Reforma do imposto sobre fortuna na França reacende debate sobre taxação dos mais ricos:

Protesto na França

Crédito, AFP/Getty

Legenda da foto, Medida gerou polêmica e levou Macron a ser chamado"presidente dos ricos"

No Brasil, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) é previsto pela Constituição Federal, mas nunca foi regulamentado.

Na França, o tributo foi criado1982 pelo presidente socialista François Mitterrand (na época se chamava Imposto sobre Grandes Fortunas) para financiar o benefício social da renda mínima e vem gerando controvérsias há décadas.

Governos da direita conservadora tentaram suprimi-lo ou modificá-lo, mas as alterações eram sempre canceladas quando os socialistas, da esquerda, retornavam ao poder.

O ISF - pago por 1% dos contribuintes e que representa cerca1,5% das receitas fiscais do Estado francês - tem forte peso político, já que é visto pela grande maioria da população como um símbolojustiça social.

Daí seu nome ter a palavra "solidariedade" associada à "fortuna". Seu objetivo é redistribuir o dinheiro dos mais ricos, por meioinúmeros benefícios sociais às pessoasbaixa renda.

Mas há inúmeras controvérsias sobre a real eficácia desse imposto, que voltaram à tona na França com a reforma apresentada pelo presidente Emmanuel Macron.

Ela começará a ser discutida pelo Parlamento nesta terça-feira.

Críticas

Para os opositores do ISF, ele é um imposto confiscatório e que provoca a saídaricos do país, como ocorreu com o ator Gérard Dépardieu, que transferiu seu domicílio fiscal para a Bélgica.

O exílio fiscalmilionários - milhares teriam deixado a França nos últimos anos, segundo autoridades - é um dos principais argumentos do governo para mudar as regras atuais do ISF.

Macron

Crédito, AFP / Getty

Legenda da foto, Opositores do ISF dizem que ele é um imposto confiscatório e que provoca a saídaricos do país

"Os que não pagam mais o ISF também deixarampagar o ImpostoRenda na França, o que provoca um empobrecimento dos recursos fiscais e, por consequência, do país", afirma o primeiro-ministro, Édouard Philippe.

Diferentemente do Brasil, onde estudos recentes, como o da Oxfam, apontaram a baixa tributação da camada mais rica, o sistema francês poupa os que ganham menos: mais da metade dos contribuintes não pagou ImpostoRenda no ano passado, segundo o Ministério da Economia.

Os cerca10% com renda anual superior a € 50 mil (quase R$ 200 mil) arcaram com 70% da arrecadação total do IR no país.

O governo francês também destaca que o país sofre, por causa do imposto sobre a fortuna, a concorrência dos outros países europeus, vistos por milionários como mais atraentes para se instalar e abrir empresas.

Outros problemas são apontadosrelação à eficácia do ISF. Isenções, abatimentos e a decisão do Conselho Constitucional francêsque o total dos impostos pagos não pode ultrapassar 75% da renda obtida no ano podem fazer com que ultra-ricos consigam escapar do ISF.

Foi o que aconteceu com a bilionária Liliane Bettancourt, herdeira da L'Oréal, mortasetembro, que era a mulher mais rica do mundo.

A notícia, no ano passado,que ela não havia pago um centavoISF chocou o país.

Como a bilionária já havia pago mais€ 60 milhões (R$ 226 milhões)IR e contribuições sociais, o que representava o teto75%seus ganhos no ano, obtidos por meiosofisticadas montagens financeiras, Bettancourt ficou isenta do ISF.

Críticos alegam ainda que a França já possui um elevado imposto sobre o patrimônio, que é o aplicado na transmissãoheranças, com alíquotas que podem chegar a 60% do valormercado do bem.

"O ISF é um imposto estúpido. A França atira uma bala no pé enfraquecendoeconomianomeuma ideologia ultrapassada", afirma o advogado fiscalista Jean-Philippe Delsol, presidente do InstitutoPesquisas Econômicas e Fiscais,tendência liberal.

Pessoas passam pela nova loja da Louis VuittonParis

Crédito, AFP

Legenda da foto, Com a reforma, o númerocontribuintes do ISF (o 1% mais rico) será reduzido350 mil para 150 mil

Para o economista Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no Século XXI", que descreve o capitalismo como uma máquinafabricar desigualdades, a alegaçãoque o ISF prejudica a vitalidade econômica do país é falsa.

Segundo Piketty, jovens que não pagam o ISF tendem a participar mais da criaçãoempresas etendênciasinovação no mundo dos negócios do que muitos octogenários que integram, diz ele, o quadrocontribuintes desse imposto.

"A supressão do ISF é um grave erro moral, econômico e histórico", afirmou Pikettyuma coluna no jornal Le Monde.

Na prática, a reforma do ISF apresentada pelo presidente Macron prevê taxar apenas o patrimônio imobiliário, com a criaçãoum "Imposto sobre a Fortuna Imobiliária", excluindo investimentos financeiros e todos os outros bens móveis da basecálculo.

Macron alega que a reforma do ISF permitirá mais investimentosempresas, o que irá favorecer o emprego e o crescimento econômico.

Especialistas afirmam que não há, no entanto, nenhuma garantiaque os novos contribuintes isentos do ISF investirão efetivamente esses recursos na economia produtiva.

"Presidente dos ricos"

O ISF é pago por pessoas com patrimônio superior a € 1,3 milhão (R$ 4,9 milhões). Ele é cobrado além do ImpostoRenda (IR).

Com a reforma, o númerocontribuintes do ISF (o 1% mais rico) será reduzido350 mil para 150 mil, segundo o ministro da Economia, Bruno Le Maire.

A arrecadação desse imposto,cerca€ 5 bilhões (quase R$ 20 bilhões), sofrerá queda brutal, passando para € 850 milhões.

Por causa da grande polêmica na Françarelação à reforma do ISF, Macron está sendo chamado"presidente dos ricos".

"Os mais ricos, grandes ganhadores do orçamento Macron", escreveu o jornal Le Monde emmanchete, reforçando os comentários que circulam no país.

A reforma do ISF ocorre após a também polêmica flexibilização das leis trabalhistas euma sériemedidas impopulares, como a redução do auxílio-moradia e do congelamento dos salários dos servidores.

O centrista Macron, cuja popularidade despencoupoucos mesesmandato e que tem como lema "liberar, mas proteger", vem sendo criticado por opositores por aplicar, até o momento, apenas medidas liberais típicas da direita conservadora.