As parcerias platônicas que unem pares 'até que a morte os separe':

Amigas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Parceirosvida não precisam ser necessariamente casais românticos. Grandes amigos também podem formar compromissoslongo prazo.

Brown e Lilygren têm um relacionamento que vai além da maioria das amizades. Lilygren considera que elas são "parceirasvida platônicas", o que significa que são as principais companheiras uma da outra - o mesmo tiporelação que as pessoas normalmente associam a cônjuges ou parceiros amorosos, a não ser pela ausênciasexo ou romance no seu relacionamento.

A expressão "parceirasvida platônicas", pouco conhecida no passado, vem sendo popularizada nos últimos tempos por duas mulheresSingapura na casa dos 20 anosidade, April Lee e Renee Wong. Elas discutemparceriavida platônica (PVP) no TikTok, onde Lee tem mais51 mil seguidores.

Lee e Wong firmaramamizade como PVPs quando Wong mudou-seSingapura para Los Angeles, nos Estados Unidos, para morar com Leesetembro2021. Como Lee descreveuum artigo sobreparceria para o site Refinery29, elas não eram apenas melhores amigas, mas sim "parceirasapoio financeiro", que se ajudavam mutuamente para atingir seus objetivosvida com mais eficácia e queriam estar juntas não só morando juntas temporariamente, mas sim a longo prazo.

A popularidade dahistória gerou diversas reportagens sobre esse tipoamizade comprometida, incluindo entre os homens. Mas relacionamentos como esses não são totalmente novos. Em alguns casos, suas raízes datam do século 18. Embora alguns certamente fossem relacionamentos homossexuais disfarçados, é bem possível que muitos fossem exatamente como oLee e Wong - apenas não existia ainda o termo "PVP" para descrevê-los.

Para algumas pessoas atualmenterelacionamentos PVP, como Lilygren, esse termo é uma forma importante não apenasdefinirsituaçãovida, mas tambémsalientar a importância das parcerias não românticas.

"Culturalmente, na verdade, nós desvalorizamos a amizadecomparação com relacionamentos como o casamento. As pessoas esperam que nós tenhamos amizades secundárias e transitórias, que ficam marginalizadas quando um dos amigos se casa", afirma Lilygren, "e realmente não há uma palavra para [descrever] um amigo que é parceirovida."

O termo "PVP" preenche essa lacuna.

SenhorasLlangollen

Crédito, Museu Britânico

Legenda da foto, Entre as primeiras parceirasvida platônicas documentadas, encontram-se as SenhorasLlangollen, no final do século 18.

Os 'casamentosBoston'

Dos tempos coloniais até cerca1850, as pessoas firmavam parceriasvida - casamentos - por razões "pragmáticas", segundo Eli Finkel, professor da Universidade do NoroesteIllinois, nos Estados Unidos, e autor do livro The All-or-Nothing Marriage: How the Best Marriages Work ("O casamento do tudo ou nada: como os melhores casamentos funcionam",tradução livre).

Para Finkel, "as distintas funções do casamento naquela época giravamtorno da sobrevivência básica - literalmente, coisas como alimentação, roupas e abrigo". Para as mulheres (que eram mantidas fora da forçatrabalho e não conseguiam sustentar-seforma independente), ter um marido era fundamental para sobreviver.

Mas isso mudou para muitas pessoaslugares como o Reino Unido e os EUA no final dos anos 1800. Nesses países, as mulheresclasse média já podiam ir à escola, consolidando o caminho para que elas começassem a trabalhar, segundo a historiadora LGBTQIA+ norte-americana Lillian Faderman. Com isso, as mulheres não precisavam mais dependermaridos para ter renda e algumas decidiam viver com outras mulheres.

Nessa época, surgiu a expressão "casamentoBoston" para descrever "duas mulheres vivendo juntasum relacionamento comprometidolongo prazo", segundo Faderman. Ela conta que ninguém sabe ao certoonde veio essa expressão, mas suspeita-se que poderá ter se originado no romance The Bostonians,Henry James, publicado1866, que apresentava um possível relacionamento amoroso entre duas mulheres.

"Se eram relacionamentos lésbicos ou quantos desses relacionamentos eram lésbicos... nós nunca saberemos", afirma ela, "pois esse tipocoisa não era declarado no papel - as pessoas não falavam abertamente sobre o sexo entre as mulheres".

O que foi declarado no papel foram os pensamentosEleanor Butler, uma das chamadas SenhorasLlangollen, duas mulheres ricas cujos recursos financeiros permitiram que elas se afastassemsuas famílias na Irlanda para viver juntas no PaísGales no final dos anos 1700. Seu relacionamento foi muitas vezes chamado"amizade romântica".

Butler se referia àparceiravida Sarah Ponsonby como"querida" e detalhava seus dias juntosseu diário, mas nunca mencionou relações sexuais.

Embora seja impossível conhecer a verdadeira natureza desses relacionamentos históricos, os historiadores sugerem que essas "amizades românticas" fossem bastante comuns na época,forma que é bem possível que algumas delas não fossem sexuais, servindo como os precursores dos PVPshoje.

'Parece inseparável'

Eli Finkel afirma que, entre meados dos anos 1800 e a década1960, o casamento saiu da "era pragmática" e entrou na "era baseada no amor", quando as pessoas começaram a formar parceriasvida por amor e intimidade, não por sobrevivência.

A industrialização trouxe os jovens para as cidades, fazendo com que eles ficassem, "pela primeira vez... geográfica e economicamente independentes das suas famílias", segundo Finkel. E, com essa liberdade, veio a ênfase na "realização emocional" na escolha dos parceirosvida.

Finkel afirma que, nos anos 1960, observou-se nova mudança das necessidades das pessoas com relação aos parceirosvida no mundo ocidental. "O amor e a intimidade permaneciam necessários, mas não eram mais suficientes", afirma ele. Os casamentoshoje também precisam "permitir que as pessoas possam ser autênticas e busquem seu crescimento pessoal".

Os casamentos e as parceriasvida evoluíram a um pontoque muitos esperam que seus parceiros sejam tudo para eles, desempenhando diversos papéis que incluem a parceria sexual, coabitação, parceria na criação dos filhos, fornecimentoapoio emocional e parceria financeira, entre outras funções. Pode ser pedir muita coisa a uma só pessoa e "muitos relacionamentos estão sentindo a pressão", segundo Finkel.

Já os PVPs oferecem uma alternativa para os relacionamentoslongo prazo. Não se espera que um parceiro platônico atenda às necessidades românticas e sexuais e as pessoas que têm um PVP não consideram seus parceiros românticos seu principal sistemaapoio emocional.

Algumas pessoas unem suas finanças às do seu PVP, como normalmente se esperacasais casados, mas outras não, ou unem apenas parcialmente. Lilygren conta que não têm contas conjuntas com Brown, "mas chegamos a um pontoque já compramos tantas coisas juntas para a casa, incluindo os móveis, que tudo parece inseparável".

De forma geral, iniciar um relacionamento PVP tem muitocomum com um casamento. Alguns até se casam,parte pelos direitos legais decorrentes da união (como garantir que seus parceiros sejam considerados seus parentes mais próximos) ou para demonstrar seu compromisso para os familiares e amigos que talvez não consigam entenderoutra forma.

Ainda se aplicam as discussões práticas sobre como compartilhar a vida, alémnegociações adicionais sobre como incorporar os parceiros amorososcada um ao relacionamento e/ou aos acordosvida.

amigos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os PVPs podem ser homens ou mulheres.

As pessoas que não conhecem os relacionamentos PVP muitas vezes têm dificuldade com a ideiaque duas pessoas possam compartilhar tanta intimidade e não ter relações sexuais.

Foi preciso que as norte-americanas Jay Guercio e Krystle Purificato - que falaram sobre seu relacionamento PVP no reality show The Cut - viralizassem no TikTok para quefamília e amigos finalmente entendessem que elas são totalmente platônicas, apesar do seu casamento.

E, para Lilygren, escrever sobre seu relacionamento com Brown para o site norte-americano HuffPost acabou por ajudar a explicar a situação do trio para Brown e a família do marido dela. "Eles começaram a nos levar mais a sério como uma unidade familiar, o que é bonito", afirma Lilygren.

Mas o artigo também recebeu críticas. "Houve muitos comentários negativos online porque as pessoas não conseguem imaginar que nossa situação não é sexual, o que é muito ruim", segundo ela.

Atualmente, embora o estigma contra as pessoas que se identificam como LGBTQIA+ não tenha sido erradicado e alguns casais homossexuais ainda não saiam a público ou não se identifiquem dessa forma, é menos provável que pessoas que vivem com parceiros platônicos o façam para ocultar o romance.

O aumento da aceitaçãooutras orientações além das heterossexuais facilitou para muitas pessoas manter relacionamentos abertamente homossexuais. E, à medida que mais jovens falam publicamente sobre suas opções por relacionamentos PVP, eles divulgam que existe mais uma opçãoparceriavida.

Lilygren escreveu abertamente sobre namorar mulheres no seu artigo no Huffpost ePVP é casada com um homem. Elas planejam manter seu compromisso platônicolongo prazo.

"Com certeza não me vejo vivendo algum dia longeMaggie", afirma Lilygren. "Estou saindo com alguém já há dois anos e estou comprometida com o nosso relacionamento, mas minha formavida me faz feliz e não quero que nada a prejudique."

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

Línea

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