Em vezroleta ligas de futebolremédio contra Aids, fábrica financiada pelo Brasilroleta ligas de futebolMoçambique produzirá analgésico:roleta ligas de futebol

Lula observa trabalhador operando máquina que embala medicamentos
Legenda da foto, Lula durante visita às instalações da fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais,roleta ligas de futebol2010 | Foto: Ricardo Stuckert/Ag. Brasil

O motivo principal da mudança é que a nevirapina, cuja tecnologiaroleta ligas de futebolprodução o Brasil transferiu para Moçambique, ficou ultrapassada. Já foi muito importante no combate ao HIV, mas, à medida que o projeto da fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais demorava para sair do papel, foi sendo substituída por outras drogas mais modernas e eficazes. Hoje, é raramente usada nos dois países.

"Produzir nevirapina sozinha é desperdiçar recursos, vai ser farinha. Já não se usa a nevirapina isolada no tratamento", diz a médica Sheila Cassamo, responsável pela árearoleta ligas de futebolHIV da direçãoroleta ligas de futebolsaúderoleta ligas de futebolMaputo, capital moçambicana. "Está obsoleta como droga", completa Adele Benzaken, diretora do Departamentoroleta ligas de futebolVigilância, Prevenção e Controle do HIV/Aids, do Ministério da Saúde brasileiro.

Jorge Mendonça é diretorroleta ligas de futebolFarmanguinhos, unidade da Fiocruz responsável pela parceria com a SMM. Ele não participou da concepção do projeto, mas faz mea culpa.

"A indústriaroleta ligas de futebolmedicamentos é muito agressiva. Um novo medicamento, uma nova abordagem, uma nova descoberta podem mudar o mercado completamente. Se fosse possível voltar atrás, talvez poderíamos não ter apostado tantas fichasroleta ligas de futebolque essa seria uma fábrica para antirretrovirais. Tinha que ser uma fábrica para atender a saúde pública moçambicana."

Além da nevirapina, os planos eram que a fábrica produzisse outros dois antirretrovirais, mas isso não aconteceu. E se tivesse ocorrido, faria pouca diferença. Os dois também são pouquíssimo usados hoje.

Mendonça advoga pela importância do Brasil continuar financiando a fábrica: "O que está sendo investido lá não é nenhuma fortuna, é uma pequena contribuição para terminar esse projeto".

Operador da SMM mostra equipamentosroleta ligas de futebol2013
Legenda da foto, Quando fábrica ficou pronta, medicamento contra a Aids já estava obsoleto | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

'É um trabalho com muito mérito'

Hoje, o Brasil não tem tecnologia para produzir os remédios mais modernos usados no tratamento contra a Aids. Por isso, não há como transferir esse conhecimento para Moçambique.

O paracetamol foi, então, a alternativa encontrada para que a fábrica não fechasse, o que desperdiçaria todo o investimento feito até agora pelos dois países.

É um medicamento barato, mas com muita saída. A ideia, então, é que o analgésico dê sustentabilidade econômica para a SMM e permita a ela fabricar outros produtos, como anti-hipertensivos.

O técnico Govene ainda não contou a ninguém sobre a mudança, porque acha que as pessoas não vão gostar da notícia. É o que ocorreu com a médica Cassamo: "Paracetamol? Desculpa, né! Se fosse uma fábricaroleta ligas de futebolantibióticos,roleta ligas de futebolantifúngicos... Mas paracetamol é algo que nós temos. Acho que nunca tivemos faltaroleta ligas de futebolparacetamol. Não é questãoroleta ligas de futebolsaúde pública".

Já ao saber que a fábrica também poderia produzir anti-hipertensivos, Cassamo aprovou a ideia. "Mas tem que ser os medicamentos que a gente toma", acrescentou.

O presidente do conselhoroleta ligas de futeboladministração da SMM, Evaristo Madime, defende o projeto. "Não vejo como um fracasso, porque temos resultados concretos. Temos uma fábrica bem instaladaroleta ligas de futebolMoçambique. Temos moçambicanos que sabem produzir medicamentos. Temos um portfólioroleta ligas de futebolremédios - limitado, é verdade, mas temos um portfólio. Não é um trabalho que se possa desprezar, tem muito mérito."

De 'revolucionário' a 'dorroleta ligas de futebolcabeça'

A ideia brasileiraroleta ligas de futebolcriar uma fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais na África surgiu,roleta ligas de futebol2003, da combinaçãoroleta ligas de futebolduas realidades. Primeiro, Moçambique era um dos países mais afetados pelo HIV no mundo - hoje, tem a oitava maior prevalência do vírus. Segundo, o Brasil tinha - e continua a ter - uma políticaroleta ligas de futebolcombate ao vírus que é considerada modelo. O projeto propunha, então, unir necessidade e experiência.

Era o início do governo Lula eroleta ligas de futeboluma nova política externa, orientada para o aumento das relações Sul-Sul - entre Brasil e África, inclusive. Os principais eixos eram incrementar os laços econômicos, com aumentoroleta ligas de futebolexportações e expansãoroleta ligas de futebolempresas brasileiras, e realizar projetosroleta ligas de futebolcooperação, para auxiliar o desenvolvimento dessas regiões.

"Quando o Brasil criou esse projeto (da fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais), estávamos vivendo um momento muito bom no país. Muita gente concordava que tínhamos uma dívida simbólica com a África, por causa da escravidão, e que naquele momento havia condiçõesroleta ligas de futebolpagar", afirma Mendonça, da Farmanguinhos.

Mulher moçambicana segura um livreto rosa, onde está escrito: 'Tratamento Antiretroviral e Infecções Oportunistas'.
Legenda da foto, Técnicaroleta ligas de futebolmedicina Cecília José Sitoe mostra guia moçambicano que lista terapias usadas contra HIV no país | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

O governo brasileiro propagava queroleta ligas de futebolpresença na África era diferente das relações das Norte-Sul, apresentadas como uma parceria entre ex-exploradores (as antigas metrópoles europeias e os países ricos) e ex-explorados (ex-colônias), perpetuando uma dinâmicaroleta ligas de futeboldependência. Já o Brasil seria um parceiro, um irmão.

A fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais se encaixou perfeitamente nessa disputa simbólica. Moçambique recebe os medicamentos antirretroviraisroleta ligas de futebolgraça, por meioroleta ligas de futeboldoações do Norte, via Fundo Globalroleta ligas de futebolCombate à Aids e do Planoroleta ligas de futebolEmergência para Alívio da Aids do Presidente dos Estados Unidos (Pepfar). A proposta do projeto brasileiro era se contrapor a esse tiporoleta ligas de futebolcooperação, que dá o peixe. Em vez disso, o Brasil pretendia ensinar a pescar.

Por um lado, a proposta foi vista como uma ideia revolucionária. Por outro, foi encarada pelo Itamaraty como uma enorme dorroleta ligas de futebolcabeça. Se desse errado, poderia manchar a imagem que o Brasil queria construir,roleta ligas de futebolparceiro solidário da África.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um entusiasta do projeto. Nas suas visitas ao continente africano - foram 34roleta ligas de futeboloito anosroleta ligas de futebolgoverno -, sempre citava a fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais como um exemplo da solidariedade brasileira.

"O fatoroleta ligas de futebolnós estarmos construindo a primeira fábricaroleta ligas de futebolmedicamento genérico para combater a Aids no continente africano pode ser anunciado quase como uma revolução. Esta fábrica, na horaroleta ligas de futebolque ela estiver produzindo, vai libertar o povoroleta ligas de futebolMoçambiqueroleta ligas de futebolficar subordinado a laboratórios, normalmente dos países desenvolvidos", discursou o então presidenteroleta ligas de futebolvisita à naçãoroleta ligas de futebol2010.

Procurado pela BBC Brasil, o líder petista não se manifestou.

Interior da SMM, um corredor branco e muito limpo, com portas duplas dos dois lados. Ao final, quatro moçambicanos olham um livro.
Legenda da foto, Interior da SMM, planejada para ser uma fábricaroleta ligas de futebolantirretrovirais, mas que agora vai produzir outros tiposroleta ligas de futebolremédio | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

13% da populaçãoroleta ligas de futebolMoçambique tem HIV

Estima-se que 13% da populaçãoroleta ligas de futebolMoçambique viva com HIV. Para comparação, no Brasil a incidência éroleta ligas de futebol0,4%. Mas apesar do altíssimo númeroroleta ligas de futebolinfectados, o vírus ainda é um tabu.

Isabel tem 45 anos, oito deles guardando o segredoroleta ligas de futebolque é soropositiva. Nunca revelou para família ou amigos.

"Tenho receioroleta ligas de futebolcontar. Acho que algum dia vou falar para os meninos", diz, fazendo referência aos filhos já adultos, ambos HIV negativo. Seu verdadeiro nome também faz parte do sigilo - Isabel foi como ela escolheu ser chamada na reportagem.

A moçambicana estároleta ligas de futeboltratamento há cinco anos, desde que a imunidade do seu corpo começou a baixar. É na hora das novelas brasileiras, muito popularesroleta ligas de futebolMoçambique, que ela toma o remédio, às escondidas.

Todos os meses, ela vai ao Centroroleta ligas de futebolSaúde José Macamo, um dos maioresroleta ligas de futebolMaputo, para buscar os frascos. "Se não fosse gratuito, eu não teria como pagar a medicação." Faxineira,roleta ligas de futebolrenda mensal éroleta ligas de futebol4 mil meticais (cercaroleta ligas de futebolR$ 200).

Hoje, 60% dos soropositivosroleta ligas de futebolMoçambique têm acesso ao tratamento antirretroviral. Ainda é longe da metaroleta ligas de futebol90% estabelecida pela Organização Mundial da Saúde, das Nações Unidas. Mesmo assim, o número é considerado positivo, já que as terapias só começaram a ser oferecidas no paísroleta ligas de futebol2003 - sempre pagas com dinheiro da doação Norte-Sul.

Agora, o desafio para expandir o acesso é identificar os pacientes e distribuir a medicação por todo o país. Remédios antirretrovirais não faltam.

Homem segura comprimidos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Medicamentos contra o HIV foram evoluindo no decorrer dos tempos

Medicamento brasileiro ficou ultrapassado

O Centroroleta ligas de futebolSaúde José Macamo, onde Isabel se trata, tem 6 mil pacientes com HIV.

A equipe responsável pela farmácia da unidaderoleta ligas de futebolsaúde fez cara feia quando a reportagem da BBC Brasil pediu para ver um frascoroleta ligas de futebolnevirapina. "Esse medicamento sai muito pouco, vai dar trabalhoroleta ligas de futebolencontrar". Ali, apenas 5 pacientes, entre todos os 6 mil, tomam o fármaco que o Brasil transferiu para Moçambique.

"No momentoroleta ligas de futebolque foi acordada a transferênciaroleta ligas de futeboltecnologiaroleta ligas de futebolproduçãoroleta ligas de futebolantirretrovirais, o portfólio que o Brasil tinha para transferir se ajustava às necessidadesroleta ligas de futebolMoçambique. Todavia, a partirroleta ligas de futebolcerta altura, Moçambique passou a adotar outra linharoleta ligas de futeboltratamento", explica Madime, da SMM.

A nevirapina começou a ser produzida no Brasil, pela Fiocruz,roleta ligas de futebol2001. Foi usada durante 16 anos. Agora, ficou tão ultrapassada queroleta ligas de futebolretirada do SUS estároleta ligas de futeboldiscussão. É tomada por apenas 1% das pessoasroleta ligas de futeboltratamento no Brasil. Entre as desvantagens estão efeitos tóxicos no fígado e a necessidaderoleta ligas de futeboltomar comprimidos duas vezes por dia, na maioria das vezes combinados com outra medicação, o que dificulta a adesão do paciente ao tratamento.

Hoje, a principal drogaroleta ligas de futebolcombate ao HIVroleta ligas de futebolMoçambique é a tripla, um único comprimido diário com três componentes, sendo o principal deles o Efavirenz. É esse o coquetel usado por Isabel, por exemplo.

Também é o mais comum no Brasil, com maisroleta ligas de futebol200 mil pacientes. Mas já está sendo substituído por uma solução mais moderna, o Dolutegravir, administrado a 60 mil pessoas. Ambos são importados.

"Essa é a historia natural das drogas. O HIV é um vírus mutante. Com o tempo, cria resistência aos antirretrovirais e é preciso adotar novos medicamentos", explica a brasileira Adele Benzaken. "Se a droga ficar entre nós por dez, 15 anos, já é um grande serviço."

Isabel sabe desse risco. "Eu estou saudável. Mas é uma coisa que me preocupa sempre. Não sei se vou continuar bem ou se,roleta ligas de futebolrepente, não vou mais me levantar da cama. Porque acontece do corpo não aguentar mais o medicamento, não é doutora?", pergunta pararoleta ligas de futebolmédica. "Quem sabe um dia achem a cura."

Frascoroleta ligas de futebolantirretroviralroleta ligas de futebolbalcãoroleta ligas de futeboldistribuição
Legenda da foto, Esse é o antirretroviral mais usadoroleta ligas de futebolMoçambique, conhecido por 'tripla', cujo principal componente é o Efavirenz | Foto: Amanda Rossi/BBC Brasil

Placebos embalados

A fábrica demorou tanto tempo para ficar pronta que o período daroleta ligas de futebolcriação coincide com o início e o fim do ciclo da nevirapina no Brasil.

Em 2003, durante a primeira viagemroleta ligas de futebolLula à África, foi assinado um protocoloroleta ligas de futebolintenções. Em 2007, a Fiocruz apresentou um estudoroleta ligas de futebolviabilidade e,roleta ligas de futebol2009, o Congresso aprovou uma primeira doação para a instalação da fábrica.

A vontade do petista era inaugurá-la durante seu mandato. Mas não deu tempo. A fábrica não ficou pronta. Por isso, no seu último anoroleta ligas de futebolgoverno, 2010, ele planejou apenas uma visita ao local.

O problema era que ainda não havia o que ver, pois os equipamentos não haviam chegado. A solução encontrada foi enviar do Brasil, emprestada, uma máquina para embalar comprimidos,roleta ligas de futebolum avião da Aeronáutica. Como os moçambicanos ainda não estavam treinados para manipular remédios, foram embalados placebos.

A inauguração oficial ocorreu dois anos depois,roleta ligas de futebol2012, com a presença do então vice-presidente Michel Temer.

Desde então, a fábrica tem operado no modo piloto, treinando pessoal e documentando procedimentosroleta ligas de futebolprodução e manejo dos fármacos.

Na árearoleta ligas de futebolantirretrovirais, o principal resultado foi a embalagem da nevirapina brasileira,roleta ligas de futebol2014. Também houve uma tentativaroleta ligas de futebolproduzi-la localmente,roleta ligas de futebol2015, que não foi concluída.

Fabricados,roleta ligas de futebolfato, foram Haloperidol (tratamentoroleta ligas de futebolproblemas psicológicos), Propranolol e Captopril (pressão alta). Todos entre 2015 e 2016. Neste ano, não houve nenhuma produção. A expectativa é que a fábrica volte a operarroleta ligas de futebol2018, com o paracetamol.

Por nota, o Ministério da Saúde brasileiro informou que considera fundamental a conclusão do projeto, "que contribuirá significativamente para o fortalecimento do sistemaroleta ligas de futebolsaúde público moçambicano".

O órgão também justificou a trocaroleta ligas de futebolmedicamentos: "Devido ao registroroleta ligas de futebolpatentesroleta ligas de futebolnovos medicamentos, avanços tecnológicos e, principalmente, mudanças na políticaroleta ligas de futeboltratamento adotada pelo Ministério da Saúderoleta ligas de futebolMoçambique, o portfólioroleta ligas de futebolmedicamentos (da fábrica) sofreu alterações. O portfólio final contemplará a transferência tecnológica e a produçãoroleta ligas de futeboldez medicamentos, incluindo o paracetamol".

Dessa listaroleta ligas de futeboldez, além do paracetamol, três são antirretrovirais já descartados por Moçambique, três são os medicamentos que já foram produzidos na fábrica, mais um antiviral, um antianêmico e um diurético.