprios corpos e questões como gravidez e menstruação, "em espaçoskkpokermais autonomia, forakkpokerconsultórios".
As novas manifestações, segundo ela, amplificam esses debates com as redes sociais e tentam resgatar "a especificidade, a importância da experiênciakkpokermenstruar e do quanto ela é forte para as mulheres".
"Essa ressignificação da menstruação e a evocação que muitos grupos contemporâneos fazemkkpokerrelação a essa memória ancestral falamkkpokerum efeitokkpokersilenciamento somático que a biomedicina e o capitalismo produziram nas mulheres, como se esse aspecto do corpo (o sangue) não pudesse aparecer porque (por exemplo) a trabalhadora precisa ir cumprir as suas 8 horaskkpokertrabalho".
No artigo (In)visible blood: menstrual performances and body art (Sangue invisível: performances menstruais e arte corporal) - que publicoukkpoker2016 com Clarice Rios, do InstitutokkpokerMedicina Social da UERJ - a professora lista exemploskkpokerartistas que usam "o potencial simbólico do sangue menstrual" como elemento central e "expressão estético-política" - incentivando debates sobre saúde, causas ambientais, sexualidade e relaçõeskkpokergênero.
A menstruação aparece nessas performanceskkpokerpinturas, nos corpos das artistas e, por exemplo, como o 'batom'kkpoker12 mulheres retratadas numa exposição fotográfica.
O movimento, segundo as pesquisadoras, tem como uma das causas e efeitos a preocupaçãokkpokertornar a experiência da menstruação mais positiva, assim como o sangue mais visível.
"Em um pékkpokermanjericão"
Foi na internet que a relações públicas pernambucana Renata Assis Ribeiro,kkpoker43 anos, entrou no debate sobre o assunto e viu espaço para dizer: "Eu planto minha lua num vaso com manjericão".
Ela colhe o sangue debaixo do chuveiro e, com o fluido dissolvidokkpokerágua, vai até a varanda e regakkpokerespecial essa planta.
A menstruação é vista por ela como algo sagrado, e oferecê-la à natureza como ritualkkpokergratidão. "O ritual me abriu os horizontes para enxergar a terra como um útero gigante, que germina assim como nosso ventre. E eu achei justo e perfeito devolver a ela o que nos oferece".
Trinta anos antes, quando menstruou pela primeira vez, ela acharia a cena "estranha". É que ouviu na época "agora você virou mocinha, vai sangrar todos os meses e ninguém precisa saber".
Os períodos que chegariam foram encarados então como "uma parte chatakkpokertodos os meses".
"Até inveja dos homens, por não passarem por isso", ela sentia.
"Agora, com outra consciência, sinto esse períodokkpokerforma diferente", diz.
Tal mudançakkpokerpensamento a levou a apresentar o ritual à filha, mas deixar por conta dela decidir se vai querer aderir ou não.
Fertilizante?
E regar as plantas com sangue, que diferença faz?
No casokkpokerRenata, a explicação é dada com um pékkpokerhortelã.
"Eu não planto a lua nele e o bichinho é tão jururu", brinca, para dizer que é "desnutrido". Segundo ela e outras mulheres, o sangue deixa as plantas "mais viçosas" e crescendo mais rápido.
A doutorakkpokerciências e professorakkpokeragroecologia da Universidade Federal Rural do RiokkpokerJaneiro, Anelise Dias, não é adepta da prática e desconhece estudos sobre o uso do sangue menstrual como fertilizante.
Mas, considerando as propriedades do líquido, confirma que ele "funciona por conter nitrogênio, fósforo e potássio", nutrientes essenciais para o desenvolvimento das plantas.
"Mas esse ritual é mais simbólico do que necessariamentekkpokerfertilização", pondera a professora, acrescentando que para a agricultura propriamente dita outras fonteskkpokeradubação orgânica "são mais interessantes, disponibilizadaskkpokermaior quantidade e respondem às necessidadeskkpokerfertilização das culturas".
"Entendimento"
A empresária Ana Oliveira já fez o ritualkkpokerárvoreskkpokerBelo Horizonte (MG), onde vive,kkpokerjardinskkpokerflores da mãe e da avó, e tambémkkpokeruma cachoeira e no mar, fora do Brasil.
Ela transfere o sangue do coletor menstrual para um potinhokkpokervidro e guarda.
Normalmente na lua nova, que interpreta como tempokkpokerrecomeço,kkpokerum novo ciclo, o leva para "plantar.
Nesses momentos, diz que só respira fundo, agradece pelo último ciclo, e joga o fluido.
"Fazer esse ritual é um entendimentokkpokerque o meu sangue não é lixo, não é descartável, ekkpokerque tem um porque por trás dele", diz.
Morena Cardoso, que menstruou pela primeira vez aos 13 anos e descreve a experiência como "perturbadora" na época, diz que quando ouviu sobre Plantar a Lua chegou a sentir "repulsa".
O pontokkpokervirada, afirma, foi quando começou a usar coletores e absorventes ecológicos e pôde criar uma relação mais próxima com o sangue. "Me percebi mais saudável, mais íntegrakkpokermim mesma,kkpokerapropriação do meu corpo, saúde e sexualidade".
Natural?
Morena apresenta o movimento como formakkpokercombate à "normatização, invisibilização e controle do corpo e da natureza feminina". E defende que o tema seja tratado com mais naturalidade.
A doutorakkpokerantropologia social Cecilia Sardenberg, professora titular do ProgramakkpokerPós-GraduaçãokkpokerEstudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia, também.
"Embora traga a questão da menstruação como algo 'natural', nossa sociedade não trata a menstruaçãokkpokerforma natural", diz.
A antropóloga tem 71 anos e há maiskkpoker20 pesquisa o tema. "Quando era jovem e começou a menstruar, pouquíssimo se falava abertamente sobre o assunto".
Agora, diz que o movimentokkpoker"não ter vergonhakkpokermenstruar" é "muito importante" para ajudar a acabar com o estigma.
No artigo De sangrias, tabus e poderes, que escreveu 25 anos atrás - ou seja, quando as redes sociais nemkkpokerlonge existiam - ela dizia que a menstruação estava deixandokkpokerser assunto reservado a conversas íntimas entre mulheres, ou restrita a consultórios médicos, para ocupar espaços públicos na sociedade brasileira".
"Seja devido às campanhas publicitárias dos absorventes femininos, seja pelo debate que se instaurakkpokertorno da questão dos direitos reprodutivos das mulheres, a temática vem extrapolando esses limites", escreveu na época.
Outdoors que surgiam com a propagandakkpokerabsorventes internos prometendo fazer a mulher "nem sentir que estava menstruada" e pontuando: "Incomodada ficava akkpokeravó", serviramkkpokerinspiração para o texto.
"O discurso é (até hoje)kkpokervocê esconder a menstruação", diz a professora.
Mas no que depender das mulheres que plantam a lua, a oposição a essa narrativa vai continuar.
"Estamos aos poucos arranhando essas estruturas. Existe muito a ser desmistificado", diz Morena Cardoso.
No post que lhe deixou na mira dos críticos, Laura também olha adiante: "Só paro no diakkpokerque o sangue menstrual for normal e a aberração for o preconceito", escreveu.
Uma seguidora comentoukkpokeruma fotokkpokerno Instagram que a menstruação é "um momento muito íntimo". E perguntou: "A exposição é realmente necessária?".
A quilômetroskkpokerdistância, a professora e estudantekkpokermestradokkpokerhistória, Jessica Guedes,kkpoker27 anos, diz à BBC que "sim!"
Ela não planta a lua, mas está a par do movimento online e acha que menstruação "tem que ser mostrada mesmo".
Só vê, porém, o riscokkpokero discurso que quer retirar estigmas da questão "fazer com que mulheres que sentem dor, não gostam, não podem ou não querem menstruar se sintam culpadas" por não estarem vivendo essa experiênciakkpokerforma tão positiva.
"Eu acho saudável que as pessoas vejam o que somos, que menstruamos", diz Jessica.
"E esses processoskkpokeraceitação são importantes para tirar um pouco essa estigmatização. Mas outras mulheres existem e eu acho que todas deveriam estar representadas nesse clamorkkpokerreconexão com o corpo. Nem sempre isso acontece".
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