Como a Suíça derrotou uso descontroladoheroína facilitando acesso à droga nos anos 1990:

Viciadosheroína caminham pelos trilhos da Letten Station, estação ferroviária abandonadaZurique, na Suíça

Crédito, Getty Images

Na década1990, a Suíça decidiu combater uma das piores epidemiasdrogas da Europa testando uma política radical e controversa — que incluía oferecer heroína pura e salasconsumo para dependentes.

A nova estratégia reduziu drasticamente o númerooverdoses,infecções por HIV, vírus causador da Aids, enovos usuários.

Em entrevista ao jornalista Zak Brophy, do programarádio Witness da BBC, o médico suíço Andre Seidenberg, que trabalhou com dependentes químicos por décadas, e a ex-presidente Ruth Dreifuss, que fez campanha pela mudança na política pública do país, contam como a Suíça derrotou o uso descontroladoheroína facilitando acesso à droga nos anos 1990.

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"Eu experimentei quase todas as drogas, meus amigos tiveram problemas sérios com droga. Felizmente eu escapei... Comecei a estudar medicina e meus pacientes, às vezes, acabavam sendo velhos amigos."

A declaração é do médico Andre Seidenberg, hoje aposentado, que trabalhou ajudando usuáriosdrogas na Suíça desde os anos 1970.

Naquela época, o país vivia uma grande epidemiaheroína. O governo respondia com repressão policial e tratamentos focados apenas na abstinência. Mas a estratégia não estava funcionando.

A situação ficou tão foracontrole que, no final dos anos 1980, alguns governos locais decidiram tolerar o consumodrogasdeterminados espaços públicos, como parques, numa tentativarecuperar algum tipocontrole.

Estes lugares ficaram conhecidos needle parks (parques das agulhas,tradução literal) — e o Platzspitz Park,Zurique, era um dos mais famosos.

"Primeiro eram algumas centenas, depois alguns milhares todos os dias, se drogando, vagando por ali, traficando todo tipo droga. Torno-se uma cena realmente horrível, com muito HIV, e pessoas morrendo lá mesmo."

Consumoheroína no Parque PlatzspitzZurique

Crédito, Romano Cagnoni/Getty Images

Legenda da foto, Registro do consumodrogas a céu aberto1989 no Platzspitz ParkZurique

"Elas morriam no parque ou nas proximidades,qualquer esquina. Era uma desgraça", conta o médico.

Seidenberg fazia parte da crescente comunidadeprofissionaissaúde da linhafrente que desafiava a política oficial. Eles começaram a oferecer aos dependentes acesso a abrigos e serviços médicos, alémagulhas esterilizadas.

Esta última iniciativa foi particularmente vital quando o HIV, vírus causador da Aids, começou a se espalhar na década1980.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a Suíça tinha a maior taxainfecção por HIV na Europa Ocidental,parte devido ao compartilhamentoseringas para injetar drogas.

Este era o lado sombriouma das sociedades mais ricas do mundo — mergulhadauma crise que aparentemente não fazia distinçãoclasses.

"No needle park, você podia encontrar qualquer tipopessoa, gente rica e pobre, pessoas completamente desesperadas e quase morrendo ou morrendofato. E você também via pessoas ricas e saudáveis, ​​que trabalhavamum banco durante o dia, mas compravam heroína."

Para Seidenberg, estava claro que a política vigente não estava funcionando.

"O filhoum amigo meu morreuoverdose depoisdois anosluta para se tornar abstinente", lembra.

"Então esta é minha experiência pessoal, realmente falhamos, falhamos no tratamento, falhamos na prevenção. E estávamos impotentes diante dos danos produzidos pelo consumo."

Quando a ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss se tornou ministra da Saúde no início da década1990, as vozesreformistas como Seidenberg estavam chamando cada vez mais a atenção dos formuladorespolíticas públicas. E ela própria apoiou a nova abordagem.

"Estava claro que eu, como ministra federal da saúde e responsável pela implementação da leientorpecentes, tinha que facilitar a inovação na prática", diz elaentrevista ao programa Witness da BBC.

Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça

Crédito, Andrew Burton/Getty Images

Legenda da foto, Ruth Dreifuss hoje faz parte da Comissão GlobalPolíticas sobre Drogas

"Aqueles que tinham realmente uma forte conexão com a população diziam que tínhamos que experimentar novas maneiras. Não era possível continuar como fazíamos no passado."

Em 1991, o governo suíço elaborou então uma nova política nacional, que combinava uma linha durarelação à criminalidade e uma abordagemsaúde pública para os dependentes — ficou conhecida como "estratégia dos quatro pilares".

Um dos pilares era a aplicação da lei. Mas os outros três — prevenção, reduçãodanos e tratamento — se baseavamtratar os usuáriosdrogasforma mais humana.

No entanto, a Suíça é uma federação altamente descentralizada, na qual as decisões são frequentemente tomadas por meioreferendos.

Cada região ou cidade teve então que ser convencida a experimentar algumas das novas ideiaspolítica pública.

"Fui atuantetoda essa campanha, indonorte a sul, leste a oeste, no meu país para explicar por que estávamos fazendo isso, quais eram os resultados e a responsabilidade da populaçãosuperar a estigmatização dos usuáriosdrogas e considerar aqueles que são dependentes como pessoas com uma doença que precisa ser cuidada", lembra Dreifuss.

Um dos elementos mais controversos do plano era testar o que ficou conhecido como tratamento assistido com heroína (HAT, na siglainglês).

Policial observa grupousuáriosheroína na Letten Station, estação ferroviária abandonadaZurique, Suíça

Crédito, Pascal Le Segretain/Sygma via Getty Images

Legenda da foto, O consumodrogas chegou a ser toleradodeterminados espaços, como na Letten Station, estação ferroviária abandonadaZurique

Consistiaoferecer aos dependentes heroína pura sob prescrição médica, a ser injetada com segurançaclínicas especializadas. Desta forma, eles parariamcomprar drogas contaminadas no mercado clandestino.

A primeira clínica do tipo foi inaugurada na Suíça1994. Os pacientes precisavam preencher critérios rigorosos, como não ter respondido a outros tratamentos.

Além da terapia, eles também recebiam ajuda com emprego e moradia.

O programa HAT foi concebido como uma investigação científica, e os resultados preliminares pareciam promissores. Mas a oposição permaneceu fortealgumas partes da Suíça. Os críticos da proposta afirmavam que receitar heroína para os viciados poderia influenciar os jovens, alémprejudicar os próprios dependentes químicos.

Com o tempo, no entanto, os dados começaram a ser mostrar conclusivos.

Graças aos testes do tratamento assistido com heroína e a outros programas — como a ampliação do usometadona (usada na desintoxicaçãoheroína) —, o númerooverdoses fatais no país caiu pela metade entre 1991 e 2010.

Ao mesmo tempo, as infecções por HIV foram reduzidas65%, e a quantidadenovos usuáriosheroína caiu 80%.

"De certa forma, é algo para se orgulhar quando você consegue algo depoisvários anosluta e trabalho", diz Seidenberg. "Mas o principal é que as pessoas voltaram a ter saúde, começaram a pensarnormalizar suas vidas e conseguiram - pelo menos mais da metade conseguiu - realmente uma vida normal. E as pessoas não estavam morrendo", avalia.

Mas o teste final do projeto foi político. Em 2008, a Suíça realizou um referendo nacional,que 68% da população votou pela incorporação permanente da política dos quatro pilares à lei federal.

Foi uma longa jornadaconstruçãoconsenso político, mas para a ex-presidente Ruth Dreifuss valeu a pena.

"A experiência mais positiva que um líder político pode ter é dizer que ajudou a salvar vidas. E foi este o caso."

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