Joana Angélica, a mártir católica que é considerada heroína da Independência:cbet india
Em texto recente, o arcebispocbet indiaSalvador e primaz do Brasil, cardeal Sergio da Rocha exaltou Joana Angélica como uma das "figuras marcantes do itinerário rumo à independência", segundo ele uma heroína "por integrar um outro 'exército', formado por mulheres que traziam consigo a cruz e o rosário, assassinada às portas do convento".
"O significado do seu gesto ultrapassa a atitude patrióticacbet indiaenfrentamento dos soldados portugueses, pela liberdade do Brasil", pontua Rocha. "O seu martírio ocorrecbet indiadefesa, não somentecbet indiaum edifício religioso, mas do que ele representava: a comunidadecbet indiairmãs que lá vivia, a fécbet indiaCristo por elas professada, a Igreja que devias ser sempre respeitada."
Para o cardeal, o episódio protagonizado por Joana "merece figurar, com maior atenção, não somente na história da Independência do Brasil, mas na história da Igreja Católica da Bahia". "Precisamos conhecer e valorizar mais Joana Angélica, bem como a história rica e plural da Bahia", acrescenta ele.
Contexto
À BBC News Brasil, o historiador Sérgio Guerra Filho, professor na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, explica que o episódio da mortecbet indiaJoana Angélica insere-se no contexto anti-lusitano que havia na Bahia naquele iníciocbet indiaséculo 19.
"A Independência [do Brasil] foi um ato complexo que envolveu uma sériecbet indiaeventoscbet indiadiversas regiões do que hoje chamamos Brasil. Lutava-se contra a dominação portuguesa. No caso da Bahia, havia uma disputa pelo comando militar da região", afirma ele.
Vale ressaltar que o clima havia se complicadocbet indiadecorrência do "rearranjo do Reino Unido", ou seja, da coroa portuguesa. Depoiscbet india13 anoscbet indiaque a corte havia se transferido para o Riocbet indiaJaneiro, o rei português dom João VI (1767-1826) havia retornado para Portugal no ano anterior.
"[Muitos revoltosos] queriam que as províncias [do Brasil Colônia] mantivessem algumas autonomias que tinham conseguido a partircbet india1808", acrescenta Guerra Filho.
Em solo baiano, essa situação se materializava na disputa entre "os nascidoscbet indiaPortugal, interessados na retomada das prerrogativas coloniais e os nascidos na Bahia, preocupados com a manutenção das vantagens que tinham conseguido com a vinda da família real ao Brasil", diz o professor.
Entre essas vantagens, ele lista como as principais a liberdadecbet indiacomércio e as "experiênciascbet indiapoder", ou seja, com portugueses nascidos no Brasil sendo alçados a cargos importantes.
Pesquisador do Grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, o historiador Victor Missiato frisa que a região do Recôncavo Baiano era um redutocbet indiarevoltas desde o fim do século 18 — ele lembra o episódiocbet indiacunho separatista conhecido como Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates, ocorrido entre 1798 e 1799.
"Ou seja: era um localcbet indiamovimentos muito radicais com algumas vertentes republicanas lutando pela a autonomia ou pela independência, dependendo do grupo", pontua ele,cbet indiaconversa com a BBC News Brasil. "Havia na Bahia uma relação muito conflituosa entre portugueses e nativos, muito por conta da cobrançacbet indiaimpostos mas também por conta da misériacbet indiaque muitos escravos e libertos viviam numa região que estava perdendo cada vez mais força para o Riocbet indiaJaneiro."
Autorcbet indiadiversos livros sobre o período, o pesquisador Paulo Rezzutti diz à reportagem que "os eventos ocorridos na Bahia no começo do ano [de 1822] são um marco do processo da independência" que "não foi somente eternizado com o grito do Ipirangacbet india7cbet indiasetembro" e "estava longecbet indianão ser um movimento popular e que só atingia o sudeste brasileiro".
O conflito
Rezzutti explica que naquele iníciocbet indiaano, setores populares baianos reagiram contra a nomeaçãocbet indiaum militar português, o general Madeiracbet indiaMelo, para o cargocbet indiagovernador das Armas da Bahia. "Tanto a população quanto as tropas tentaram não aceitar a nomeação imposta por Lisboa", comenta. "Cidadãos notáveis tentaram impugnar a posse e o caso acabou levando a um embate entre os populares e os soldados baianos contra o general e seus comandados."
"O ponto alto da batalhacbet indiaSalvador foi a tomada do Fortecbet indiaSão Pedro, onde o brigadeiro Manuel Pedrocbet indiaFreitas Guimarães, comandante nativista, acabou dominado, preso e enviado para Portugal", narra o pesquisador. "Na sequência dos combates, soldados portugueses, grande parte embriagados, perseguiram os brasileiros que escaparam do Quartel da Mouraria. Como esse ficava perto do Convento da Lapa, ele foram até o convento para verificar se os brasileiros tinham fugido para lá e se o local guardaria armas."
Alegando terem ouvido rumores, os portugueses disseram acreditar que as religiosas estivessem dando abrigo para os brasileiros. "Ela tentou impedir que os soldados entrassem no claustro, que era vetado para os homens, e acabou sendo morta com golpescbet indiabaioneta", relata o pesquisador Rezzutti.
"[A freira] agiucbet indiamaneira a resguardar a integridade das freiras, colocando-se diante dos soldados portugueses que queriam invadir a clausura, e acabou morta por eles", diz ainda o pesquisador. "A ação dela eracbet indiaproteger o convento, as noviças e outras irmãs, não tinha qualquer ligação com a causa entre portugueses e brasileiros."
Mesmo assim, Rezzutti ressalta que ela "é considerada a primeira heroína da independência" e é "pouco lembrada por isso".
Narrativas da época registram que ela teria enfrentado as tropas dizendo: "Para trás, bandidos! Respeitem a casacbet indiaDeus! Recuem: só conseguirão penetrar nesta casa passando por cima do meu cadáver!" Mas hoje se acredita que esses dizeres tenham sido inventados postumamente para ilustrar o seu martírio.
Para o historiador Guerra Filho, o gestocbet indiaJoana pode ter sido imbuídocbet indiavalores católicos e tambémcbet indiaum conhecimento do contexto político. "Eu acredito que ela praticou a defesa da religião, ou seja, protegendo o claustro como um local, dentrocbet indiaum convento feminino,cbet indiaque homens não podem entrar. Mas não desprezo que ela tivesse também a percepção das injustiças, da opressão portuguesa, algo que era muito comum à época."
Como era uma religiosa baiana, não havia como ignorar esse contexto. "Era uma percepção daquele período: a das diferenças entre os nascidoscbet indiaPortugal, os portugueses da Europa, e os portugueses nascidos no Brasil", complementa o historiador. "Nesse processo, a ação dela durante uma disputa entre soldados portugueses e soldados baianos foi incorporada pela historiografia baiana como um ato patriótico."
"Não temos como dizer com certeza o que se passava na cabeça da freira, mas é possível dizer que ela estava defendendo o claustro e, ao mesmo tempo, entendendo que os portugueses exerciam uma forçacbet indiaopressão colonial, uma opressão contra os baianos", avalia ele.
Missiato lembra que o fatocbet indiaela ter sido uma religiosa, "em uma sociedade hegemonicamente católica", onde "a defesa das instituições católicas sempre se fez muito presente" deu dimensões mais reluzentes ao episódio.
"E os portugueses foram extremamente violentos na entrada do convento. A mortecbet indiaJoana Angélica acabou gerando uma comoção popular na Bahia", afirma ele. "Mesmo que [o episódio] tenha sido exaltado posteriormente como um casocbet indiaidentificação nacional, o que ocorreu no calor do momento foi importante. Ela teve um papel importante, para a historiografia, no processocbet indiaindependência."
Quem foi
Joana Angélica eracbet indiauma famíliacbet indiaricos aristocratascbet indiaSalvador. Conta-se que desde muito cedo manifestava inclinação pela vida religiosa e seus pais, José Tavarescbet indiaAlmeida e Catarina Maria da Silva, nunca se opuseram a isso — pelo contrário, apoiaram a menina.
Segundo informações da Arquidiocesecbet indiaSalvador, ela foi aceita aos 20 anos como noviça no Convento Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Tornou-se irmã consagrada no ano seguinte.
A biografia disponibilizada pela Arquidiocese ainda atesta que ela era "estimada pelos m oradores da capital baiana pelos conhecimentos que detinha". Ela foi designada abadessa — cargo máximo do convento — por duas vezes. Primeiro,cbet india1815 a 1817. Depois,cbet india1821 até seu assassinato.
Há tempos setores da Igreja defendem que Joana Angélica pode ser reconhecida como beata — e, posteriormente, como santa. Secbet indiamorte for entendida oficialmente pelo Vaticano como um martíriocbet indiadefesa da fé, nem a comprovaçãocbet indiamilagres seria necessária.
De acordo com a Arquidiocesecbet indiaSalvador,cbet india2001 foi solicitada "a inclusão da pesquisacbet indiadocumentos comprobatórios" do martírio dela "para que se tornasse possível o processo canônico da beatificação da citada freira".
Os trabalhos consistiramcbet indiapente-finoscbet indiaarquivos como o do Estado da Bahia, da Cúria Metropolitana ecbet indiaconventos e mosteiros. Considerado insuficiente, o processo avançou por outros acervos. A partircbet indiaentão, o dossiê passou a incluir documentos do Museu Paulista da Universidadecbet indiaSão Paulo, do arquivo do Mosteiro da Luzcbet indiaSão Paulo, da Biblioteca Nacional, do Museu Histórico Nacional e do Arquivo Nacional, entre outras instituições brasileiras.
Pesquisadores também buscaram materiaiscbet indiaPortugal, com consultas ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, à Biblioteca Nacional e ao acervo da Universidadecbet indiaCoimbra.
"Atualmente, há uma equipe escrevendo sobre a biografia dela para dar respaldo a um processocbet indiabeatificação", conta Guerra Filho.
Procurada pela reportagem, a Arquidiocesecbet indiaSalvador não respondeu sobre o status atual dos trâmites que podem levar Joana Angélica à chamada "glória dos altares". A assessoriacbet indiacomunicação da instituição limitou-se a informar que uma missa especial deve ser celebrada neste domingocbet indiamemória ao bicentenário do martírio dela.
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