Desertora do Exército norte-coreano relata rotinaestupros, higiene precária e menstruação interrompida:
Uma das razões para isso eram as condições precárias das instalaçõeslavanderia e banheiro.
"Uma das coisas mais difíceis era não poder tomar banho adequadamente", diz Lee So Yeon.
"Porque não havia água quente. Com uma mangueira, eles captavam águaum riacho nas montanhas. Às vezes, essa água chegava com sapos e cobras".
Lee So Yeon, que serviu como sargentouma unidadesinalização perto da fronteira sul-coreana, deixou o exército aos 28 anos. Em 2008, ela decidiu fugir para a Coréia do Sul. Na primeira tentativa, ela foi capturada na fronteira com a China e enviada para um campodetenção por um ano.
Emsegunda tentativa, pouco depoissair da prisão, ela nadou o rio Tumen e atravessou a fronteira com a China. Lá, na fronteira, ela se encontrou com um agente que providenciou para que passasse da China para a Coréia do Sul.
Patriotismo e necessidadegarantir uma refeição por dia
Filhaum professor universitário, So Yeon, agora com 41 anos, cresceu no norte do país. Muitos homenssua família haviam se alistado antes, e, quando a fome devastou a Coreia do Norte nos anos 1990, ela voluntariou-se - movida pelo pensamentoter ao menos uma refeição garantida por dia. Milharesoutras jovens mulheres fizeram o mesmo.
"A fome resultouum período particularmente vunerável para as mulheres", diz Jieun Baek, autorNorth Korea's Hidden Revolution (A Revolução Escondida da Coreia do Norte,tradução livre). "Mais mulheres tiveram que ingressar na forçatrabalho e ficaram sujeitas a maus-tratos, especialmente a assédio e violência sexual".
Assim como Jieun Baek, Juliette Morillot, autoraCoreia do Norte100 perguntas, originalmente publicadofrancês, acredita que o depoimentoLee So Yeon estáacordo com outros relatos que ouviram, mas alertam que desertores - aqueles que abandonam o serviço militar sem autorização - têmser tratados com cautela.
"Há uma alta demanda por informações da Coreia do Norte", diz Baek. "De algum modo, essas pessoas são quase que incentivadas a contar histórias exageradas à mídia, especialmente se são pagas para isso. Muitos desertores que não querem estar na mídia são muito críticos dos 'desertorescarreira'. Vale a pena ter issomente".
Já informaçõesfontes oficiais do governo norte-coreano que contradizem os depoimentos podem ser mera propagandaregime.
Alimentação precária e problemassaúde
No início, entusiasmada por um certo patriotismo, ela, então com 17 anos, aproveitou a vida no Exército. Ficou impressionada com um secadorcabelo que recebeu, embora a eletricidade irregular significasse que usaria pouco o acessório.
A rotina diáriahomens e mulheres era parecida. Mulheres tendiam a ter, no entanto, um regimetreinos físicos ligeiramente menor - e eram obrigadas a realizar tarefas diárias como limpar e cozinhar, o que soldados homens eram dispensadosfazer.
"A Coreia do Norte é uma sociedade tradicionalmente dominada por homens e papeisgênero permanecem", diz Morillot.
O treinamento duro e as refeições limitadas ebaixa qualidade cobraram seu preço nos corposLee So Yeon esuas colegas recrutas.
"Depoisseis meses a um anoserviço, não menstruávamos mais devido à desnutrição e ao ambiente estressante", diz ela.
"As mulheres soldado diziam estar felizes por não estarem menstruando. Elas afirmavam que estavam felizes porque a situação era tão ruim que se também menstruassem teria sido pior".
So Yeon diz que, embora o governo admita gastar 15%seu orçamento com as Forças Armadas (fontes independentes dizem que a proporção pode chegar a 40%) o Exército falhava no fornecimentoitens tão básicos quanto absorventes, e que ela e outras colegas frequentemente tinham como única escolha reutilizá-los.
"As mulheres até hoje usam o tradicional algodão branco", diz Juliette Morillot. "Eles precisam ser lavados todas as noites, distantes das vistas dos homens. Por isso, as mulheres levantam-se cedo e lavam".
Recém-chegadauma visitacampo onde falou com várias mulheres soldado, Morillot confirma o fenômeno.
"Uma das garotas com quem falei, que tinha 20 anos, me disse que treinou tanto que teve a menstruação interrompida por dois anos", contou ela.
Embora Lee So Yeon tenha se juntado ao Exército voluntariamente,2015 foi anunciado que todas as mulheres na Coreia do Norte devem prestar sete anosserviços militares a partir dos 18 anosidade. Já os homens são obrigados a servir por 10 anos (é o serviço militar obrigatório mais longo do mundo).
Ao mesmo tempo, o governo da Coreia do Norte deu um passo incomum ao distribuir uma produtosbelezauma marca governamental.
"Pode ter sido uma maneirase redimir pelas condições do passado,corrigir este fenômeno bem conhecidoque as condições ruins para as mulheres", diz Jieun Baek. "Pode ter sido uma maneiramelhorar o ânimo e fazer com que mais mulheres pensem: Uau, nossas necessidades serão atendidas".
Apesar disso, as mulheres soldados baseadascidades do interior nem sempre têm acesso a banheiros privados. Algumas disseram a Morillot que muitas vezes têm que fazer suas necessidades na frente dos homens, tornando-se especialmente vulneráveis.
Abuso sexual é rotina
O abuso sexual, dizem Baek and Morillot, é frequente.
Morillot diz que quando abordou a questãoestupros no Exército com mulheres soldado "a maioria disse que acontece com outras". Nenhuma admitiu ter passado por esse tipoexperiência.
Lee So Yeon também diz que não foi estuprada durantetemporada no serviço, entre 1992 e 2001, mas que muitassuas companheiras foram.
"O comandante ficavaseu quarto, na unidade, após o serviço, e violava as mulheres sob seu comando. Isso aconteceria repetidamente".
O Exército da Coreia do Norte diz que leva a sério o abuso sexual, com penaprisãoaté sete anos para homens condenados por estupro.
"Mas na maioria das vezes ninguém está disposto a testemunhar. Então os homens geralmente ficam impunes", diz Juliette Morillot.
Ela acrescenta que o silêncio sobre abuso sexual no Exército está enraizado nas "atitudes patriarcais da sociedade norte-coreana" - as mesmas atitudes que garantem que as mulheres no Exército façam a maioria dos serviços domésticos.
As mulheresorigens pobres recrutadas para brigadasconstrução, e alojadaspequenos barracões ou cabanas informais, são especialmente inseguras, diz ela.
"A violência doméstica ainda é amplamente aceita e não denunciada, então no Exército ocorre a mesma coisa. Mas eu realmente deveria enfatizar o fatoexistir o mesmo tipocultura (do assédio) no exército sul-coreano".