'Meu pai foi um dos únicos pretos na escolablaze dice como funcionaMedicina; 32 anos depois, minha formatura foi igual':blaze dice como funciona

Hoje residenteblaze dice como funcionaoftalmologia no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia,blaze dice como funcionaSalvador, Juliana conta que o "pai passou 6 anos praticamente sem dormir" até se tornar a primeira pessoa da família com um curso superior.

"Ele trabalhava a madrugada toda fazendo compensaçãoblaze dice como funcionacheques na Caixa Econômica Federal. De lá, passava o dia inteiro na faculdade, porque o curso é integral.”

Enquanto os cursosblaze dice como funcionauniversidades públicas são tradicionalmente os mais difíceis e disputados do país, as mensalidadesblaze dice como funcionamedicinablaze dice como funcionaescolas privadas — igualmente concorridas — atualmente podem ultrapassar R$ 13 mil mensais.

"Hoje, mesmo com esse esforço, ele nunca conseguiria se formar com o salário que tinha", diz a médica que, diferente do pai, pôde estudarblaze dice como funcionabons colégios, se dedicar integralmente ao cursoblaze dice como funcionamedicina e começar a trabalhar apenas aos 27 anos, já formada.

"A história láblaze dice como funcionacasa é a provablaze dice como funcionaque um negro que ascende faz ascender junto a família toda", afirma. "Na minha geração, dos netos do vovô, todos nós hoje temos curso superior."

blaze dice como funciona Disparidade

Hoje, Juliana faz parte da primeira associaçãoblaze dice como funcionamédicos e estudantesblaze dice como funcionamedicina negros do Brasil — o Iluma, Instituto Luiza Mahin, criado para reunir profissionaisblaze dice como funcionatodo o país e desenvolver projetos para reduzir a desigualdade racial na medicina.

Fundado no ano passado, o grupo acabablaze dice como funcionalançar um programablaze dice como funcionafinanciamento, apoio e orientação para que estudantes negros consigam completar a universidade.

"A ideia é garantir recursos financeiros para estudantesblaze dice como funcionamedicina pretos e carentes. Buscamos doadores para garantirmos bolsasblaze dice como funcionaR$ 400 por mês. Pode parecer pouco, mas é bastante para quem está deixandoblaze dice como funcionaestudar porque não tem o que comer ou porque não consegue comprar livros."

Procurados pela reportagem, nem o Ministério da Educação, nem o Conselho Federalblaze dice como funcionaMedicina dizem ter dados consolidados sobre o percentualblaze dice como funcionaformandos negrosblaze dice como funcionamedicina no país.

Mas uma pesquisa da Universidadeblaze dice como funcionaSão Paulo publicadablaze dice como funciona2018 ilustra a disparidade na profissão.

Enquanto 56% dos brasileiros se declaram negros (pretos ou pardos), segundo o IBGE, apenas 18% dos médicos brasileiros diziam se encaixar neste grupo,blaze dice como funcionaacordo com o estudo.

Mas se os médicos negros são minoria no país, os pacientes negros representam a maioria esmagadora dos usuários do Sistema Únicoblaze dice como funcionaSaúde (SUS) e respondem por 76% dos atendimentos e 81% das internações no SUS, segundo o IBGE.

"Tem estudante que vive com R$ 300 por pessoa na família, por mês. É um milagre estudar assim", diz a médica. Além da diferença econômica, o "choque racial para estudantes pretos é enorme", ela explica.

"Muitos destes estudantes vivemblaze dice como funcionaperiferias e convivem principalmente com pessoas negras. Então, às vezes pela primeira vez na vida, estão cercadosblaze dice como funcionaestudantes brancos e se pegam sendo o chamado 'negro único' pela primeira vez. Se destacam pelo jeito que falam, que se vestem, pela música que escutam. A pessoa se sente isolada e não tem com quem compartilhar essa tensão silenciosa."

blaze dice como funciona Fotosblaze dice como funcionaformatura

Filhoblaze dice como funcionaum seleiro (artesão que trabalha com couro) nascidoblaze dice como funciona1892, pouco depois da abolição da escravidão, Juarez Estevãoblaze dice como funcionaOliveira, paiblaze dice como funcionaJuliana, veio do interiorblaze dice como funcionaMinas Gerais para a casablaze dice como funcionaum parenteblaze dice como funcionauma favelablaze dice como funcionaBelo Horizonte.

"Eles eram tão pobres que não tinham dinheiro para tomar banho quente", conta Juliana.

Provavelmente o primeiro homem livre da família, o avô morreublaze dice como funciona1992, aos 100 anos.

"Eu infelizmente ainda era muito nova para ter curiosidade para temas raciais, então não pude conversar sobre isso com ele", lamenta.

Além do baixo númeroblaze dice como funcionacolegas negros nas formaturas, Juliana compara as fotosblaze dice como funcionafamília nas festasblaze dice como funcionadiplomação das duas gerações.

"A diferença é absurda. Na formatura do meu pai, ele e minha mãe estavam muito alegres, com sorriso no rosto e o peito estufado. O resto da família — os irmãos e meu avô — parece envergonhado, olhando para baixo, com sorriso contido."

Ela explica: "É claro que estavam mortosblaze dice como funcionaalegriablaze dice como funcionaver o parente se formando. Mas o racismo é algo enorme e coloca a pessoa negra que demonstra sentimentos como alguém dando vexame, como quem não sabe se comportar. Assim, mesmo eufóricos, meus parentes se fecharam dessa maneira".

"Já nas minhas fotos, você vê a diferença", ela prossegue. "Todo mundo sorrindo, todo mundo olhando para a câmera."

Juliana celebra a "clara mudança"blaze dice como funcionapostura.

"Estamos dizendo 'eu posso, eu conquistei, eu estou aqui e tenho o direitoblaze dice como funcionagritar e comemorar como eu quiser'."

blaze dice como funciona Diversidade racial na medicina

O objetivo do programablaze dice como funcionafinanciamento do Iluma é garantir "recursos financeiros e mentoria" para a estudantesblaze dice como funcionamedicina negrosblaze dice como funcionabaixa renda.

A mentoria — que inclui acompanhamentoblaze dice como funcionaatividades acadêmicas, notas e desempenho — é feita por médicas e médicos negros.

"A gente trabalha para garantir meios para que a pessoa consiga seguirblaze dice como funcionafrente e se formar", explica Juliana Oliveira.

Já as doações mensaisblaze dice como funcionaR$ 400 podem ser feitas por qualquer um disposto a contribuir com o aumento da diversidade racial na medicina (mais detalhes aqui). blaze dice como funciona

Lançada oficialmenteblaze dice como funcionadezembroblaze dice como funciona2019, durante uma solenidade na Assembleia Legislativablaze dice como funcionaSão Paulo, a associação se propõe a promover e assegurar equidadeblaze dice como funcionadireitos políticos, educacionais, sociais e econômicos para a população negra.

Entre os objetivos do instituto estão a busca por "sustentabilidade econômica" para esta parcela da população, a defesa da educação e saúde gratuitas eblaze dice como funcionaqualidade, o combate ao "encarceramento sistemático da população negra", a "representatividade política como condição essencial para exercício do direito ao voto" e o "fomento do engajamentoblaze dice como funcionajovens e jovens adultos negros na luta antirracista".

Dos 209,2 milhõesblaze dice como funcionabrasileiros, segundo a Pesquisa Nacional por Amostrablaze dice como funcionaDomicílios (Pnad) Contínua do IBGE, 19,2 milhões se autodeclaram pretos e 89,7 milhões se apresentam como pardos.

Dados referentes a 2018, divulgadosblaze dice como funcionanovembroblaze dice como funciona2019 pelo IBGE, mostraram que, pela primeira vez na história, o númeroblaze dice como funcionaestudantes negrosblaze dice como funcionafaculdades públicas brasileiras superou oblaze dice como funcionaalunos brancos: 50,3%blaze dice como funcionapretos e pardos contra 49,7%blaze dice como funcionabrancos.

Apesarblaze dice como funcionaainda não se refletir nos cursos mais disputados, como é o casoblaze dice como funcionamedicina, a conquista, segundo o IBGE, é um fruto direto da políticablaze dice como funcionacotas raciais nas universidades públicas.

Apesarblaze dice como funcionaterem superado o númeroblaze dice como funcionabrancos nas faculdades públicas, a maioria dos universitários pretos (66,86%) e pardos (73,54%) brasileiros estudablaze dice como funcionafaculdades particulares, segundo dadosblaze dice como funciona2018 do Inep.

blaze dice como funciona 'Não vive, não sabe'

Juliana conta que ter nascidoblaze dice como funcionauma família com boas condições financeiras trouxe vantagens indiscutíveis, mas não tornoublaze dice como funcionatrajetória igual ablaze dice como funcionacolegasblaze dice como funcionaprofissão brancos.

"A tensão racial esteve presenteblaze dice como funcionatodos os lugares, desde a universidade até hoje."

Durante a entrevista, a médica enumera uma sérieblaze dice como funcionaepisódios racistas vividos ao longo da carreira.

"Acontece muito por eu hoje usar um cabelo afro, que expõe gritantemente a minha raça e meu posicionamento político — porque usar um black power é um gesto político", diz.

Alémblaze dice como funcionacomentários racistas sobreblaze dice como funcionaaparência, Juliana ilustra as barreiras na profissão pela ausênciablaze dice como funcionaequipamentosblaze dice como funcionaproteção individual pensados para profissionais negros.

"Por exemplo, a touca que todos nós usamos nos procedimentos. Não existe touca para médico preto. Não se encontra touca médica onde caiba um black power, um dreadlock, uma trança. Nada."

Asblaze dice como funcionaJuliana são feitasblaze dice como funcionacetim por encomenda.

"Quando souberam, minhas colegas disseram que nunca pensaram sobre a dificuldade das touquinhas para cirurgiões negros."

Ela explica: "Você não vive, você não sabe".

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