Uso desenfreadofc 178 online casinoantibióticos na pandemia pode levar a 'apagão' contra bactérias resistentes:fc 178 online casino

Ilustração mostra homem e mulher com escudos, tentando se protegerfc 178 online casinoícones representando coronavírus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Antibióticos foram muito usados no tratamento para covid-19 para evitar coinfecçõesfc 178 online casinobactérias e fungos — mesmo que estas não tenham sido constatadas

Muitos problemas comunsfc 178 online casinosaúde, como pneumonia e infecção urinária, já têm seus tratamentos dificultados por conta da resistência. Há também condiçõesfc 178 online casinosaúde mais graves afetadas pelo problema, como a tuberculose multirresistente (com resistência a pelo menos dois antibióticos, isoniazida e rifampicina).

Mas inúmeros estudos pelo mundo têm mostrado que, mesmo sem eficácia e necessidade comprovadas para combater a covid-19, antibióticos foram amplamente usados durante a pandemia — e a "conta" poderá ser cobrada nos próximos anos com uma resistência microbiana ainda mais aumentada.

"Já tínhamos o problema da resistência microbiana antes. Em virtude da covid-19, muitos antibióticos foram receitados. Em um futuro não muito distante vamos ter um problema mais sério do que já teríamos", resume Victor Augustus Marin, professor da Universidade Federal do Estado do Riofc 178 online casinoJaneiro (Unirio) e pesquisador na áreafc 178 online casinobiologia molecular.

"Vamos ver efeitos daqui a seis meses, daqui a um ou dois anos, quando pacientes com outras doenças chegarem ao hospital. O médico vai prescrever um antibiótico que pode não funcionar naquele paciente, ou vai aumentar a resistência (de micro-organismos presentes no grupo da pessoa)", prevê Marin, responsável pelo Laboratóriofc 178 online casinoControle Microbiológicofc 178 online casinoAlimentos da Escolafc 178 online casinoNutrição (Lacomen) da universidade.

Preocupada com esse futuro, a OMS publicoufc 178 online casinomaio um guia para tratamentofc 178 online casinocovid-19 que, entre outros pontos, recomendou expressamente a não utilização dos antibióticos no tratamento da nova doençafc 178 online casinocasos suspeitos ou leves. Mesmo para casos moderados, a entidade indicou que o uso só deve ser feito após indíciosfc 178 online casinouma infecção bacteriana.

"O uso generalizadofc 178 online casinoantibióticos deve ser desencorajado, uma vez quefc 178 online casinoaplicação pode levar a taxas maioresfc 178 online casinoresistência bacteriana, o que vai impactar o volumefc 178 online casinodoenças e mortes durante a pandemiafc 178 online casinocovid-19 e além", diz o documento da OMS.

Médico do Hospital Sírio-Libanês,fc 178 online casinoSão Paulo, Luciano Cesar Pontesfc 178 online casinoAzevedo explica que o que se observa nos hospitais e tem sido documentadofc 178 online casinopesquisas científicas pelo mundo é o usofc 178 online casinoantibióticos com a justificativa nãofc 178 online casinotratar a infecção causada pelo coronavírus diretamente — mas sim uma eventual infecção concomitante por alguma bactéria.

"Isso (usofc 178 online casinoantibióticos no tratamentofc 178 online casinocovid-19) vem muito do fatofc 178 online casinoque é uma doença nova, e ninguém conhecia a taxafc 178 online casinocoinfecção (por bactérias). Para influenza, a gripe comum, pode ter coinfecçãofc 178 online casino30 a 40% dos casos. Para covid-19, estudos têm sugeridofc 178 online casino5 a 7,5%fc 178 online casinocoinfecção", explica Azevedo, que trabalha com medicina intensiva e medicinafc 178 online casinoemergência e tem doutorado pela Universidadefc 178 online casinoSão Paulo (USP) e pós-doutorado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).

"Quando se sabe que a taxafc 178 online casinocoinfecção é baixa, não precisa passar antibiótico para todo mundo com covid — como quem estáfc 178 online casinoambulatório, ou se tratandofc 178 online casinocasa."

A condutafc 178 online casinomédicos e hospitais deve ser receitar antibióticos apenas após uma infecção por bactérias ou fungos realmente ser constatada, preferencialmente por examefc 178 online casinocultura bacteriana e ainda exames que permitem detectar genesfc 178 online casinoresistência a certos antibióticos.

Diversas pesquisas mostram que essa prudência não foi adotada por muitos profissionais e hospitais.

Um estudo envolvendo 38 hospitais do Estadofc 178 online casinoMichigan, nos Estados Unidos, mostrou que 56,6%fc 178 online casino1.705 pacientes hospitalizados com covid-19 logo receberam antibióticos como terapia "empírica" — quando não há identificaçãofc 178 online casinoqual bactéria ou fungo está causando infecção. Dessas pessoas, apenas 3,5% tiveram uma coinfecção bacteriana confirmada por exames.

Outro estudo, com dadosfc 178 online casino99 pacientes tratados no hospital Jinyintanfc 178 online casinoWuhan (cidade chinesa onde começou a pandemia), mostrou que 71% deles receberam antibióticos, mas apenas 1% teve coinfecção por bactéria constatada por exames e 4% por fungos.

Com respostasfc 178 online casino166 médicosfc 178 online casino23 países, outra pesquisa constatou que apenas 29% dos profissionais escolheram não receitar antibióticos para pacientes com covid-19 hospitalizadosfc 178 online casinoleitos (menos graves do que aqueles na UTI).

Já na UTI, o antibiótico mais prescrito foi a associação piperacilina/tazobactama. Esta combinação é um antibiótico do tipo inibidorfc 178 online casinobeta-lactamase, uma classe incluída pela OMS na categoria mais urgente ("criticamente importante") na busca por medicamentos substitutos que consigam driblar a resistência.

Mão com luva segura vidro sobre o qual se lê: Klebsiella

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Klebsiella pneumoniae faz partefc 178 online casinocategoria 'crítica' das bactérias contra as quais o desenvolvimentofc 178 online casinonovos remédios é mais urgente, segundo lista da OMS

Há diversas pesquisas pelo mundo mostrando que bactérias originalmente alvos deste antibiótico, como a Escherichia coli e a Klebsiella pneumoniae, estão ficando resistentes a ele. Um tipo da Klebsiella pneumoniae, a KPC — sigla para Klebsiella pneumoniae produtorafc 178 online casinocarbapenemase — ficou conhecida como "superbactéria" por produzir uma enzima capazfc 178 online casinocombater os medicamentos mais potentes para tratarfc 178 online casinoinfecções graves, com destaque para os chamados carbapenêmicos.

Na pandemiafc 178 online casinocoronavírus, foi relatado um uso variadofc 178 online casinoantibióticos, incluindo também a moxifloxacina, medicamentos da classe dos carbapenemas, quinolonas, entre outros.

Antibiótico associado à cloroquina

Frascos e pílulasfc 178 online casinoremédios, com rótulos mostrando 'hidroxicloroquina' e 'azitromicina'

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A azitromicina teria utilidade no controle do sistema imunológico, mas estudofc 178 online casinocientistas brasileiros afastoufc 178 online casinoeficácia para covid-19

Enquanto muitos antibióticos foram usados para evitar coinfecções — independentemente se elas existiamfc 178 online casinofato ou não —, houve um antibiótico específico muito usado na pandemia e que teria uma outra função, afc 178 online casinofortalecer o sistema imunológico no combate ao coronavírus.

A azitromicina foi o segundo medicamento mais receitado no tratamento da covid-19 por médicosfc 178 online casinotodo o mundo que participaramfc 178 online casinoum levantamento da Sermo, uma plataforma mundial usada por estes profissionais. O antibiótico foi prescrito por 41% dos 6,2 mil entrevistados contra o novo coronavírus, atrás apenas dos analgésicos.

O médico Luciano Cesar Pontesfc 178 online casinoAzevedo explica que, normalmente, a azitromicina é usada com antibiótico contra infecções bacterianas nas chamadas vias aéreas superiores, como no nariz e na garganta. Entretanto, para algumas doenças, já foi sugerido que o antibiótico poderia ter também efeito anti-inflamatório, controlando uma reação exagerada do sistema imunológico — que, na covid-19, é um dos principais caminhos para quadros mais preocupantes.

Para Azevedo, um grande impulsionador da azitromicina no tratamentofc 178 online casinocoronavírus foi um estudo da França que mostrou o que seriam resultados benéficos da associação deste antibiótico com a hidroxicloroquina, envolvendo cercafc 178 online casino30 pacientes.

Divulgadofc 178 online casinomaio na plataforma medRxiv (em que são postados trabalhos sem a chamada revisão dos pares), o trabalho foi dias depois retirado do ar a pedido dos próprios pesquisadores, com a seguinte justificativa: "Por conta da controvérsia sobre a hidroxicloroquina e da natureza retrospectiva desse estudo, os autores pretendem revisar o manuscrito após a revisão dos pares".

Em setembro, Azevedo fez partefc 178 online casinouma coalizãofc 178 online casinocientistas brasileiros que publicou na prestigiada revista científica Lancet um estudo clínico refutando os benefícios da azitromicina para pacientes graves com covid-19. O mesmo grupofc 178 online casinopesquisadores já tinha afastado antes, com outro trabalho, a utilidade da hidroxicloroquina associada à azitromicina.

Esta faz parte da classe dos macrolídeos, que está na categoriafc 178 online casinomaior urgência na classificação da OMS. A resistência à azitromicina pode afetar o tratamentofc 178 online casinodoenças como otite e gonorreia.

Representando empresas nacionais e internacionais do setor, a Associação da Indústria Farmacêuticafc 178 online casinoPesquisa (Interfarma) respondeu à BBC News Brasil por e-mail que o uso off label (diferente daquele que está documentado na bula)fc 178 online casinomedicamentos é "de inteira responsabilidade do médico, que pode achar necessáriofc 178 online casinoacordo com as necessidades clínicasfc 178 online casinoseu paciente, mesmo sabendo que essa indicação ainda não foi aprovada".

Entretanto, a associação reconheceu também a excepcionalidade da crise sanitária atual, afirmando que "não tendo vacina ou um tratamento eficaz contra a covid-19, alguns protocolos têm adotado o uso off label de antibióticos e outros medicamentos".

A Interfarma não respondeu como avalia o uso empíricofc 178 online casinoantibióticos (sem constatação do micro-organismo causando infecção) e destacou que a OMS "promove o princípio do uso racionalfc 178 online casinomedicamentos, ou seja, que o paciente receba tratamento apropriado para suas necessidades clínicas".

Como uso desenfreadofc 178 online casinoantibióticos para covid-19 teria efeitos negativos, na prática?

Corredorfc 178 online casinohospital

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Aumentofc 178 online casinoresistência microbiana após covid-19 pode ter efeitos individuais, como comunitários —fc 178 online casinohospitais e vizinhanças

Os pesquisadores entrevistados pela reportagem explicam que os efeitos preocupantes do amplo usofc 178 online casinoantibióticos na pandemia poderiam se expressar tanto nos pacientes individualmente como a nível comunitário, comofc 178 online casinohospitais e vizinhanças.

Segundo Victor Augustus Marin, receber um antibiótico sem um diagnóstico preciso pode acabar desestabilizando a comunidadefc 178 online casinomicro-organismos que existe naturalmentefc 178 online casinonosso corpo, como na flora intestinal — formando uma "microbiota".

"Em condições normais, nossa microbiota estáfc 178 online casinosimbiose. Quando você ingere um antibiótico, o que causa? A disbiose: alguns micro-organismos são eliminados, enquanto outros crescem. Crescem aqueles que têm resistência, e antes estavam inibidos pelo resto da microbiota", explica o pesquisador da Unirio.

"Dar um antibiótico sem diagnóstico é como dar um tirofc 178 online casinobazucafc 178 online casinouma mosca — pode até matar a bactéria, mas pode criar resistênciafc 178 online casinooutras que já estavam no organismo (naturalmente). É preciso dar um tirofc 178 online casinochumbinho primeiro para ver se funciona."

Luciano Cesar Pontesfc 178 online casinoAzevedo diz que "com toda a certeza" esse amplo usofc 178 online casinoantibióticos durante a pandemia terá também efeitos mais amplos na população.

"Esses antimicrobianos que estamos usando indiscriminadamente, como a azitromicina e a claritromicina, aumentam na comunidade a chancefc 178 online casinobactérias resistentes, como as que causam pneumonias. Possivelmente, quando chegarem pneumoniasfc 178 online casinocomunidade daqui a dois, três anos, vamos precisar começar usando antibióticos mais fortes", prevê o médico.

Pesquisadores costumam falarfc 178 online casinomicro-organismos resistentes na "comunidade" para quando eles já são detectados fora dos hospitais.

Isso porque, dentro destes ambientes, bactérias e fungos resistentes são particularmente preocupantes.

Usofc 178 online casinoantibióticosfc 178 online casinocasos gravesfc 178 online casinocovid-19

Azevedo acrescenta que, além da coinfecção por uma bactéria ou fungo, existe também a possibilidadefc 178 online casinouma superinfecção.

"É quando,fc 178 online casinouma fase mais tardia da covid-19, o paciente é contaminado por germes hospitalares. Acontece fundamentalmente com pacientesfc 178 online casinoUnidadesfc 178 online casinoTerapia Intensiva (UTI), graves, que já têm um graufc 178 online casinodeficiência do sistema imunológico", explica o médico.

Ainda que um paciente no ambiente hospitalar possa estar sujeito a micro-organismos mais resistentes, Azevedo diz que mesmo assim o usofc 178 online casinoantibióticos deve ser criterioso — sendo precedido por exames e modulado, se possível, para tempos mais curtos.

Uma equipe do Hospital Israelita Albert Einstein,fc 178 online casinoSão Paulo, publicoufc 178 online casinoagosto dados sobre 72 pacientes com covid-19 que foram internadosfc 178 online casinoUTIs ou receberam cuidados intensivos — mostrando que 84,7% deles receberam antibióticos intravenosos durante a internação, sendo o tipofc 178 online casinomedicamento mais usado neste grupofc 178 online casinopacientes.

Infectologista do hospital, Fernando Gatti aponta que, enquanto para pacientes com covid-19fc 178 online casinogeral a coinfecção pode ser menor que 10%, para pacientes mais graves esse percentual sobe para cercafc 178 online casino30%.

"O que acontece? O vírus tem ação inicialmente lesiva no pulmão. As bactérias que fazem parte da colonização do trato respiratório acabam tendo mais facilidade para invadir o tecido pulmonar", explica Gatti.

"A pneumonia pode então ser complicada por uma infecção bacteriana, o que aumenta o tempo na ventilação mecânica, UTI, catéter..."

Assim, ele explica que no Albert Einstein o procedimento para pacientes graves com covid-19 é a administraçãofc 178 online casinoantibióticos venososfc 178 online casino"amplo espectro" (que atingem uma variedadefc 178 online casinopatógenos) mesmo sem exames detalhando uma possível coinfecção por bactéria — a chamada terapia "empírica".

Depois, com os examesfc 178 online casinocultura bacterianafc 178 online casinomãos, a equipe então usa antibióticos mais específicos considerando os micro-organismos e suas resistências.

É um cuidado tomado justamente para evitar a exposição longa a antibióticos que possam acabar fortalecendo as bactérias e fungos.

Luciano Cesar Pontesfc 178 online casinoAzevedo diz que, para pacientes que tiveram quadros mais gravesfc 178 online casinocovid-19, a resistência se torna um problema ainda mais delicado porque doenças crônicas e sequelas podem deixar mais fraco o sistema respiratório — e, assim, mais vulnerável a novas infecções.

Se reconhece que para pacientes graves, a administraçãofc 178 online casinoantibióticos é mais "difícilfc 178 online casinocriticar" pois muitas vezes responde a uma questãofc 178 online casinovida e morte, Azevedo diz que o uso generalizadofc 178 online casinoantibióticos na pandemia mostra que ainda falta adesão a um problema que é na verdade uma ameaça global.

"Acho que a pauta da resistência microbiana não foi incoporada por profissionaisfc 178 online casinosaúde e pelos governos. E se trata tambémfc 178 online casinouma pauta que envolve não só o ambiente hospitalar, mas também a agropecuária", destaca o médico.

Conforme mostrou a BBC News Brasilfc 178 online casino2019, pesquisadores têm mostrado cada vez mais como micro-organismos e resquíciosfc 178 online casinoantibióticos não têm fronteiras — possivelmente se alastrando pelos alimentos, lixo hospitalar, rios e canaisfc 178 online casinoesgotos.

"Infelizmente, a covid-19 não veio para ajudar nisso, pelo contrário", lamenta Azevedo.

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