'Cabeleireiro viu mancha e me alertou para câncer':aposta1
Passados quase quatro anos deste episódio, ainda penso nas ironias do cânceraposta1pele. Afinal, falamosaposta1uma doença marcada por uma lesão aparente, visível a olho nu. Mesmo assim, não é raro que ela só seja detectada num estágio avançado, após anosaposta1desenvolvimento. Para piorar, numa parcela pequenaaposta1pacientes, o tumor brotaaposta1áreas que a gente simplesmente não consegue enxergar.
Poderia ser meu caso, com o aparecimento da mancha no couro cabeludo. Ou oaposta1um indivíduo que vive sozinho e não consegue veraposta1detalhes a região genital ou as costas, as nádegas e a parte traseira das coxas por completo.
O diagnóstico tardio do melanoma é preocupante. Quando isso acontece, há um grande riscoaposta1metástase, estágioaposta1que a doença se espalhou para outras partes do corpo e as opçõesaposta1tratamento ficaram mais escassas.
Mas quando se preocupar com esse tipoaposta1tumor? E quais são as estratégias que os médicos, os próprios pacientes e outros profissionais, não necessariamente vinculados à área da saúde, podem colocaraposta1prática para detectar a enfermidade quanto antes?
Menos frequente, mais grave
O cânceraposta1pele é extremamente comum. Ele representa cercaaposta130%aposta1todos os tumores que são diagnosticados.
Em linhas gerais, há três subtipos da doença que afetam a camada externa do nosso corpo: o carcinoma basocelular, o carcinoma espinocelular e o melanoma.
Os dois primeiros são os mais frequentes e configuram cercaaposta197% dos casos da doença. A boa notícia é que eles costumam ser bem mais simples e fáceisaposta1lidar. Nesse contexto, é possível falaraposta1cura na maioria das vezes.
Já os 3% restantes pertencem aos melanomas. E aqui a situação fica um pouco mais séria: trata-seaposta1um tumor agressivo que, se não for detectado nas fases iniciais, complica e pode se espalhar pelo organismo.
"O melanoma se origina nos melanócitos, um tipoaposta1célula produtora do pigmento que determina a cor da pele", explica o médico Renato Marchiori Bakos, coordenador do Departamentoaposta1Oncologia Cutânea da Sociedade Brasileiraaposta1Dermatologia.
O Instituto Nacionalaposta1Câncer (Inca) estima que 8.450 brasileiros são diagnosticados com melanoma todos os anos — desses, 1.923 morrem devido à doença.
Os principais fatoresaposta1risco para o desenvolvimento dessa enfermidade são a exposição frequente ao sol sem nenhum tipoaposta1proteção, o usoaposta1câmarasaposta1bronzeamento artificial, ter pele ou olhos claros e o histórico familiar (quando um parente próximo foi diagnosticado com o mesmo problema no passado).
Tão perto e tão longe da vista
O oncologista João Duprat, líder do Centroaposta1Referênciaaposta1Tumores Cutâneos do A.C.Camargo Cancer Center,aposta1São Paulo, também vê com certa ironia as barreiras para o diagnóstico precoce do melanoma.
"Por um lado, trata-seaposta1um câncer que está na pele e pode ser visto a olho nu, sem a necessidadeaposta1examesaposta1imagem complexos para o diagnóstico", diz.
"Por outro, as pessoas não conseguem visualizar bem ou muitas vezes demoram anos para pensar que aquele sinal na pele pode ser um tumor", completa.
Em linhas gerais, os especialistas entendem que há uma faltaaposta1informação sobre quais são os sinais sugestivosaposta1um melanoma e quando é preciso buscar a avaliaçãoaposta1um profissional.
Para isso, eles criaram a "regra do ABCDE", que resume os cinco principais atributosaposta1um possível tumor na pele:
- Aaposta1assimetria: pintas ou manchas disformes,aposta1que um lado é diferente do outro;
- Baposta1borda: as margens delas são irregulares e borradas;
- Caposta1cores: há maisaposta1um tom ali, que pode variar entre branco, preto, cinza e marrom;
- Daposta1diâmetro: pintas e manchas com maisaposta15 milímetrosaposta1extensão;
- Eaposta1evolução: mudançasaposta1tamanho, cor, formato ou aparência com o passar do tempo.
"Na presençaaposta1uma ou mais dessas características, é importante buscar um dermatologista", orienta Duprat.
"Além disso, manchas ou feridas na pele que fogem dessas características, mas não cicatrizam depoisaposta1um mês, devem ser analisadasaposta1perto", complementa.
No próprio consultório, o médico usa equipamentos simples (como o dermatoscópio) para verificar o que está ocorrendo e indicar a conduta mais adequada.
Uma lesão difícilaposta1visualizar
Bakos explica que o melanoma costuma aparecer com mais frequência na face, no tronco e nos membros.
"Na maioria das vezes, eles estão associados às queimadurasaposta1sol ao longo da vida", aponta o dermatologista, que também é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Com o passar do tempo, a radiação que vem do sol — os raios ultravioleta A (UVA) ou B (UVB) — pode danificar o material genético das células da pele. O DNA corrompido gera as células cancerosas, que começam a se replicaraposta1forma desenfreada e provocam sérios abalos à saúde.
Numa parcela menor dos pacientes com melanoma, é ainda mais complicado fazer o diagnóstico precoce: as lesões se desenvolvemaposta1locais difíceisaposta1ver por conta própria, como o próprio couro cabeludo, citado no início da reportagem, na região genital ou nas costas. O melanoma pode, inclusive, aparecer até embaixo da unha.
É aí que entramaposta1cena outros profissionais, não necessariamente relacionados à saúde, mas que auxiliam demais na detecção precoce.
"Cabeleireiros, barbeiros, podólogos e manicures ajudam muito nesse sentido. Eles podem ser orientados a detectar as lesões e alertar os clientes", exemplifica Duprat.
Em indivíduos mais velhos, que estão com o cabelo branco, o melanoma pode chamar a atenção também após o nascimento repentinoaposta1uma faixaaposta1fios escuros na cabeça.
Isso acontece porque os melanócitos doentes, que estão na raiz daqueles fios, acabam fabricando mais pigmento do que o usual, o que altera até a cor daquele trecho específicoaposta1cabelo.
"Os tatuadores também contribuem bastante, porque temos casosaposta1pessoas que fazem tatuagens para esconder pintas ou manchas das quais se envergonham", complementa o médico.
O Grupo Brasileiroaposta1Melanoma, inclusive, tem um projeto que dá aulas e palestras sobre a detecçãoaposta1casos suspeitosaposta1escolas profissionalizantes ou eventos que reúnem trabalhadores dessas áreas que lidam diretamente com a pele.
Barkos acrescenta que outras especialidades médicas têm um papel a cumprir nesse contexto. "Nas consultas periódicas, o ginecologista ou o urologista podem notar alguma mancha na região íntima, que muitas vezes passa despercebida ou está coberta por pelos."
Já Duprat lembraaposta1mais uma dificuldade no diagnóstico precoce do melanoma: as ocasiõesaposta1a doença apareceaposta1negros ou asiáticos, que não integram o grupoaposta1risco clássico deste tipoaposta1tumor.
"Pelo fatoaposta1esse câncer ser menos comum nesses grupos, muitos nem pensam na possibilidadeaposta1o paciente negro ou asiático estar com melanoma", lamenta.
"Neles, é mais comum que a lesão apareça na planta dos pés ou na palma das mãos", descreve.
Portanto, a recomendação segue a mesma, independentemente das características individuais: manchas, pintas ou feridas que apresentam qualquer uma daquelas características do ABCDE ou não cicatrizam depoisaposta130 dias devem ser avaliadas por um profissional da saúde.
Boas novas terapêuticas
Se a biópsia confirmar que a pinta ou mancha é realmente um tumor, o médico pode prescrever uma sérieaposta1condutas terapêuticas.
Nos casos iniciais,aposta1que a lesão ainda não é muito profunda, o caminho mais usual é a cirurgia. Na maioria desses casos, basta retirar com o bisturi o pedacinhoaposta1pele atingido.
A detecção precoce desse tumor é importante justamente por isso: nos primeiros estágios da doença, a remoção cirúrgica costuma resolveraposta1vez o problema, sem a necessidadeaposta1outros tratamentos complementares.
"Agora, se a lesão já é um pouco mais extensa, precisamos avaliar os gânglios linfáticos para conferir se já ocorreu a metástase", diz Duprat.
Como explicado mais acima, a metástase é o processoaposta1que o câncer se espalha para outras partes do corpo.
Mas mesmo nesses casos mais avançados, o tratamento do melanoma passou por uma verdadeira revolução na última década com a chegada dos imunoterápicos. Trata-seaposta1uma nova classeaposta1medicamentos que estimula o próprio sistema imunológico do paciente a atacar e eliminar as células cancerosas.
"Antigamente, ou você fazia o diagnóstico precoce do melanoma ou a casa caía e não tinha muito mais o que ser feito. A quimioterapia era extremamente ineficiente para tratar esse câncer metastático", lembra Duprat.
"Hoje, com a imunoterapia, você consegue ampliar a expectativaaposta1vida do paciente com pouquíssimos efeitos colaterais. A única barreira desse tratamento é o preço, que continua muito elevado", compara o oncologista.
Se os recursos contra esse tipoaposta1câncer evoluíram consideravelmente nos últimos anos, as recomendações para prevenir a doença continuam as mesmas.
"A queimaduraaposta1sol é um dos principais fatores que levam ao desenvolvimentoaposta1cânceraposta1pele no futuro. Portanto, quando estiver no ambiente externo, o ideal é usar camiseta, óculos escuros e chapéu para cobrir as áreas mais sensíveis", lista Bakos.
"Nas partes da pele que ficam desprotegidas, é importante passar protetor solar e reaplicaraposta1temposaposta1tempos", conclui o dermatologista.
Para aqueles indivíduosaposta1pele clara, que possuem muitas pintas ou têm históricoaposta1melanoma na família, consultas periódicas com um dermatologista também são indicadas.
Pedir que seu cabeleireiro, barbeiro, podólogo, tatuador ou qualquer outro profissional que mexe com estética alerte sobre pintas e manchasaposta1áreas "escondidas" também é uma excelente ideia — como, aliás, eu mesmo aprendi e senti na pele há pouco tempo.
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