De máscaras à cloroquina, o que idas e vindas na pandemia ensinam sobre a ciência:elf slot

Ilustraçãoelf slotcientista olhando microscópio

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Pandemiaelf slotcoronavírus é oportunidadeelf slot'tempo real' para melhora da divulgação científica e para a familiarização do público com noções científicas

Esses comentários vieram das rede sociais da BBC News Brasil, como reaçõeself slotleitores a reportagens sobre tratamentoself slotestudo, recomendaçõeself slotautoridades e pesquisas científicas na atual pandemiaelf slotcoronavírus — mas, vale dizer, ao ladoelf slotmuitos outros comentárioself slotinternautas que acrescentaram informações e opiniões ou que exaltaram o conhecimento científico das novas descobertas.

Pesquisadores, professores e pessoas dedicadas à divulgação científica que conversaram com a BBC News Brasil apontaram que a atual pandemia está explicitando desafios para a compreensão do público do que é a ciência e o seu "tempo" e, também, para que os especialistas se comuniquem bem para alémelf slotseus muros. E, claro, nesse meio do caminho está a mídia, que também passa por suas críticas e desafios.

A atual pandemiaelf slotcoronavírus é uma oportunidadeelf slot"tempo real" para que estes pontos sejam melhorados, dizem os entrevistados — um esforço, porém, que não éelf slothoje e nem deve se limitar ao momento crítico pelo qual o mundo passa.

O que explica mudançaself slotposicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao longo da pandemia, entidade que sempre verbaliza a importância das evidências científicaself slotsuas decisões? Por que,elf slotum dado momento, um remédio parece ser promissor para tratar a covid-19 e, depois, aparece um novo estudo indicando que não é bem assim?

A BBC News Brasil debateu com entrevistados episódios polêmicos envolvendo o conhecimento científico nesta pandemia — e também lições que podemos tirar deles.

Pedimos para "especialistas" e educadores apontarem ainda noções científicas que recomendam serem melhor conhecidas por mais pessoas, independentementeelf slotidade, se está estudando no momento ou não, classe social ou…. posição política. Estas noções são apresentadas ao longo da reportagem. Confira.

Ciência não produz dogmas

Célulaself slotpaciente (em azul) infectadas com partículas do coronavírus (vermelho)elf slotimagem do tipo micrografia eletrônica, divulgada pelo National Institutes of Health dos EUA

Crédito, EPA/NIAID

Legenda da foto, Célulaself slotpaciente (em azul) infectadas com partículas do coronavírus (vermelho)elf slotimagem do tipo micrografia eletrônica, divulgada pelo National Institutes of Health dos EUA

Presidente do Instituto Questãoelf slotCiência, dedicado ao uso das evidências científicas nas políticas públicas, a bióloga Natalia Pasternak destaca que mudar faz parte do processo científico, pois ele não é orientado por "dogmas" — no dicionário Aurélio, dogma aparece primeiro como algo associado à religião, mas não só.

Segundo o dicionário, dogma é um "ponto fundamental e indiscutívelelf slotdoutrina religiosa e, por extensão,elf slotqualquer doutrina ou sistema".

Algo diferente dos princípios científicos, aponta Pasternak.

"A ciência não é dogmática, ela tem um processo contínuoelf slotacúmuloelf slotevidências. Neste momento, trabalhamos com as melhores evidências existentes. Esse processo às vezes passa a impressãoelf slotque o cientista não sabe o que está fazendo, que ele mudaelf slotideia. A ciência mudaelf slotideia, sim — tem que mudar, quando está diante das melhores evidências", diz a cientista, doutoraelf slotmicrobiologia pela Universidadeelf slotSão Paulo (USP).

"Isso às vezes não transmite a segurança que as pessoas gostariamelf slotter,elf slotuma verdade absoluta."

Entre os médicos, inclusive, há um bordão que reflete essa mutabilidade do conhecimento e, ao mesmo tempo, a impossibilidadeelf slotse saber tudo: "na medicina, nem nunca, nem sempre".

Noções básicas sobre o conhecimento científico sugeridas pelos entrevistados

  • elf slot Ciência: Vamos entender aqui como uma organização metódica e racionalelf slotfenômenos do mundo, sejam naturais ou sociais. Ela também tem raízes históricas — apesarelf slotter descobertas e métodos que remontam à Antiguidade e com origemelf slotvárias parte do mundo, a ciência como conhecemos hoje ganhou corpo e maior importância, inclusive social e política, na Europa a partir do século 17.
  • elf slot Hipóteses: Um esquema genérico do método científico, inclusive ensinado nas escolas, normalmente segue uma ordem parecida com esta: perguntas>hipóteses>teste>resultado. Perguntas costumam vir da simples observação, explica Ayanda Lima, bióloga e professoraelf slotensino médioelf slotGoiás. Pode ser algo simples, como observar que as folhaself slotuma árvore são verdes e perguntar: por que elas têm essa cor? Daí vêm as hipóteses, possíveis explicações a serem averiguadas, como: será que elas ficam verdes porque tem algo dentro das plantas que as deixa assim?
  • elf slot Teste, método e resultados: Em seguida, vem um teste, queelf slotalguns casos é um experimentoelf slotlaboratório — mas nem sempre, dependendo da área ou objetoelf slotpesquisa (a antropologia, por exemplo, desenvolveu ao longo tempo o método clássico da etnografia). O teste exige um método planejado e,elf slotpreferência, avaliado, aceito e capazelf slotser repetido por outros cientistas. No exemplo das folhas verdes, um teste seria macerá-las e depois analisar, com microscópio, seus componentes. Spoiler! Como o acúmuloelf slotpesquisas já nos mostrou, um teste como esse revela que há organelas nas células vegetais, os cloroplastos, que dão essa coloração às plantas. Assim, depoiself slotum teste, pode haver um resultado satisfatório como esse — que, com o acúmuloelf slotpesquisas semelhantes, forma um conjuntoelf slotevidências; mas também podem vir resultados que não correspondem à hipótese inicial, no entanto contribuem também para se pensarelf slotpesquisas com novos caminhos.
  • elf slot Teorias: Trata-seelf slotum conjuntoelf slotevidências maior, não apenas amplamente aceito pela comunidade científica, mas uma referência para ela — como a Teoria do Big Bang para a criação do Universo e a Teoria da Evolução na biologia. As teorias conseguem explicar várias situações e exemplos relacionados. Por mais difícil que seja, teorias podem eventualmente ser superadas.
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Para Jarbas Barbosa, médico brasileiro e diretor-assistente da Organização Pan-Americanaelf slotSaúde (Opas), braço regional da OMS nas Américas, mudar dianteelf slotmelhores evidências científicas é "absolutamente esperado" — ainda maiself slotuma pandemia como a atual, causada por uma doença nova como é a covid-19.

"Estamos tratandoelf slotuma doença nova, completamente diferenteelf slotqualquer coisa que a gente viu antes nos últimos 100 anos na saúde pública. Com essa característicaelf slotdisseminar rápido e produzir muitos casos graves, é a primeira que temoself slot100 anos", destaca Barbosa, médico sanitarista e epidemiologista e doutorelf slotsaúde coletiva pela Universidadeelf slotCampinas (Unicamp).

"Claro queelf slotuma situação como essa, adaptar, mudar recomendações, é absolutamente esperado. O inesperado seria o contrário. Se você pegar o que se diziaelf slotjaneiro e o que se diz agora, quem não mudou ou adaptou foi só teoria da conspiração — eles continuam pensando exatamente igual. Mas quem se baseiaelf slotciência viuelf slotseis meseself slotpandemia coisas absolutamente inovadoras."

O diretor-assistente da Opas menciona como exemplos teorias da conspiraçãoelf slotinfluência da China na OMS, acusação frequente partindo dos EUA; ou vice-versa. Ele destaca, entretanto, que a estrutura da organização "garante decisões técnicas e proteção à pressãoelf slotpaíseself slotparticular" — como a existênciaelf slotum setorelf slotcontroleelf slotqualidade das recomendações e estudos produzidos pela entidade; a exigênciaelf slotdeclaraçãoelf slotconflitoelf slotinteresseself slotreuniõeself slotalto escalão; uma rede com maiself slot800 centros colaboradoreself slottodo o mundo, como universidades e secretariaself slotsaúde no Brasil; e a própria assembleia mundial da saúde, com maiself slot190 países com votos equivalentes.

"Às vezes vejo comentários como se a OMS fosse uma forçaelf slotocupação, que poderia ter entrado na China… Isso é ficção científica. Nenhum país vai abrir mão daelf slotsoberania para nenhum organismo internacional", afirma. "No limite do que é possível, a OMS tem mecanismoself slotproteção contra influências bem estabelecidos."

Apesarelf slota entidade afirmarelf slotindependência, isso não foi suficiente para impedir que o presidente Donald Trump anunciasse a retirada dos EUA da OMS, acusando-aelf slotsofrer influência desmedida da China eelf slotter falhado no combate ao coronavírus. Entretanto, apesarelf slotter sido formalmente iniciada, a saída dos Estados Unidos da OMS não necessariamente vai se concretizar.

Mudançaelf slotrecomendação sobre uso generalizadoelf slotmáscaras

Dois pedestres com máscaras passamelf slotfrente a cartazes com carinhas felizes, uma delaself slotcabeça pra baixo

Crédito, EPA/Fernando Bizerra

Legenda da foto, Pedestres usando máscaraself slotSão Paulo;elf slotjunho, OMS mudou seu posicionamento sobre uso generalizado do item pela população

A OMS classificou a crise sanitária causada pelo coronavírus como uma pandemia — disseminação mundial e simultâneaelf slotuma nova doença — em março. Desde então, a organização, um organismo multilateral vinculado às Nações Unidas, mudou por exemploelf slotposiçãoelf slotrelação ao uso generalizadoelf slotmáscaras contra a covid-19. Até junho, a entidade afirmava não haver evidências científicas suficientes para dizer que pessoas saudáveis deveriam usar o item — que deveria, sim, ser prioridade para pessoas doentes e profissionaiself slotsaúde.

Mas, naquele mês, a OMS anunciou que, mediante novas evidências científicas avaliadas por um comitê e a consideraçãoelf slotpreferências individuais e fatores sociais, como a dificuldadeelf slotrealização do distanciamento físico, o uso disseminadoelf slotmáscaras passou a ser encorajado.

Mesmo assim, o documento que respaldou a novidade é modestoelf slotrelação ao usoelf slotmáscaras como medidaelf slotproteção: "No momento, o uso generalizadoelf slotmáscaras por pessoas saudáveiself slotcontextos comunitários ainda não é respaldado por evidências científicas diretas ouelf slotalta qualidade, e existem possíveis benefícios e riscos a serem considerados (...)".

Jarbas Barbosa afirma que,elf slottodo esse período, a organização manteve uma posição: a preocupaçãoelf slotapontar que apenas o usoelf slotmáscara é insuficiente como medida preventiva.

"Do que sabíamos até o começo do ano, não havia muitas evidências sobre o usoelf slotmáscaras — no caso da influenza, as evidências existentes falavam que ela praticamente não tinha muita importância. Agora, já temos evidênciaself slotqueelf slotdeterminadas circunstâncias, principalmenteelf slotambientes com aglomeração quase natural, como transporte público e lojas, o usoelf slotmáscara pode ter um papel. Então, várias coisas surgiram neste período", lembra Barbosa, que já foi presidente da Agência Nacionalelf slotVigilância Sanitária (Anvisa) entre 2015 e 2018.

"Mas mesmo hoje, quando a gente faz revisão sobre as máscaras, não encontra evidências fortes para recomendar o uso. Continuamos com a preocupaçãoelf slotque as pessoas achem que só com aquilo estão protegidas. O mau usoelf slotmáscara — a pessoa que toca muito, que faz o uso da mesma máscara uma semana seguida — pode ser até um fator agravante. Nas últimas recomendações, a OMS sugere que os países que estão adotando (a orientação) façam estudos para que possamos construir evidências mais robustas."

Como também mostrou a BBC News Brasilelf slotjunho, uma fala da epidemiologista Maria Van Kerkhove durante coletivaelf slotimprensa da OMS gerou confusão no público e reaçõeself slotespecialistas apontando que a fala foi mal colocada.

Van Kerkhove afirmou que era "muito raro" que pessoas assintomáticas transmitissem a doença, mas depois a organização precisou esclarecer que ela estava se referindo a pessoas realmente assintomáticas — não incluindo pessoas pré-sintomáticas, por exemplo. O posicionamento oficial da organização diz que revisão da literatura científica mostra que os casos assintomáticos poderiam variar entre 6% e 41% dos casoself slotcontaminação — ou seja, ainda há grande incerteza sobre qual a proporçãoelf slotcasos assintomáticos entre os contaminados.

Cloroquina, Lancet e OMS

Cartelaelf slotcomprimidos e caixa escrito 'hidroxicloroquina', com painel escrito 'coronavírus' atrás

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, OMS também mudouelf slotplanoself slotrelação à hidroxicloroquina como tratamentoelf slotteste para a covid-19

Outro episódioelf slotgrande repercussão nesta pandemia envolvendo a OMS foi relacionada aos estudos com a cloroquina e hidroxicloroquina — um derivado mais brando da primeira. Estes medicamentos são usados hoje, respectivamente, para tratar malária; e, no caso da hidroxicloroquina, reumatoide, lúpus e outras doenças autoimunes.

Inicialmente, a hidroxicloroquina foi escalada para o projeto Solidarity, da OMS, que está conduzindo estudos clínicos com potenciais tratamentos para a covid-19elf slotdiversos países. No entanto, a organização anunciouelf slotjulho que, seguindo recomendação do conselho diretivo do projeto, os testes com a droga foram definitivamente descontinuados.

"Resultados parciais (do projeto Solidarity) comprovaram o que vários outros estudos consistentes já tinham mostrado:elf slotpacientes hospitalizados, a hidroxicloroquina não traz nenhum benefício e tem um risco, ainda que raro,elf slotproduzir arritmia cardíaca. Em um estudo, você não pode piorar — medicamente, é inaceitável. Este comitê diretivo tem o papelelf slotrevisar tudo o que é informação, comoelf slotrelação à segurança (do medicamento). Então, não é que a OMS 'mudouelf slotopinião' — ela agiu como deveria agir", afirma o diretor-assistente da Opas.

Mas, antes que a OMS decidisse definitivamente retirar a hidroxicloroquina do Solidarity, houve uma grande pedra no meio do caminho envolvendo outra marcaelf slotrenome — a revista científica Lancet, considerada o segundo periódico com maior fatorelf slotimpacto (métrica composta por vários indicadores da influênciaelf slotuma publicação científica) no mundo, atrás apenas do New England Journal of Medicine, segundo o relatório Journal Citation Reports 2018, da consultoria Clarivate Analytics.

Em 22elf slotmaio, foi publicado no Lancet um artigo do tipo observacional (entenda a definição abaixo) que afastou os benefícios do tratamentoelf slotcovid-19 com a cloroquina e hidroxicloroquina usando informaçõeself slot96 mil pacienteself slotvários países, coletadaself slotuma baseelf slotdados da empresa Surgisphere.

Logo após a publicação, a OMS anunciou a suspensão — naquele momento, ainda temporária — do estudo com hidroxicloroquina no Solidarity.

Entretanto, no inícioelf slotjunho, veio um novo contratempo: os autores solicitaram a retrataçãoelf slotseu próprio artigo ao Lancet, um procedimento raro mas previsto nos protocoloself slotperiódicos renomados quando há algum tipoelf slotmá conduta, fraude ou erro detectado.

Após a publicaçãoelf slotmaio, outros pesquisadores não envolvidos no estudo cobraram mais detalhes sobre os dados da Surgisphere, ao que os autores contrataram auditores independentes para atender à cobrança dos colegas. No entanto, a empresa se recusou a fornecer o conjuntoelf slotdados completo, pois isso violaria contratos com clientes e o compromisso com a confidencialidade.

Assim, os autores escreveram ao Lancet que não poderiam garantir mais a qualidade dos dados primários — os dos milhareself slotpacientes envolvidoself slottestes com a cloroquina e hidroxicloroquina.

Para a matemática Tatiana Roque, coordenadora do Fórumelf slotCiência e Cultura da Universidade Federal do Rioelf slotJaneiro (UFRJ), o episódio do Lancet reflete um descompasso que pode acontecer entre a pressão por respostas, como vemos na atual pandemia; e o tempo "natural" da ciência, que por vezes precisaelf slotanos, décadas e até séculos para avançar.

"O que aconteceu com o Lancet chama a atenção justamente porque, por conta da pressa, alguns critérios (de rigor científico) não foram observados: a origem e confiabilidade dos dados. Se para dar respostas rápidas a ciência queimar etapas, atropelar a temporalidade necessária para gerar resultados sólidos, pode acabar sendo pior — quando um resultado precisa ser revisto, por exemplo", avalia Roque, também doutoraelf slothistória das ciências e epistemologia.

Natalia Pasternak concorda. Ela avalia que potenciais remédios e vacinas, queelf slotcondições normais podem levar anos e até décadas para serem desenvolvidos, testados e aprovados para uso, estão no caso da covid-19 já sendo acelerados a uma velocidade talvez nunca antes vista. E isto, às vezes, beira a riscos.

"Nem sempre dá tempoelf slotfazer padrão ouro (ou máximo) — inclusive muitos estudos estão sendo feitos sem duplo cego, sem placebo. Pela pressa, a gente já está perdendo o rigor. Mas a gente não pode perder tanto o rigor a pontoelf slota resposta ser inútil", aponta a bióloga.

"Na áreaelf slotvacinas, há muita preocupação com a pressa. Porque com vacina, você não pode errar — milhõeself slotpessoas vão receber as doses. E elas já estão sendo desenvolvidaself slottempo recorde, principalmente por ter muita gente trabalhando junto. A gente não pode se dar o luxoelf sloterrar, porque estamos vivendo um ambiente mundialelf slotdesconfiança das vacinas."

O rigor exigido hojeelf slotvacinas e remédios, lembra Pasternak, não existia quando a penicilina foi usada na Segunda Guerra Mundial — este é um exemplo frequente apresentado como argumento por quem defende o uso da cloroquina contra a covid-19, fazendo uma analogia entre a urgência do conflito bélico com a pandemia do coronavírus.

"Gosto muito deste exemplo da penicilina. Naquela época, realmente, nem se fazia estudo clínico controlado. A penicilina foi testadaelf slotcamundongos, mas o tamanho do efeito foi tal que não poderia ser ignorado — simplesmente, todos os animais tratados com penicilina sobreviveram, e todos que não foram, morreram. Se você tem uma pessoa entre a vida e a morte e um remédio que funcionou 100%elf slotcamundongos, manda ver. Não podemos esquecer, porém: quantos soldados morreram porque eram alérgicos a penicilina, como foi descoberto depois?", questiona.

"E, para a covid-19, pode não haver tratamento específico, mas ninguém está jogado à própria sorte. Existe protocoloelf slotatendimento, com suporteelf slotoxigênio, ventilação mecânica, entre outros", diz, criticando a analogia da atual pandemia com uma guerra.

Como são feitos os estudos na área médica

As definições se baseiamelf slotum guia da Academiaelf slotCiências Médicas do Reino Unido feito com o objetivoelf slotmelhorar a comunicação entre instituiçõeself slotpesquisa e jornalistas, trazendo um sistemaelf slotclassificaçãoelf slottipoself slotpesquisa e suas explicações — documento que usamos frequentemente aqui, na BBC News Brasil.

  • elf slot Estudo observacional: Autor investiga se X está correlacionado a Y, não sendo capazelf slotdemonstrar causa e efeito pois não há manipulaçãoelf slotvariáveis — diferenteelf slotum estudo do tipo RCT, por exemplo.
  • elf slot Ensaio clínico randomizado controlado, o RCT (randomised controlled trial,elf slotinglês): Experimento que envolve pacientes (clínico), divididos aleatoriamente (randomizado)elf slotum grupo que recebe o tratamento testado; e um grupoelf slotcontrole, que não recebe o item testado — mas sim um placebo ou tratamento diferente. Experimentos assim podem ter ainda a característicaelf slotter "duplo cego", quando nem pesquisadores nem participantes sabem quem estáelf slotqual grupo. Estudos RCT são considerados o "padrão ouro"elf slotpesquisas com remédios e vacinas.
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O papel dos 'experts' e da mídia

Câmera, repórter e entrevistado a postos (mas sem rostos identificados)

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Cientistas criticam tendência da mídiaelf slotapresentar experts como figuras individuais, quase como se tivessem opiniões pessoais

Tatiana Roque, que alémelf slotpesquisadora tem também passagem pela política, tendo sido candidata a deputada federalelf slot2018 pelo PSOL, acrescenta que o caso da cloroquina ensina mais uma coisa: a confusão entre ciência, política e experts — especialistas que frequentemente opinam na mídia e aconselham governos para embasar decisões.

"A cloroquina mostrou uma confusão entre esses três âmbitos, porque eles têm temporalidades muito diferentes. Era completamente impossível ter resultados sobre a cloroquina a tempo do que exigia a pressão política. Mas acabou sendo muito urgente ter resultados rápidos, porque presidentes como Trump e Bolsonaro estavam defendendo o remédio para tratamento da covid-19. Os protocoloself slotestudos clínicos foram atropelados", diz Roque, que aponta, neste caso, o médico francês Didier Raoult no papel do expert — que vem defendendo o uso da cloroquina no tratamentoelf slotcovid-19.

"Muitas vezes, um especialista individualmente vai defender pontos que não são validados pela comunidade científica. Não adianta colocar um especialista contra o outro como se fossem opiniões pessoais. É preciso pensar nas instituições e na comunidade que validam este conhecimento."

Publicações científicas

  • elf slot Peer review elf slot , ou revisão dos pares: Etapa comum antes da publicaçãoelf slotum artigoelf slotperiódico,elf slotque o material é avaliadoelf slotforma independente por pesquisadores da área, que recomendamelf slotrejeição ou aceitação — muitas vezes, nesse caso, com pedidoself slotalteração. A independência é garantida, por exemplo, por plataformaself slotenvioelf slottrabalhos que impedem a identificação dos autores e avaliadores.
  • elf slot Preprint, ou pré-publicação: Como está sendo visto frequentemente na atual pandemia, há plataformas na internet para envioelf slotpreprints, ou seja, artigos que não passaram ainda pelo processo completoelf slotavaliação dos pares e publicaçãoelf slotum periódico. Segundo a bióloga Natalia Pasternak, os preprints têm uma funçãoelf slotcomunicação entre os cientistas — para que uns saibam o que outros estão produzindo, por exemplo, podendo levar a colaborações —, entretanto muitas vezes tendo o objetivo desviado quando lidos e divulgados pela mídia e pelo público leigo.
  • elf slot Conflitoself slotinteresse: Periódicos renomados costumam ter regras para tentar blindar pressões como, por exemplo, aelf slotuma empresa farmacêutica interessada que uma drogaelf slotteste tenha bons resultados e, por outro lado, efeitos colaterais mostrando-se insignificantes. Um dos principais mecanismos para isso é a declaraçãoelf slotconflitoself slotinteresse, um campo preenchido por autores e publicado no artigoelf slotque estes apresentam eventuais financiamentos recebidos para pesquisa, expondo o nome dos financiadores e a forma com que eles interferiram no estudo.
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A participação e validação entre colegas, na comunidade científica, acontece a todo momento na rotinaelf slotum pesquisador. Para se entrarelf slotum mestrado ou doutorado, e depois, para defender uma dissertação ou tese, há sempre bancaself slotpesquisadores para avaliar o trabalho do candidato. O mesmo acontece para alguém concorrendo a uma vagaelf slotprofessorelf slotalguma universidade. Um artigo publicadoelf slotperiódico ou apresentadoelf slotum congresso frequentemente precisa passar antes pela avaliaçãoelf slotpares.

E,elf slottodos tipoself slotpublicação,elf slotum artigo a uma tese, são presenças certas o chamado "estado da arte" — a apresentaçãoelf slotestudos anteriores naquela área ou assunto — e as referências bibliográficas, uma formaelf slotdestacar e reforçar pesquisas já feitas por outros estudiosos.

Ilustração mostra três pessoas, representando pesquisadores,elf slotambienteelf slotlaboratório - com computadores e engrenagens

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Bancas, congressos, revisãoelf slotpares... a validação 'comunitária' do conhecimento faz parte da rotinaelf slotum cientista

Ao falar da diferença entre pesquisadores atuando individualmente ouelf slot"comunidade", Roque menciona um vídeo que é um queridinho entre cientistas e pessoas que trabalham com divulgação científica — um episódio do programa Last Week Tonight, do comediante britânico John Oliver,elf slotque ele brinca com a proporçãoelf slotcientistas que concordam haver evidências do papel humano nas mudanças climáticas, versus os chamados negacionistas.

O apresentador está na bancada com um representanteelf slotcada "lado" quando,elf slotrepente,elf slotnomeelf slotum "debate estatisticamente representativo sobre as mudanças climáticas", convida mais 96 cientistas que reconhecem o papel humano nas mudanças climáticas — ou seja, mostrando que não há dois lados com mesmo peso sobre a questão, mas sim a preponderânciaelf slotuma mesma avaliação entre os cientistas.

A cientista diz que a mídia deve estar atenta à colocação dos experts e também para a coberturaelf slotciência a longo prazo.

"Espera-se dos experts que eles enunciem certezas — ninguém chama um especialista para falar 'não sei' na TV. Mas é mais interessante que o especialista seja aquele que ajude a refletir, e menos alguém que vá dar respostas", sugere Roque.

"Também é importante que a mídia faça um trabalhoelf slotdivulgação científicaelf slotlongo prazo — e não apenas na hora da pandemia. É importante passar para o público o gosto pela ciência, mostrar que ela tem uma história longa —elf slotvez da afirmaçãoelf slotcertezas absolutas, o que passa uma imagem às vezes arrogante."

"Na verdade, a especificidade da ciência é ter métodos para lidar com as incertezas. Ela não elimina a incerteza. Método confiáveis vão sendo formados ao longo do tempo, validados e protocolados por uma comunidade ampla; seus resultados podem ser reproduzidos no ambiente ouelf slotoutras pesquisas. Mas a ciência não enuncia certezas absolutas."

Natalia Pasternak também brinca que não existe cientista "a favor ou contra" a cloroquina — "o que tem são as evidências", diz.

"Se for um bom cientista, ele vai saber analisar essas evidências", aponta Pasternak, que aproveita para recomendar, para cientistas ou não, o livro O mundo assombrado pelos demônios, do biólogo e astrofísico Carl Sagan — segundo ela, "um dos melhores livros que ensina a pensarelf slotforma científica".

Parece mas não é

  • elf slot Correlação: Trata-seelf slotuma conexão entre duas coisas, mas não necessariamente com causalidade. "São eventos que acontecemelf slotforma concomitante e dão a impressãoelf slotcausa e efeito, principalmente se uma coisa acontece antes da outra — como observar que o galo canta logo antes do nascer do sol e deduzir que o sol só nasce porque o galo cantou", brinca Natalia Pasternak, dando o exemploelf slotuma correlação que poderia equivocadamente ser tomada como uma relaçãoelf slotcausalidade. Ela, aliás, recomenda o site e um livro intitulados Spurious Correlations, ouelf slotportuguês, "correlações espúrias". Seu autor, Tyler Vigen, ficou famoso ao criar diversos gráficos divertidos com aparente causalidade, mas que não têm nada a ver, como o númeroelf slotpessoas afogadaself slotpiscinas relacionado ao númeroelf slotfilmeself slotque Nicolas Cage atuou; e a taxaelf slotdivórcios no Estado do Maine associada ao consumoelf slotmargarina.
  • elf slot Causalidade: Aparentemente, é algo simples — um evento X causa Y, ou seja, Y é uma consequênciaelf slotX. Mas, para ir além da correlação, é preciso coletar dados e fornecer evidências descrevendo esta conexãoelf slotcausa e efeito. Por exemplo, há várias correlações entre tipoself slotcâncer e estiloelf slotvida, como na alimentação, práticaelf slotesportes e estresse. Mas como provar causalidade? No caso do tabagismo e câncerelf slotpulmão, foi assim: nos EUA, começou-se a observar que a curvaelf slotcigarros fumados por pessoa no país acompanhava o padrão da taxaelf slotmortes por câncerelf slotpulmão. Quando uma crescia, a outra também. Depois, isso foi associado a outras evidências, como aelf slotque pelo menos 70 substâncias químicas presentes na fumaça do cigarro causaram câncerelf slotcobaias no laboratório ouelf slothumanos. Assim, uma conexãoelf slotcausalidade foi demonstrada.
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Jarbas Barbosa, ao mesmo tempo, considera problemática a posturaelf slotalguns médicos no Brasil. O sanitarista conta ter se surpreendido, na pandemia, com médicos brasileiros postando protocoloself slottratamento no Facebook ou vídeos no Instagram recomendando medicamentos ainda não validados pela comunidade científica.

Como mostrou recentemente a BBC News Brasil, entidades médicas no país estão preocupadas com esse comportamentoelf slotprofissionais nas redes sociais na atual pandemiaelf slotcovid-19.

"Deveria estar mais presente no currículoelf slotmédicos brasileiros a separação do que é evidência do que é informação anedótica", conclui Barbosa.

A ciência está ao alcanceelf slottodos

Ilustração mostra homem e criança olhando para computador, rodeados por desenhos remetendo ao conhecimento, comoelf slotum planeta, letras, tuboelf slotensaio

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Professora lembra que a observação, uma capacidade humana, é um primeiro passo para o conhecimento

Mas, antes do conhecimento especializado que se obtém nas faculdades, há um lugarelf slotque o método científico pode e deve ser ensinado: as escolas.

Doutoraelf slotbiologia celular, a professora Ayanda Lima bem sabe disso — ela dá aulaself slotciências no ensino fundamental eelf slotbiologia no ensino médio e já foi destaque, junto com seus alunos do Centroelf slotEnsinoelf slotPeríodo Integral (Cepi) Dom Veloso, escola estadualelf slotItumbiara (GO),elf slotpremiações nacionais para projetos científicoself slotescolas. No casoelf slottrabalhos desenvolvidos sobelf slotorientação, já foram destaqueelf slotprêmios por exemplo um tijolo ecológicoelf slotalta durabilidade e um biofertilizante feito com soroelf slotleite bovino reutilizado.

"Não é clichê, não é utopia: a ciência realmente é para todos", disse à BBC News Brasil, por telefone.

"A metodologia científica pode ser aplicada por qualquer pessoa, independentemente da faixa etária e classe social. Todo mundo é capazelf slotobservar uma problemática e levantar hipóteses", afirma, lembrando que o conhecimento antigo e popular também pode ser científico.

"Por exemplo, quem cria aves e coloca uma galinha poedeira para cruzar com um galo bom, buscando uma linhagem muito boa — a pessoa observou, experimentou e viu que dava bons resultados. Isso é ciência. Ou quando você pergunta para uma pessoa se a mandioca dela cozinha bem e pede uma rama — ou seja, eu quero uma reproduçãoelf slotum produto igual àquele."

Das salaself slotaula, a professora aprendeu que na verdade é importante sair delas — para que o aprendizado dos livros se conecte com a observação e seja impulsionado pela curiosidade. Isso pode acontecer tantoelf slotlaboratórios quantoelf slotuma simples volta na área externa da escola, onde tudo é passívelelf slotobservação —elf slotplantas a formigas e cupins.

O antropólogo Gersem Baniwa, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), também lembra do valor do conhecimento não só dito popular — mas também daqueles saberem que vêmelf slotoutros lugares, povos e tempos algo distantes da origem europeia e racional que a ciência dominante carrega.

Sua posição éelf slotquem vive esse encontro — e às vezes desencontros — na pele.

"A ciênciaelf slothoje,elf slotgrande medida, está fundamentada no racionalismo cartesiano,elf slotuma visão positivista do homem. Issoelf slotalguma maneira condiciona as possibilidades da própria ciência. Podemos perceber isso sobretudo quando vivemos outras lógicas, como é meu caso: estudei a ciência 'eurocêntrica' para me formar, mas também guio minha percepção do mundo com a lógica indígena, do meu povo Baniwa", conta o cientista social, graduadoelf slotfilosofia e mestre e doutorelf slotantropologia pela Universidadeelf slotBrasília (UnB).

"Sim, claro, a ciência ocidental, eurocentrada, temelf slotimportância — até porque suas conquistas são gigantescas, dignaself slotcomemoração civilizatória, não tenho a menor dúvida", diz, mencionando seu contato, nos últimos anos, também com filosofias orientais, negras e neoafricanas.

"Mas quando percebemos essa pluralidadeelf slotperspectivas, acho fantástico: é isso que forma a grande ciência, esta sim a ciência universal. Se pensássemos na complementaridade entre elas, quem sabe ganharíamos velocidade para compreender mais o mundo."

O antropólogo exemplifica como a perspectivaelf slotseu povo difere da visão dominanteelf slotuma doença como a covid-19 — enquanto esta, representada pela medicina ocidental, tende a focar no elemento biológico (o víruself slotsi), a perspectiva indígena é mais holística ao considerar fatores espirituais e comunitários do adoecimento.

E, ainda que reconheça que a ciência eurocentrada formou um método que se destaca por seu rigor, sobretudo ao se fecharelf slotexperimentos dentroelf slotlaboratórios, Baniwa lembra que saberes milenares também têm características dessa ciência dominante.

"Como o pajé chega ao seu domínioelf slotconhecimento? São décadas (de aprendizado). O saber indígenaelf slotmodo geral é resultadoelf slotlongos anoself slothistória —elf slotobservação, experimentação, comprovação, contrapontos. Os índios conhecem hoje plantas que matam — são resultadoelf slotexperimentações", aponta.

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