Dízimo: o que diz a Bíblia sobre a contribuição periódica que fiéis dão a igrejas:cbet gg pt br
No versículo 20 está a mençãocbet gg pt brque "Abraão deu-lhe o dízimocbet gg pt brtudo".
Conforme explica o padre Welington Cardoso Brandão, mestrecbet gg pt brteologia moral e psicólogo, autor dos livros Pastoral do Dízimo e Terapia a Serviço do Dízimo, essa ideiacbet gg pt broferecer algo a Deus é comum nas passagens do Antigo Testamento e demonstra a origem da prática.
"O dizimo não foi criado. Ele aparece na Bíblia a partir do momentocbet gg pt brque percebemos que o homem depende também materialmentecbet gg pt brDeus desde a criação do mundo e do homem", contextualiza o religioso.
"Assim, o dízimo é o agradecimento que o homem faz a Deus por alguma coisa que ele conseguiu."
Ele lembra que essa ideia aparece quando Caim e Abel "ofereciam a Deus parte do frutocbet gg pt brseu trabalho" e quando Noé, "depois do dilúvio, oferece um sacrifício a Deus".
"Era tipo uma barganha", resume ele.
"Uma práticacbet gg pt brdoar 10%cbet gg pt brtudo o que era feito ou dos bens da terra ou da plantação ou dos animais."
Havia razões práticas, é verdade. Em uma épocacbet gg pt brque o trabalho consistia na produção básica do necessário à sobrevivência, com a organização dos serviços religiosos aqueles que se dedicavam a tais assuntos precisavam solucionar a problemática do comer e viver.
Se um sacerdote estava ocupado o tempo todo com assuntos da fé, era necessário quecbet gg pt bralguma forma os proventos lhe fossem garantidos por aqueles que labutavam na agricultura ou na pecuária.
História
"O dízimo era uma prática muito comum na antiguidade, no chamado Oriente Próximo. Grupos ofertavam parte dos seus ganhos, tiravam partecbet gg pt brsua produção para o serviço religioso ligado a suas divindades", conta o historiador, teólogo e filósofo Gerson Leitecbet gg pt brMoraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Moraes lembra que "não é a Bíblia quem inventa o dízimo". Ela registra, ela documenta uma prática que já era corrente naqueles tempos antigos.
"Estamos falandocbet gg pt brsociedades agrárias, rurais, ecbet gg pt bruma organização religiosa que começa a existir, e portanto, tem suas necessidades quanto à manutenção dos sacerdotes e da estrutura", contextualiza.
"O dízimo está associado à manutenção do culto, da casta sacerdotal. Isso era feitocbet gg pt brespécie. Do pontocbet gg pt brvista sociológico, não há problema algum, as religiões se organizaram todas desta maneira."
Mas o historiador lembra que à medida que instituições religiosas foram ficando mais poderosas e sofisticadas, o que costumava ser feitocbet gg pt brespécie passou a ter um valor pecuniário.
Templos passaram a ter cofres centrais, destinados a sustentar o sistema. As doações, então, eram feitas com o pagamento da décima parte daquilo que era obtido com a venda das mercadorias.
"A justificativa seguia a mesma: o dízimo era uma formacbet gg pt brdemonstrar comprometimento com o sistemacbet gg pt bradoração,cbet gg pt brculto. Mostrava que a pessoa era fiel e que, portanto, estava inseridacbet gg pt brtoda a lógica religiosa"
De acordo com padre Welington Brandão, é preciso lembrar que o cristianismo ressignificou a prática — o que,cbet gg pt brtese, deveria ser o principal argumento contra a leitura fundamentalista que alguns grupos religiosos fazem do Antigo Testamento.
Em síntese, o que era barganha passou a ser visto como agradecimento. E como sinalcbet gg pt brparticipação.
"Antes era motivado pelo temor, um termo pelo castigo divino. No Novo Testamento, a lei do temor é substituída pela lei do amor. E o homem passa a oferecer o dízimo por amor", explica Brandão.
No Evangelhocbet gg pt brMateus, por exemplo, há uma passagem sobre isso. No capítulo 23, Jesus critica aqueles que pagavam o dízimo religiosamente mas deixavamcbet gg pt brlado a prática da justiça e da misericórdia.
Essa atualização também deixou a questão dos tais 10% muito menos precisa e mais fluida.
Na segunda carta que Paulo envia aos Coríntios — e vale lembrar que o apóstolo se preocupou muitocbet gg pt brcriar as regras para embasar aquelas primeiras comunidades cristãs —, ele conclamou que cada um desses "conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem constrangimento".
O vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centrecbet gg pt brRoma e doutor pela Pontifícia Universidade Gregorianacbet gg pt brRoma, na Itália, ressalta que esse era um princípio daqueles primeiros cristãos: nunca pedir explicitamente, muito menos arbitrar um valor.
"Os apóstolos, desde o começo, não pediam nada. Jesus sempre dizia: vocês vão viver do que os outros derem, aceitemcbet gg pt brbom coração aquilo que é oferecido", afirma.
"O dízimo deve ser interpretado não como um cifrão, mas como uma formacbet gg pt brajudar a igreja nas coisas que ela precisa", acrescenta Brandão.
Finalidade
Ele defende que há três dimensões para fundamentar a contribuição, e elas seriam necessárias para justificá-la.
"A dimensão religiosa é a manutenção do templocbet gg pt brsim: funcionários, água, luz, telefone, limpeza, a hóstia e o vinho, o salário do padre. A dimensão missionária é o enviocbet gg pt brdinheiro para outras obras e lugares que tenham necessidades específicas. E a dimensão caritativa é o destinocbet gg pt brdinheiro para ajudar aos mais pobres, seja na manutençãocbet gg pt brcreches ou outras instituição, na doaçãocbet gg pt brcestas básicas e outros auxílios", enumera ele.
"É bom lembrar que toda obra religiosa precisacbet gg pt brsustento material e que esse sustento vem inicialmente, direta ou indiretamente,cbet gg pt brcontribuições dos fiéis, por dízimos, esmolas e semelhantes", comenta o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católicacbet gg pt brSão Paulo.
"Nas igrejas protestantes o pastor frequentemente é visto como um contratado da comunidade, o que implica numa boa gestão das entradas e muita transparência nos gastos, para viabilizar a manutenção da estrutura."
"Na Igreja Católica, a estrutura centralizada, o patrimônio artístico acumulado e a variedadecbet gg pt brobras sociais e missionárias cria uma sériecbet gg pt brdificuldades para o sistema. O custo operacional é muito maior e a destinação final dos recursos nem sempre é visível para o contribuinte", acrescenta ele.
Ribeiro Neto lembra, contudo, que também há um simbolismo forte para os católicos, com "a ideiacbet gg pt brque o dízimo não é só necessário para o sustento material da Igreja, mas também para o crescimento espiritual do crente, que se sente mais colaboradorcbet gg pt brsua comunidade e da obracbet gg pt brDeus no mundo".
No Códigocbet gg pt brDireito Canônico vigente, promulgado pelo papa João Paulo II (1920-2005)cbet gg pt br1983, a contribuição financeira dos membros da Igreja está prevista no artigo 222.
"Os fiéis têm a obrigaçãocbet gg pt brprover às necessidades da Igreja,cbet gg pt brforma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para as obrascbet gg pt brapostolado ecbet gg pt brcaridade, e para a honesta sustentaçãocbet gg pt brseus ministros", diz o texto.
"Têm ainda a obrigaçãocbet gg pt brpromover a justiça social e, lembrados do preceito do Senhor,cbet gg pt brauxiliar os pobres com seus próprios recursos."
Se é um costume arraigado às próprias criações das religiões, por outro lado foi inevitável, ao longo do tempo, que a evolução da prática do dízimo também tenha dado brecha para o surgimentocbet gg pt brabusos. Muitas vezes protagonizados por exploradores da fé alheia.
"Tanto para as igrejas protestantes históricas quanto para a igreja católica romana, a fundamentação bíblica para a contribuição, ou o dízimo, é a mesma: trata-secbet gg pt bruma ofertacbet gg pt brgratidão a Deus, que deve ser feita por todas as pessoas batizadas", explica a pastora luterana Romi Márcia Bencke, secretária geral do Conselho Nacionalcbet gg pt brIgrejas Cristãs do Brasil (Conic).
Ela explica que o que costuma variar é que "algumas igrejas trabalham com [a ideia de] o dízimo, ou seja, 10% daquilo que os fiéis recebem, enquanto outras trabalham com a contribuição voluntária, ou seja, as pessoas da comunidade contribuem com aquilo que podem, e se podem". "Assim, não é estabelecido um valor específico".
Bencke ressalta que as igrejas devem sempre informar "o destino das contribuições". Isso pode ser feito mediante a publicaçãocbet gg pt brbalanços. "Geralmente, um determinado percentual fica com a paróquia local para ela poder realizar os seus trabalhos e outro percentual vai para a igreja nacional. Muitas paróquias, na maioria das vezes, [também] precisam realizar eventos para cobrir suas despesas anuais. As contribuições são destinadas a serviços diaconais e sempre há a prestaçãocbet gg pt brcontas nas assembleias, concílios, indicando quanto foi arrecadado ao longo do ano e para onde as contribuições foram destinadas", frisa ela.
Nessa questão, a da prestaçãocbet gg pt brcontas, reside a principal diferença entre as igrejas neopentecostais e as tradicionais. E a explicação está no cerne da teologia da prosperidade.
Conforme explica o sociólogo Edin Sued Abumanssur, coordenador do cursocbet gg pt brCiência da Religião da Pontifícia Universidade Católicacbet gg pt brSão Paulo (PUC-SP) e líder do Grupocbet gg pt brEstudos do Protestantismo e Pentecostalismo da mesma instituição, a teologia da prosperidade "monetizou o sacrifício".
Porque o que justifica essas doações, segundo a teologia da prosperidade, é uma maneiracbet gg pt brexercer um sacrifício a Deus, expressando um compromisso "em uma batalha espiritual", fundamenta o pesquisador.
"Sacrifício não é uma coisa exclusiva dos neopentecostais. A maioria das religiões trabalha com essa ideia. Mas se o catolicismo popular tem coisas como 'ir para Aparecida a pé' para conseguir uma graça, 'fazer promessa para algum santo', 'jejuar', a inovação neopentecostal é a monetização do sacrifício", explica Abumanssur. "É a maneira como o fiel assume seu compromisso com o lado divino, o ladocbet gg pt brDeus na batalha. E, por essa lógica, Deus abençoa conforme o sacrifício."
Segundo ele, essa monetização "representa o poder, a profundidade e o tamanho do compromisso" e "quanto maior o compromisso, maior deve ser a bênçãocbet gg pt brDeus". Desta forma, uma pessoa pobre que doa um valor considerado pequeno está fazendo um sacrifício maior do que aquele que têm muitas posses e doa uma quantidade considerada alta — mas que não interferecbet gg pt brseu dia a dia.
"E não existe a prestaçãocbet gg pt brcontas. Os fiéis não estão nem aí para isso, porque o conta para ele é o compromisso dele com Deus. Não interessa o que o pastor vai fazer com esse dinheiro, não é mais problema do fiel se vai servir para uma obracbet gg pt brcaridade, e essas igrejas fazem muitas obrascbet gg pt brcaridade, se vai servir para financiar um deputado ou para comprar um iate", argumenta o sociólogo.
"A teologia da prosperidade não trabalha com dinheiro. Trabalha com o sacrifício, que é monetizado pelo dinheiro", resume. "O dinheiro é o mediador do sacrifício."
'Moedacbet gg pt brtroca'
Nas últimas décadas o que se viu também foi a disseminação,cbet gg pt brigrejas neopentecostais fundamentalistas, da ideia da teologia da prosperidade.
Para especialistas, isso provocou uma distorção da explicação e da finalidade do dízimo.
"Essa teologia da prosperidade trouxe a ideiacbet gg pt brque você não somente obedece a um mandamentocbet gg pt brDeus devolvendo a décima parte como fidelidade à obrigação delecbet gg pt brabençoar, mas que acbet gg pt broferta criaria um compromissocbet gg pt brDeus com você", diz Moraes.
"Essa teologia diz que se você foi fiel a ele, pagando, ele também vai ser fiel a você, abrindo as portas do céu para você, recompensando-o com riqueza, bênção, saúde e que tudo vai dar certo."
O dízimo então passou a ser moedacbet gg pt brtroca.
"E a teologia da prosperidade leva adiante esse discurso, olhando do pontocbet gg pt brvista do negócio, ou seja, que todo negócio pode ser incrementado", explica o historiador.
"Aparecem as correntescbet gg pt broração que pedem ofertas, o pastor que tem um discurso no meio do culto dizendo que está tendo a revelaçãocbet gg pt brDeus que alguém ali vai doar R$ 100 mil para a causa do Senhor e coisa e tal. Tem gente que vê e faz esse tipocbet gg pt broferta, incentivado pelo discurso."
E há os testemunhos motivadores.
"Gente que vai ao púlpito para dizer que fez exatamente o que o pastor mandou e 'a vida prosperou'. Isso dá uma legitimidade ao modelo", comenta Moraes.
"É preciso distinguir as contribuições destinadas à sustentaçãocbet gg pt bruma igreja que desenvolve um serviço público,cbet gg pt brnatureza espiritual e social, da exploração da fé popularcbet gg pt brproveito próprio, que pode acontecercbet gg pt brqualquer época, mas se tornou particularmente escandalosa nos tempos atuais", salienta Ribeiro Neto.
"É muito difícil fazer essa distinção, entre o serviço público e a apropriação privada, sem incorrercbet gg pt brpreconceitos e estereótipos, mas é uma necessidade prementecbet gg pt brnossas sociedades."
Padre Brandão também acredita ser importante diferir uma coisa da outra.
"Muitas igrejas evangélicas pentecostais, com essa teologia da prosperidade, vendem a ideiacbet gg pt brque 'quanto mais eu der, mais eu vou receber', como se estivéssemos negociando com Deus", critica ele.
Para o historiador Moraes, a teologia da prosperidade vive um momentocbet gg pt brverdadeira encruzilhada sociopolítica, justamente por muitos daqueles que a disseminam serem apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro e a situação da economia.
"Essa teologia só funciona quando você tem um sociedade prosperando economicamente", contextualiza ele.
"Por isso há uma relação umbilical entre religião e política."
O vaticanista Domingues concorda que as igrejas neopentecostais tendem a dar uma "ênfase muito grande na questão do sucesso individual e da prosperidade material", com a a ideiacbet gg pt br"que aquilo que você dá para a igrejacbet gg pt bralguma forma vai voltar para você, levando-o a um sucesso material".
"E eles [os pastores] dizem claramente quanto querem, pedem… Não podemos generalizar mas é muito comum essa interpretação desvirtuada daquilo que é o dízimo", diz Domingues.
"Em vezcbet gg pt brser uma coisa para sustentar a ação da igreja e da caridade, passa a ser entendido como um investimento individual espiritual e material, na linha do 'eu invisto para tirar algum benefício disso depois'."
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