Como lítio transformou história da saúde mental:betano cassino
Um novo medicamento havia estabilizado suas mudançasbetano cassinohumor: o lítio. Ali nasceu o interesse do psiquiatra por aquele metal alcalino e, sobretudo, pelo homem que o transformou na primeira droga psiquiátrica: o médico australiano John Cade.
Do Big Bang até a febre do lítio
O lítio vem sendo chamado no século 21betano cassino"ouro do futuro", devido ao seu usobetano cassinobateriasbetano cassinoprodutos eletrônicos e na indústriabetano cassinoveículos automotores.
A buscabetano cassinofontes alternativasbetano cassinoenergia para substituir os combustíveis fósseis fez disparar uma corrida pelo lítio, encontradobetano cassinograndes quantidades nas salinasbetano cassinoBolívia, Chile e Argentina.
Mas o lítio — o mais leve dos metais — é nosso companheiro desde tempos imemoriais. Os cientistas acreditam que o lítio seja um dos três elementos criados com o Big Bang (origem do universo), ao lado do hidrogênio e do hélio. São eles que ocupam os três primeiros lugares da tabela periódica, que todos nós estudamos nas aulasbetano cassinoquímica.
Em seu livro sobre a tabela periódica, James Russell afirma que os registros do uso terapêutico do lítio remontam ao século 2 d.C., quando o médico grego Soranobetano cassinoÉfeso recomendava banhosbetano cassinocachoeirasbetano cassinoáguas alcalinas para as pessoas que sofriambetano cassino"manias e melancolia".
Em meados do século 20, o lítio voltaria a ser fundamental para o tratamento desses dois estados — "muito para cima" e "muito para baixo".
Para Walter Brown, dois aspectos são fundamentais nessa história: as características da psiquiatria até a conversão do lítiobetano cassinoproduto farmacêutico e o contexto que levou à descobertabetano cassinoJohn Cadebetano cassino1949.
"Até aquele momento, não havia drogas para a saúde mental. As pessoas usavam opioides e às vezes recebiam estimulantes ou sedativos. O lítio foi a primeira oportunidadebetano cassinotratamento eficaz dos sintomasbetano cassinouma doença psiquiátrica", declarou Brown à BBC News Mundo, o serviçobetano cassinonotíciasbetano cassinoespanhol da BBC.
Os tratamentos para a depressão maníaca e outras condiçõesbetano cassinosaúde mental incluíam internaçõesbetano cassinohospitais psiquiátricos, onde era possível desde induzir o coma com uma dosebetano cassinoinsulina até sedar o paciente para terapiasbetano cassinosono profundo. Também eram aplicados choques elétricos e, nos anos 1940 e princípio dos anos 1950, foi muito utilizada a lobotomia (retiradabetano cassinouma parte do cérebro).
John Cade era um psiquiatra jovem e desconhecido. Veterano da Segunda Guerra Mundial, ele trabalhavabetano cassinoum hospitalbetano cassinoMelbourne, na Austrália, sem treinamento formal, sem bolsabetano cassinoestudos e sem colaboradores.
Seu laboratório ficava na cozinha do hospital. Há quem diga quebetano cassinodescoberta ocorreu por acaso, mas Brown não concorda totalmente com essa avaliação.
"Em parte do processo, ele teve sorte", afirmou Brown. "Ele começou a administrar saisbetano cassinolítio a cobaias e percebeu que elas ficavam relaxadas. Mas é preciso dar-lhe crédito porque ele observou essa reação e imaginou que poderia funcionar com as pessoas, com pacientes maníacos. Dar este salto, para mim, é muito intuitivo e refletebetano cassinocapacidadebetano cassinoobservar sem preconceitos."
Eduard Vieta, chefebetano cassinoserviçosbetano cassinopsiquiatria e psicologia do Hospital Universitáriobetano cassinoBarcelona, na Espanha, afirmou à BBC News Mundo que, embora hoje nos pareça lógico, a revolucionária ideiabetano cassinoCadebetano cassinoque seria possível tratar as doenças mentais com medicamentos não era assim tão óbvia 70 anos atrás.
"Ele formulou uma hipótese, que por fim se demonstrou ser falsa,betano cassinoque o ácido úrico poderia desempenhar um papel chave (nos tratamentos)", segundo Vieta. "Como os ácidos não são estáveis como medicamentos, é preciso constituí-los na formabetano cassinosal para que possam ser consumidos. Aqui entrabetano cassinojogo o lítio. Ele misturou lítio ao ácido úrico, criando uratobetano cassinolítio. Quando administrou essa solução às cobaias, ele observou que elas se tranquilizavam."
Quando Cade administrou uratobetano cassinolítio aos pacientes, ele comprovou uma melhora — mas a atribuiu ao ácido úrico e não ao lítio.
"Mas, depois, ao testar outros sais, não obteve o mesmo resultado. Ele foi inteligente e deduziu que havia sido o lítio que havia melhorado seus pacientes", acrescentou Vieta.
Lítio no sangue
Walter Brown disse quebetano cassinoideia era escrever uma biografiabetano cassinoCade. "Mas na pesquisa fiquei sabendo, por exemplo, que o próprio Cade havia suspendido seu trabalho porque seus pacientes ficavam doentes. E outras pessoas assumiram seu lugar. Decidi então escrever a históriabetano cassinouma descoberta científica,betano cassinopessoas que aprenderam com outras pessoas", afirmou.
Embora os 10 pacientes iniciaisbetano cassinoJohn Cade tenham demonstrado melhoras embetano cassinosaúde mental, alguns deles sofreram severas intoxicações com muita rapidez. O próprio Cade achava que o lítio era perigoso e não deveria ser receitado.
Mas outros médicos na Austrália, como Edward Trautner, comprovaram que era possível medir a quantidadebetano cassinolítio no sangue dos pacientes e assim evitar a intoxicação.
Segundo o presidente da Sociedade Argentinabetano cassinoPsiquiatria, Ricardo Corral, existe uma "janela terapêutica" entre um limite mínimo (no qual o lítio não é eficaz) e um máximo (em que o lítio é tóxico). "E, alémbetano cassinoavaliarmos os efeitos terapêuticos e colaterais, o examebetano cassinosangue nos permite saber se o paciente está aderindo ou não ao tratamento", afirmou ele.
Para Eduard Vieta, do Hospital Universitáriobetano cassinoBarcelona, a descobertabetano cassinoTrautner ebetano cassinoequipe é mais um grande avanço que a psiquiatria deve ao metal: "o lítio obriga a monitorar os níveis do medicamento no plasma. A partir daí passou a fazer mais sentido conduzir examesbetano cassinosanguebetano cassinopacientes psiquiátricos. E isso introduziu,betano cassinoalguma forma, mais medicina na psiquiatria."
Mas, ao mesmo tempobetano cassinoque, na Austrália, os médicos descobriam como lidar com a toxicidade do lítio, nos Estados Unidos essa mesma toxicidade levaria o governo a retirá-lobetano cassinotodas as farmácias, lojas e atébetano cassinouma conhecida marcabetano cassinorefrigerante.
Medobetano cassinointoxicação
Assim como hoje queremos substituir os combustíveis fósseis por bateriasbetano cassinolítio para impulsionar nossos veículos, alguém achou, há 70 anos, que seria uma boa ideia usar o lítio para substituir o sódio — outro metal alcalino, presente no sal marinho e, portanto, nos saleirosbetano cassinotodas as cozinhas.
O consumo excessivobetano cassinosódio, como sempre nos disseram os médicos, pode gerar hipertensão arterial, problemas cardíacos e insuficiência renal.
"Nos últimos anos da décadabetano cassino1940, as pessoas começaram a usar cloretobetano cassinolítio nos Estados Unidos como substituto do sal para as pessoas que precisavambetano cassinoalimentação com baixo teorbetano cassinosódio. E muitas delas se intoxicaram, se envenenaram e algumas morreram", contou Brown.
A Agênciabetano cassinoAlimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na siglabetano cassinoinglês) proibiu o lítio e seu usobetano cassinooutras substâncias. Ele chegou a ser retirado do refrigerante 7 Up, que incluía o lítio como umbetano cassinoseus ingredientes (o nome original da bebida era "Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda" — soda limonada litiada).
"A FDA enviou seus agentes para retirá-lo das prateleiras das farmácias e esse medo da toxicidade do lítio permaneceu na mente dos médicos e do públicobetano cassinogeral", afirma Brown.
Segundo ele, isso colaborou para que o lítio não fosse tão receitado para o tratamentobetano cassinobipolaridade nos Estados Unidos comobetano cassinooutros países.
Mas esse não foi o único fator.
"Neste país, um grande númerobetano cassinoempresas farmacêuticas também vendeu,betano cassinoforma contundente, outras drogas para tratar desse transtorno, com marketing agressivo e grande promoção", segundo Brown. "E isso teve um grande efeito sobre o consumo do lítio."
"Por isso, estima-se que, nos Estados Unidos, apenas 10% dos pacientes que poderiam se beneficiar com o uso do lítio realmente o utilizam, enquanto,betano cassinooutros países, como os europeus, seu uso ébetano cassino50%", disse Brown.
Eduard Vieta concorda com essa explicação e acrescenta novas razões para essa desconfiança.
"O lítio é um medicamento órfão do pontobetano cassinovistabetano cassinomarketing e dos negócios", segundo ele. "E há outro fator, os litígios [judiciais]. Estamos falandobetano cassinoum medicamento antigo, com pouco glamour, mas que exige certos cuidados. Ou seja, se um paciente se intoxicar por acidente, ele pode processar você."
Ricardo Corral explica, porém, que o lítio não serve apenas para estabilizar o paciente, mas sim para evitar um dos maiores riscos para as pessoas que sofrembetano cassinotranstorno bipolar.
"Alémbetano cassinomelhorar o estadobetano cassinoespírito, tantobetano cassinomanias quantobetano cassinodepressão, o lítio reduz o riscobetano cassinosuicídio", disse o psiquiatra argentino.
Suicídio, megalomania e criatividade
O transtornobetano cassinobipolaridade, segundo o psicólogo holandês Douwe Draaisma na revista Nature, afeta umabetano cassinocada 100 pessoasbetano cassinotodo o mundo e, se não for tratado, pode manter alguémbetano cassinoum ciclo constantebetano cassinoeuforia e depressão. Por isso, o riscobetano cassinoo paciente tirar a própria vida é tão alto. "As taxasbetano cassinosuicídio para os pacientes sem tratamento são 10 a 20 vezes mais altas que no restante da população", segundo ele.
E Vieta confirmou: "é a doença associada ao maior riscobetano cassinosuicídio. É verdade que existe maior quantidadebetano cassinosuicídios por depressão comum, porque essa depressão é mais frequente. Mas ter transtorno bipolar gera um risco mais alto que qualquer outra doença."
Mas, mesmo que não cheguem a tirar a própria vida por causabetano cassinouma depressão aguda, os pacientes com esse transtorno podem sofrer grandes riscos nos momentosbetano cassinoque parecem entusiasmados e animados.
A psiquiatra Iria Grande, da Sociedade Espanholabetano cassinoPsiquiatria e Saúde Mental, explicou à BBC News Mundo que, nos episódios maníacos mais agudos, o estadobetano cassinoeuforia pode levar as pessoas a gastar muito dinheiro ou ter delírios megalomaníacos.
"Ou seja, você pensa fora da realidade e acredita que tem poderes que não são necessariamente reais, como ter conexões com Deus ou ser o salvador do mundo", explica ela — como ocorreu com o paciente Mr. G, que pensava que poderia encontrar o presidente dos Estados Unidos.
Mas nem tudo são extremos, como o suicídio e o delírio. Essa doença, como explica o psiquiatra Eduard Vieta, foi relacionada à criatividadebetano cassinocompositores, artistas, poetas e escritores.
"Se observarmos, existem muitas figuras históricas, algumas muito bem documentadas e outras com suspeitabetano cassinodiagnósticos", disse Vieta. "[O compositor alemão Robert] Schumann, por exemplo, morreubetano cassinoum hospital psiquiátrico e claramente teve episódios maníacos e depressivos, ao pontobetano cassinoque vemos suas composições agrupadasbetano cassinoanosbetano cassinoque ele está hipomaníaco, com muita energia, e outras épocasbetano cassinoque ele não compunha nada, porque estava com depressão."
Já Iria Grande recordou outro caso históricobetano cassinovínculo entre criatividade e bipolaridade: "um caso muito claro é obetano cassinoVirginia Wolf (escritora inglesa), que tinha episódios depressivos muito graves e maniasbetano cassinopequena euforia; ela não chegava a ter pensamentos não condizentes com a realidade, masbetano cassinoprodutividade é muito relacionada a esses episódiosbetano cassinohipomania (alteraçãobetano cassinohumor semelhante à mania, porém com menor intensidade). E, nos episódiosbetano cassinodepressão, não era nada criativa."
O entardecer do lítio
Brown descreveu a descoberta do lítio como a mais relevante da história da psiquiatria no século 20. "Depois, nos anos 1950, surgiram outras drogas psiquiátricas como as usadas contra a esquizofrenia. E, no final daquela década, os antidepressivos, mas o lítio foi o primeiro."
Já Vieta preferiu fazer uma comparação usando o tênis: "é como você ter [Roger] Federer, [Rafael] Nadal e [Novak] Djokovic. No caso da psiquiatria, tivemos o lítio, a clorpromazina — o primeiro antipsicótico — e o primeiro antidepressivo. O primeiro certamente foi o lítio, mas o que teve impacto brutal na história da psiquiatria foi a clorpromazina, que foi apresentada aos psiquiatras e permitiu dar alta a centenasbetano cassinomilharesbetano cassinopacientes."
Curiosamente,betano cassino1996, o jornalista americano Tom Wolfe explorou a revolução das neurociências e dos medicamentos antidepressivosbetano cassinoum artigo intitulado Sorry, but your Soul Just Died ("Lamento, masbetano cassinoalma acababetano cassinomorrer",betano cassinotradução livre).
O artigo fazia referência a John Cade e consideravabetano cassinodescoberta a grande responsável pelo fim da psicanálise: "a morte das teorias freudianas pode ser resumidabetano cassinouma única palavra: lítio", escreveu Wolfe, sempre controverso.
Na verdade, o lítio não eliminou a psicanálise, mas mudou a vidabetano cassinomilharesbetano cassinopacientesbetano cassino1949 para cá, alguns quando ainda eram jovens, outros — como escreveu o poeta norte-americano Robert Lowell — quando boa parte dos danos da doença já estavam estabelecidos.
"É perturbador pensar que suportei e causei tanto sofrimento porque faltava um poucobetano cassinosal no meu cérebro — e que, se fossem conhecidos antes os efeitos desse sal, se ele me fosse administrado antes, eu poderia ter tido uma vida feliz ou, pelo menos, normal,betano cassinovez desse longo pesadelo", afirmou Lowell.
- Este texto foi originalmente publicadobetano cassinohttp://vesser.net/geral-61879203
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