O mistérioHatshepsut, a faraó 'apagada da história':
Com a profanaçãomonumentos emhomenagem, os sinais mostravam que aquele faraó havia sido amaldiçoado com uma morte sem fim. Mas por quê?
Para os egiptólogos da geraçãoWinlock, a história por trás disto era auma mulher "usurpadora do tipo mais vil" que foi retaliada por um faraó depois da morte dela.
Mas pesquisadores mais recentes têm uma versão mais "final feliz" do que essa.
Arranjos para preservar linhagem real
As estátuas profanadas eramum dos faraós mais bem-sucedidos, influentes e longevos (1479-1458 a.C.) do Egito antigo. Na verdade, se tratavauma mulher — uma das poucas a governar aquela grande civilização, e por um período equiparável ao reinadoCleópatra, que posteriormente governaria por cerca20 anos.
Seu nome era Hatshepsut, que significa "a mais importante das nobres damas". Ela era uma princesa real, filha da rainha Amósis e do rei Tutemés I, um general famoso por lendárias batalhas militares.
O casal não tinha um herdeiro homem, mas havia uma opção aceitável: o príncipe Tutemés, filhouma respeitada rainha secundária.
Para proteger a linhagem real, o rei ordenou que Hatshepsut e o príncipe se casassem. Quando Tutemés I "descansou da vida", os meio-irmãos herdaram o trono.
Entretanto, cercatrês anos após a coroação, Tutemés II adoeceu e morreu, e o único sucessor homem disponível era o filho pequenouma mulhernível mais baixoseu harém.
Embora não fosse incomum que mães assumissem o poder se os faraós fossem muito novos para governar, aTutemés III não tinha preparação para isso.
Então Hatshepsut, a rainha viúva, tornou-se regentenome do seu enteado ou sobrinho.
As imagens da época retratam Tutemés como um faraó adulto — embora na realidade mal tivesse aprendido a andar — ao ladoHatshepsut, que estava na casa dos 20 anos, vestidarainha e com uma postura recatada.
De regente a faraó
Anos depois, por algum motivo desconhecido, Hatshepsut tornou-se faraó.
E aí há uma grande incógnita.
Legalmente, não havia proibição para uma mulher governar o Egito. Embora o faraó ideal fosse um homem — e se possível bonito, atlético, corajoso, piedoso e sábio —, às vezes era tolerado que uma mulher assumisse, assim como mães substituindo filhos pequenos ou rainhas no lugarmaridos ausentes, no campobatalha.
Mas, neste caso, o que aconteceu foi uma regente assumir essa posiçãopoder apesar da existênciaum faraó.
Infelizmente, nos registros existentes, não há nada que explique completamente essa ascensão tão surpreendente.
Arqueólogos do início do século 20 argumentavam que ela era uma mulher vaidosa e ambiciosa que não se contentou com um papel secundário e tirou a coroa da criança que a usava legitimamente. As profanaçõeshomenagens a ela seriam uma reprovação a essa má conduta.
Mas evidências arqueológicas revelam que, na verdade, a maior parte da destruição começou cerca20 anos após a ascensãoTutemés III ao trono, e parte da profanação foi comandada pelo filho deste — quando a maioria daqueles que conviveram com Hatshepsut também tinham morrido.
Ao que tudo indica hoje, a rainha nunca depôs seu enteado, não tirou seu títulofaraó, nem mesmo o escondeu. Nas imagens, eles sempre apareceram lado a lado, às vezes até como gêmeos.
E mais: "a usurpadora do tipo mais vil", como chegou a ser chamada, poderia ter facilmente se livrado do jovem se quisesse, como tantos reis fizeram com rivais ao longo da história. Hatshepsut não só não o matou nem o exilou, como também se certificouque Tutemés III estivesse preparado para o papel ao qual estava destinado.
Ele foi educado como escriba e sacerdote e mais tarde entrou no exército. Quandomadrasta morreu, ele havia já havia chegado ao postocomandante-chefe e participadouma campanha vitoriosa na região do Levante.
O que pode ter surgido foi uma co-regência, ou um reinado conjunto, algo que já havia sido feitodinastias anteriores.
Nesta versão, especialistas sugerem que alguma ameaça à estabilidade do Egito levou Hatshepsut a se declarar rainha — o que pode ter resguardado não só o seu poder, mas o status quotodos os poderosos daquela sociedade.
E ela provavelmente tinha o apoio dos poderosos — do contrário, seu reinado não teria sido tão próspero e pacífico.
Na verdade, seu sucesso é curiosamente uma das possíveis razões pelas quais Tutemés III queria — e podia — desaparecer por um tempo.
Depois, Tutemés III ficou conhecido como um dos grandes faraós do Egito — por direito próprio e, por um período, possivelmente por empréstimo das habilidades e conquistas da madrasta.
'Aquela que sairá vitoriosa'
Imagens e hieróglifos, indicam que Hatshepsut não só assumiu o trono como o fezforma magistral.
Em um reino onde a quase totalidade dos indivíduos não sabia ler, mensagens visuais eram muito importantes — e, para Hatshepsut,imagem sofreu uma metamorfose espetacular.
Nos desenhos e estátuas, ela passou a aparecer com as roupas e acessórios típicosum faraó, desde a coroa perfeita até a barba postiça, considerada um atributo divino dos deuses.
Inclusive, a representaçãoseu corpo tornou-se cada vez mais masculina, aproximando-a do estereótipoum rei.
Porém,intenção era projetar-se como líder, não como homem — prova disso é que suas imagens quase sempre contêm símbolos representando seu verdadeiro gênero, o que inicialmente confundiu os egiptólogos.
Como outros faraós, Hatshepsut foi uma comandante militar, liderando as tropaspelo menos duas ocasiões. Os textos a descrevem como uma conquistadora: "Aquela que sairá vitoriosa, ardendo contra seus inimigos".
No entanto, esse não foi seu papel mais proeminente.
Embora ela tenha defendido as fronteiras, logo após chegar ao trono, seu reinado foi pacífico e reafirmou o poder egípcio com outras armas: a diplomacia e o desenvolvimento do comércio internacional com lugares conhecidos, e outros fabulosos.
Entre eles, nada menos que a misteriosa TerraPunt, um lugar que desapareceu sem deixar vestígios além do que estáinscrições e desenhos. Até hoje, não há certeza sobrelocalização exata — há possibilidades, mas não provas.
O que se sabe é que o lugar existiu, e uma das mais belas provas disso é o retratouma expedição patrocinada por Hatshepsut, na qual seus navios zarparam carregadosvaliosos bens, como miçangas, pulseiras, armasmetal, e voltaram cheiostesouros extraordinários.
Os súditos do faraó que se aglomeraram na costa viram um desfile esplêndidomadeiras preciosas, fragrâncias, anéisouro, pedras semipreciosas, marfim, pelesanimais e penaspássaros, bem como uma coleçãoanimais exóticos, incluindo macacos, panteras e girafas.
Entre todas essas maravilhas, a mais preciosa era a mirra, que os navegantes traziam processada,resina, para ser usadarituais nos templos, na mumificação e na fabricaçãoperfumes.
A própria Hatshepsut usava óleo perfumadomirra empele.
Como se não bastasse, a expedição trouxe 31 árvoresmirra, plantadas nos jardins do templo funerárioDeir El-Bahari, um dos mais belos monumentos da era dinástica.
Rainha deixou suas próprias marcas
Sabemos os detalhes sobre a fabulosa expedição graças a inscrições e imagens gravadas nas paredes deste templo.
Foi lá, aliás, que arqueólogos encontraram pela primeira vez evidências da tentativaapagar Hatshepsut da história.
Um dos indícios dessa tentativa é o fatoque seu nome não constanenhuma das listasreis: depoisTutemés II, vem Tutemés III.
Mas, juntando diferentes vestígios — muitosformamonumentos, embora danificados —, egiptólogos conseguiram recriar parte do reinado dela.
Existem vestígiosHatshepsut não apenasDeir El-Bahari, masmuitas outras construções erguidas durante seu reinado, durante o qual foram levantados e reformados templos e santuários do Sinai à Núbia, como a Capela Vermelha; dois paresobeliscos no complexotemplosKarnak; e o temploPajet, escavado na pedraBeni Hasan.
Ela também deixou centenasestátuassi mesma, bem como seus pensamentos e relatossua história — real ou fantasiada — inscritospedra.
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