'Como fizeram um minicérebro com um pedaço do meu braço':liga brasil bet

Crédito, Philip Ball

Legenda da foto, O minicérebro do jornalista Phil Ball

A seguir, confira a entrevista que a BBC News Mundo, serviçoliga brasil betespanhol da BBC, fez com Ball sobreliga brasil betnova obra.

liga brasil bet BBC News Mundo - Como você acabou vendo um minicérebro seuliga brasil betuma placaliga brasil betlaboratório?

liga brasil bet Philip Ball - Certamente não é algo que eu esperava ver, mas aconteceu porque eu estava envolvidoliga brasil betum projeto com pessoas da University College of London (UCL) chamado "created out of mind" ("criado fora da mente",liga brasil bettradução livre), que pesquisava sobre a demência, quais são as atitudes sociaisliga brasil betrelação a ela, como trabalhar com pessoas que sofrem desta condição, usando especialmente artes criativas.

Fui convidado para fazer parte da equipe, e uma pequena parte desse projeto envolvia algo que chamamosliga brasil bet"cérebros no prato", uma pequena colaboração com neurocirurgiões da UCL que criam minicérebrosliga brasil betpessoas que têm predisposições genéticas a manifestações precocesliga brasil betAlzheimer.

O que se espera ao cultivar minicérebros é um dia ser capazliga brasil betentender o que háliga brasil beterrado com o cérebro adulto quando ele começa a desenvolver Alzheimer.

Achamos que seria interessante registrar como eu e outra pessoa envolvida no projeto — um artista chamado Charlie Murphy — reagiríamos ao ver um segundo cérebro nosso sendo criadoliga brasil betuma placa.

Nós dois fizemos isso, o que significa que um pedaço do nosso braço (uma biópsialiga brasil betpele, na verdade) foi tirado e cultivado como células-troncoliga brasil betlaboratório. E, a partir das células-tronco, foi possível fazê-las crescer como neurônios, que se organizaram por si só no que chamamosliga brasil betminicérebro ou "organoide cerebral".

Crédito, Philip Ball

Legenda da foto, Ball é um dos jornalistas científicos mais renomados do Reino Unido

É pequeno, um tecido do tamanholiga brasil betuma lentilha, mas começa a adquirir as característicasliga brasil betum cérebro. As células começam a se organizar da mesma maneira que fazem no cérebroliga brasil betum embriãoliga brasil betdesenvolvimento.

Demorou cercaliga brasil betseis meses para que as células da pele que foram coletadas do meu braço se transformassemliga brasil betum organoide cerebral.

liga brasil bet BBC News Mundo - Fascinante. Toda a primeira parte do seu livro é uma jornada sobre como os cientistas tentaram entender as células e manipulá-las...

liga brasil bet Ball - Uma das coisas que eu queria fazer com este livro é restabelecer a célula no núcleo da vida, particularmente no centro da vida humana. Porque acho que nas últimas décadas tem havido uma tendêncialiga brasil betfocar nos genes como o que nos torna quem somos.

Mas os genes não estão vivos. Os genes estão mais abaixo na escala do que realmente é vida. A unidade fundamental da vida é a célula. E meu livro explora como nos últimos 10 ou 12 anos descobrimos que nossas células são muito mais versáteis do que pensávamos.

Que é possível pegar uma célula madura (como uma célula da peleliga brasil betum adulto) e voltar no tempoliga brasil betmaneira que vire uma célula-tronco, ou seja, o tipoliga brasil betcélula que você encontraliga brasil betembriões muito prematuros, e que pode crescer novamente até se tornar qualquer tecido do corpo.

Você pode induzir essa célula a ser um neurônio, uma célula do fígado ou do coração... Desta forma, você também pode estudar cientificamente como acontece o desenvolvimento [de um órgão], mas também pode usá-las para gerar novos tecidos que podem ser utilizados na biomedicina, para reimplantá-los no corpo.

liga brasil bet BBC News Mundo - Algo que me fascinou no seu livro foi a definição do ser humano: "uma comunidadeliga brasil betcélulas". E não apenas os humanos: todos os seres vivos.

liga brasil bet Ball - Na escola, obviamente aprendemos sobre as células, mas como se fossem os tijolos do nosso corpo, só que cada uma delas é uma entidade viva, e é o que mais me surpreendeuliga brasil bettodo esse processoliga brasil better uma pequena parteliga brasil betmim não só vivaliga brasil betuma placaliga brasil betlaboratório, mas crescendo para se transformarliga brasil betalgo que se assemelha a um órgão.

Na verdade, alguns cientistas estão levando isso mais além. Não só é possível cultivar qualquer tipoliga brasil bettecido e órgãoliga brasil betminiatura, como também é possível reprogramar nossas células para se tornarem células reprodutivas, espermatozoides e óvulos, e — a princípio — a partir deles, é possível fazer crescer outro ser.

Qualquer parteliga brasil betnós pode potencialmente se tornar outro ser. Me confrontar com isso fez mudar minha visão sobre quem somos e do que somos feitos.

O que consideramos ser nossos limites como indivíduo único se tornam menos claros quando começamos a ver as coisas dessa maneira. Potencialmente, dentroliga brasil betnós, há milhõesliga brasil betindivíduos.

E estou falando apenas sobre nossas próprias células. No livro, também falo sobre como estamos repletosliga brasil betcélulas bacterianas...

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As células são objetoliga brasil betfascínio para o homem há séculos. Na imagem, a ilustraçãoliga brasil betcélulasliga brasil betum livro publicadoliga brasil bet1905

liga brasil bet BBC News Mundo - Um dos tópicos do seu livro é uma advertência para não oferecer uma narrativa, um propósito, ao que as células fazem...

liga brasil bet Ball - Sim. Nósliga brasil betnossas vidas dependemosliga brasil betnarrativas. Gostamosliga brasil betcriar histórias para dar sentido ao que aconteceliga brasil betnossas vidas.

Na ciência, usamos narrativas e metáforas para entender conceitos científicos, mas acho que na biologia humanaliga brasil betparticular, foram desenvolvidas narrativas muito fortes sobre como a vida se desenvolve.

Uma deles, que ganhou força nos últimos anos, é que somos nossos genes. Que eles são o manualliga brasil betinstrução. E atrelada a ela, está a narrativaliga brasil betque os genes sãoliga brasil betalguma forma "egoístas", que só se preocupam com eles e que somos os veículos que os genes usam para se propagar.

Esta é uma narrativa, não é algo que a ciência nos diga, mas é uma formaliga brasil betentender o que a ciência nos diz. É apenas uma das muitas narrativas possíveis.

O que quero que as pessoas percebam é que essas narrativas não são neutras. Pensar nos genes como "egoístas" não é algo que a biologia nos obrigue a dizer, é uma maneiraliga brasil bettentar entender.

Mas, por meio dessas narrativas, estamos dando sentido à natureza. Expressamos, por exemplo, que a natureza é implacável.

Também há narrativas sobre como nós, seres humanos, somos concebidos: a narrativaliga brasil betque os espermatozoides nadam bravamente até encontrar o óvulo, que está ali pacientemente à espera para ser fecundado...

É tudo muito estereotipado. Utiliza estereótiposliga brasil betgênero. Essa, por exemplo, é uma narrativa que não reflete o que acontece biologicamente.

Por isso, no meu livro peço para estarem atentos a essas narrativas e questioná-las, porque também as utilizo.

liga brasil bet BBC News Mundo - Outra parte do seu livro — e que fornece alguns exemplos extraordinários — é como essas narrativas também são marcadas pelos acontecimentos da época...

liga brasil bet Ball - Acho que isso é algo extremamente importanteliga brasil bettoda a ciência. E é algo que esquecemos.

Acreditamos que a ciência é algo puramente objetivo e livreliga brasil betinfluências sociais e políticas. Acho que qualquer historiadorliga brasil betciências sabe que isso não é verdade.

Quando pesquisei sobre o desenvolvimento da teoria celular e dos germes no século 19, vi que isso aconteceuliga brasil betum contexto altamente politizado.

Rudolf Virchow, o cientista alemão que desenvolveu muitas dessas teorias, que entendeu que os organismos se desenvolviam a partirliga brasil betcélulas que se multiplicavam, era político, e para ele tudo isso era uma metáforaliga brasil betcomo a sociedade funcionava: que estamos conectados e somos responsáveis pelos outros.

Legenda da foto, Em seu livro, Ball narra a aventura científica e pessoalliga brasil betver seu minicérebro crescer

Quando começou a se teorizar sobre os germes — principalmente por meio do trabalholiga brasil betLouis Pasteur e Robert Koch —, também havia um aspecto político, pois antes se acreditava que as doenças chegavam pelo ar ou por miasmasliga brasil betum lugar específico.

Os germes se tornaram o "inimigo invisível" e podiam ser transmitidos por outros indivíduos. Então, outras pessoas se tornaram o problema, especialmente aquelas que vinhamliga brasil betfora daliga brasil betcomunidade.

Essa era a conotação. E é incrível como essas crenças continuam aparecendo. Vimos como a covid-19 foi usada por razões políticas. Essa ideialiga brasil betque se fecharmos nossas fronteiras, manteremos os estrangeiros com suas doenças do ladoliga brasil betfora.

Precisamos realmente estar atentos a essa misturaliga brasil betpolítica e ciência.

liga brasil bet BBC News Mundo - Voltando à parte científica, outra parte do seu livro é sobre como cultivar células fora do corpo humano, e depois você fala, como já mencionou, da possibilidade extraordinárialiga brasil bet"reprogramar" uma célula, algo que foi feito por um professor japonês...

liga brasil bet Ball - Acho que é um dos marcos científicos mais extraordinários da última metade do século, pelo menos desde a descoberta do DNA nos anos 1950.

Foi um feito do biólogo japonês Shinya Yamanaka, que ganhou o Prêmio Nobel por isso. Antesliga brasil betsuas descobertasliga brasil bet2005/06, a ideia geral era que nossas células começavam como células-tronco no embrião e gradualmente se especializavamliga brasil betcélulas renais ou hepáticas.

Yamanaka mostrou que era possível reverter essa especialização eliga brasil betuma forma surpreendentemente fácil: células maduras podem ser reprogramadas adicionando-se apenas quatro genes a elas, usando um vírus (inativado) como veículo.

Esses genes "convencem" essas célulasliga brasil betque não sãoliga brasil betpele, digamos, mas sim que são novamente células-tronco. E podem então ser reprogramadasliga brasil betqualquer outro tipoliga brasil bettecido.

É muito fácil fazer isso com os neurônios, quase um estado "padrão" para as células-tronco. Então foi muito fácil cultivar meu minicérebro.

Agora os cientistas estão pesquisando como fazer isso não apenasliga brasil betuma placaliga brasil betlaboratório, mas dentro do corpo. Desta forma, tecidos como os do coração ou até mesmo do cérebro poderiam ser reparados.

Crédito, AFP

Legenda da foto, O professor Shinya Yamanaka ganhou o Prêmio Nobelliga brasil betMedicinaliga brasil bet2012

liga brasil bet BBC News Mundo - Isso está no fim do seu livro, como levar todos esses avançosliga brasil betvolta ao corpo humano, para reprogramar células e, até mesmo, criar órgãos. Isso pode trazer benefícios enormes...

liga brasil bet Ball - Sim, esses organoides que crescem fora do corpo são um recurso fantástico para pesquisas médicas, porque significa que você pode estudar um cérebro ou um coração (algo que não seria ético fazerliga brasil betum paciente).

Por exemplo, agora está sendo usado para estudar como a covid-19 pode ter efeitos não apenas nos pulmões, mas também neurológicos.

Mas se pudermos fazer isso com segurança dentro do corpo — já foi feitoliga brasil betalguns animais — será a maneiraliga brasil betreparar tecidos nervosos lesionados, por exemplo, na coluna vertebral.

Portanto, pessoas que ficaram paralisadas devido a uma lesão, poderiam ter seus tecidos reparados, e há sinaisliga brasil betque poderiam se mover novamente.

O mesmo com o coração. Hoje é possível cultivar tecidos fora do corpo, mas é muito difícil reintegrá-los e fazê-los baterliga brasil betuníssono com o coração. Mas se crescerem diretamente no órgão, isso seria possível.

Devo acrescentar que, por enquanto, isso não é isentoliga brasil betriscos. Por exemplo, se reprogramarmos as células para reconvertê-lasliga brasil betcélulas-tronco, há o perigoliga brasil betque se tornem cancerígenas.

É algoliga brasil betque uma célula pode se converter muito facilmente, se não for controlada adequadamente.

liga brasil bet BBC News Mundo - Mas há outros problemas, certo? Questões éticas. É como abrir uma caixaliga brasil betPandora. O que você considera o maior problema ético nesse tipoliga brasil betpesquisa?

liga brasil bet Ball - Para começar, você precisa ter certezaliga brasil betque esses tratamentos vão ser seguros (como acontece com qualquer tratamento novo).

Reprogramar células assim,liga brasil betparticular para cérebros, traz suas próprias questões éticas. Se melhorarmos a maneira como esses minicérebros são cultivados e conseguirmos fazê-los crescer mais (no momento há um limite, porque eles não recebem sangue), chegaremos num pontoliga brasil betque devemos nos perguntar: O que está acontecendo dentro desse cérebro? Existe algum tipoliga brasil betsensibilidade ou sensação?

É muito difícil saber, inclusive, o que isso significa para um cérebro isolado, porque os cérebros crescemliga brasil betcorpos, conectados a neurônios sensoriais.

Portanto, é uma pergunta que devemos nos fazer. E se houver algum tipoliga brasil betsensibilidade, devemos nos perguntar qual deve ser nossa resposta ética diante disso.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os tecidos resultantes dessas técnicas podem ser usados para testar, por exemplo, efeitosliga brasil betdrogas, sem a necessidadeliga brasil betrecorrer a animais

liga brasil bet BBC News Mundo - Você também pode se perguntar se existe algum tipoliga brasil betconsciência...

liga brasil bet Ball - Absolutamente. Não sabemos o que é consciência, sabemos que parece atingir certas partesliga brasil betnossos cérebros — e possivelmenteliga brasil betmuitos animais. Se o cérebro que está sendo cultivado começar a desenvolver essas partes, algo como a consciência começará a aparece ...

E isso pode ir mais alémliga brasil bettermos éticos, porque há discussões e pesquisas sobre o cultivoliga brasil betórgãos humanos dentroliga brasil betanimais, como porcos ou vacas.

A ideia é que um órgão humano completo possa ser cultivado nesses animais e usado para transplantes. Como sabemos, a escassezliga brasil betórgãos para transplante é um problema enorme, então existe uma necessidade.

Mas há muitas questões éticas,liga brasil betprimeiro lugar, sobre o bem-estar do animal. Ou como o paciente vai se sentir quando souber que vai receber um órgão que cresceuliga brasil betum animal.

E se você começar a contemplar a ideialiga brasil betfazer isso com o cérebro, então... imagina. Parece algoliga brasil betficção científica, mas a princípio não há razão para pensar que não seja possível.

liga brasil bet BBC News Mundo - Em seu livro, você dá exatamente esse exemplo: cultivar e desenvolver um cérebro humano dentroliga brasil betum porco.

liga brasil bet Ball - Alguns anos atrás, eu estavaliga brasil betuma conferência sobre a ética da criaçãoliga brasil betorganoides cerebrais, e fiquei surpreso ao ouvir que alguns dos melhores especialistas neste campo falam como se não houvesse razão para que isso não fosse possível.

Ninguém está pensandoliga brasil betfazer isso, não há uma boa razão para fazer isso, mas o fatoliga brasil betque é possível fazer, é alucinante. E nos dá a responsabilidadeliga brasil betpensar sobre tudo o que isso significaria a nível ético.

liga brasil bet BBC News Mundo - Você também escreveu sobre como tudo isso desafia até mesmo nossa noçãoliga brasil betidentidade... e o que você sentiu quando viu seu minicérebro na placa.

liga brasil bet Ball - Sim, é difícil imaginar um desafio maior ao nosso sensoliga brasil betidentidade do que ver uma parteliga brasil betcrescendo para se converterliga brasil betalgo, uma entidade biológica... Não é um organismo, mas tampouco é apenas uma massaliga brasil betcélulas.

Isso me fez pensar sobre onde realmente estão os limites da minha individualidade. Se considerarmos a possibilidadeliga brasil betcultivar espermatozóides e óvulos dessa forma... Em certo sentido, é "clonagem", mas não como conhecemos.

Esta tecnologia desafia a noçãoliga brasil betque nossa individualidade terminaliga brasil betnossa pele... A ideialiga brasil betaceitar que somos uma comunidadeliga brasil betcélulas, e que cada célula é algo autônomo que pode crescer até se tornar algo diferente... Isso também desafia nossa noção do que é um indivíduo.

Na verdade, a biologia não tem uma boa definição do que é um indivíduo. Certamente não é definidoliga brasil bettermos genéticos porque nossos corpos dependemliga brasil betuma infinidadeliga brasil betmicroorganismos que não são humanos (como as bactériasliga brasil betnossos intestinos), sem os quais não duraríamos muito.

Não é realmente claro como definir um indivíduo biológica e cientificamente.

liga brasil bet BBC News Mundo - O que aconteceu com seu minicérebro? Teve um fim?

liga brasil bet Ball - Sim, porque no final os pesquisadores precisaramliga brasil bet"fatias" dele para fazer imagens. Então ele está morto.

Eu me perguntava: O que vou sentir por ele? Que é meu? Vou me sentir responsável por ele? E eu não senti exatamente isso. A verdade é que não senti nenhum tipoliga brasil betapreensão por permitir que ele fosse "morto", se é que se pode dizer isso, mas tampouco senti como se tivessem cortado uma unha minha. Foi claramente mais do que isso.

Mas foram cultivadas várias células a partir do meu pedacinholiga brasil betpele, e algumas delas ainda estão congeladas nos laboratórios da UCL e podem um dia ser descongeladas e voltar a ser cultivadasliga brasil betum minicérebro ou outro tipoliga brasil bettecido. Portanto, não é o fim da história para minhas células.

*Esta entrevista faz parte da edição digital do Hay Festival Arequipa 2020, encontroliga brasil betescritores e pensadores realizadoliga brasil bet28liga brasil betoutubro a 8liga brasil betnovembro na cidade peruana.

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